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reqtes: Dauro vitório de Faria e outra reqdos: Alexandre Batista pereira e outros

imóvel: Fazenda vargem Bonita

i – rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

Cuida-se de AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE aforada por DAURO VITÓRIO DE FARIA e PATRÍCIA

OLIVEIRA BATISTA DE FARIA contra ALEXANDRE BATISTA PEREIRA, VALDERICO ARAÚJO MESQUITA, JOEL MENDES DE SOUZA, ALDO RIBEIRO DA SILVA, JOSÉ RIBAMAR DA SILVA e requeridos incertos ou desconhecidos. Dizem-se os requerentes possuidores do imóvel rural Fazenda Vargem Bonita, em Unaí/MG, com

área de 438,40,00 ha, de cuja posse teriam sido esbulhados pelos requeridos em 15.06.2003, em invasão de uma área com 15 ha. Destacam que o INCRA já manifestara não ser o imóvel suscetível de desapropriação. Pedem, desde a concessão liminar, a ordem de reintegração (f. 02-04). Juntam documentos (f. 05-11).

O Ministério Público é pela justificação da posse (f. 13-17).

Os requerentes noticiam a invasão de imóvel limítrofe e reiteram o pedido de desocupação (f. 18 e 21-23). Juntam

documentos (f. 19-20 e 24).

Concessão liminar da ordem (f. 26-29), cumprida em 16.01.2004 (f. 169), de que o Ministério Público in-

terpôs agravo de instrumento (f. 37-54), provido pelo T.J.M.G. em 20.05.2004 (AI no 444.880-4 – f. 103-111). Negado provimento, pelo STJ, ao agravo interposto do despacho de inadmissão de recurso especial dos requeren- tes (f. 242-248).

Citação ficta (f. 61, 74, 80 e 81).

Os requerentes juntam documentos (f. 82-101).

O INCRA informa a inviabilidade do imóvel para reforma agrária (f. 75 e 120) e encaminha Relatório Agronômi-

co de Fiscalização (f. 122-149), visto pelos requerentes (f. 159-160) e pelo Ministério Público (f. 150-153). Audiência em 02.09.2004, ouvidas 02 (duas) testemunhas (f. 178-180).

Os requerentes pedem o restabelecimento da ordem concessiva (f. 199).

Contestação, pelo Curador Especial nomeado aos requeridos revéis citados por edital (f. 198), alegando, em pre- liminar, nulidade da citação, falta de interesse processual, ilegitimidade passiva e, no mérito, descumprimento

da função social (f. 199-203).

Impugnação (f. 208-209) e documentos (f. 210-215).

O Ministério Público encaminha expediente do INCRA, referente a possível aquisição ou desapropriação do imóvel, e propugna pela suspensão da ordem (f. 222-224).

Restabelecimento da ordem de reintegração liminar e anulação do processo por vício da citação (f. 225-228). Citados por edital (f. 231, 250, 254 e 257), os requeridos nominados não se manifestaram (f. 259), sendo-lhes

nomeado Curador Especial, que ofereceu contestação, alegando, em preliminar, nulidade da citação, falta de

interesse processual, ilegitimidade passiva e, no mérito, descumprimento da função social. Pede a concessão do

benefício da assistência judiciária gratuita (f. 261-264).

Impugnação (f. 266).

Encerrada a instrução (f. 268), memoriais, com razões finais, pelos requerentes (f. 274-276) e requeridos (f. 281- 282). O Ministério Público é pela improcedência do pedido (f. 284-290).

Anulação do feito a partir da fase de especificação de provas, inclusive, e nomeação de Curador Especial aos requeridos incertos ou desconhecidos (f. 293-295), que ofereceu contestação, com alegação de descumprimento

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Impugnação (f. 305).

Recomendação de produção de prova documental do cumprimento da função social (f. 308v-311). As partes e o Ministério Público não requereram provas (f. 319 e v).

O Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério do Meio Ambiente informam inexistir registro de infrações trabalhistas e ambientais no imóvel (f. 320 e 321).

É o relatório.

ii – FuNDAmENtAção

* (...) *

3 – o cASo NA ESpEciAliDADE

Estabelecidas as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade.

1 – A prática, pelos requeridos, de atos de esbulho há menos de ano e dia do ajuizamento da ação vem relatada

no boletim de ocorrência lavrado em 20.07.2005. A autoridade policial, presente ao local dos fatos, consigna que, “em contato com os invasores, tivemos conhecimento [de] que são militantes do MST e pretendem adquirir a terra através do INCRA. O motivo da invasão foi porque tiveram conhecimento [de] que a referida fazenda, através de seus proprietários, são devedores (sic) de um banco público. Os invasores são pessoas do município e vieram do acampamento existente às margens da Rodovia MG 628, Unaí/Buritis, na Ponte do Roncador. Segundo eles, a invasão se deu no dia 16-07-2005” (f. 31-32).

A prova oral corrobora a alegação de perda da posse, havendo a testemunha SÍLVIO FURTADODE OLIVEIRA declarado que o imóvel fora invadido em 17 de julho de 2005, encontrando-se acampadas no local 70 (setenta) famílias. No mesmo sentido, o depoimento da testemunha JOSÉ EDUARDODE OLIVEIRA:

“que o autor sempre teve posse tranqüila do imóvel; que uns 20 dias para cá algumas pessoas ocuparam uma parte da fazenda do autor; que não sabe dizer qual a área ocupada pelos réus; que a área ocupada pelos réus está próxima à antiga sede da fazenda e a estrada” (f. 1333-1334).

Também as fotografias que arrimam a inicial, acompanhadas dos respectivos negativos (f. 1314), dão a ver que integrantes de movimento de sem-terra se estabeleceram precariamente no imóvel, onde levantaram tendas e barra-

cas e fincaram bandeira (f. 34-46).

2 – Superada a questão dos fatos de esbulho, passamos a apreciar os elementos atinentes ao direito de o ora

requerente vir a Juízo pleitear proteção possessória.

3 – O processo está fartamente instruído com prova do aproveitamento racional e adequado da propriedade.

Não obstante a classificação de improdutividade nos certificados do INCRA relativos a 1998/1999 e 2000/2001/2002 (f. 27 e 26), é de se ver que aqueles cadastros referem-se à área maior de 1.527,80 ha, que deu origem ao imóvel cuja posse é objeto desta ação, por força de escritura de divisão amigável lavrada em 28.11.1995 e não levada a conhecimento da autarquia (f. 18-19).

Acompanham a inicial declarações, prestadas à Secretaria de Estado da Fazenda de Minas Gerais, da expressiva

produção rural havida nos exercícios de 2003 e 2004, biênio anterior à perda da posse. Os demonstrativos anu- ais revelam o exercício de intensa atividade agrícola no imóvel, com plantação significativa de culturas diversas.

Durante o ano de 2004, por exemplo, foram colhidas mais de 30 (trinta) toneladas de arroz, 88 (oitenta e oito) to- neladas de café, 612 (seiscentas e doze) toneladas de feijão, 683 (seiscentas e oitenta e três) toneladas de milho em grão, 272 (duzentas e setenta e seis) toneladas de soja, 1.076 (mil e setenta e seis) toneladas de milho em espiga, 11 (onze) toneladas de sorgo, 66.000 (sessenta e seis mil) caixas de banana, 487.000 (quatrocentas e oitenta e sete mil)

melancias e 415 (quatrocentas e quinze) toneladas abóboras (f. 24).

As notas fiscais emitidas nos exercícios de 2004 e 2005 demonstram a comercialização da vultosa produção de

café, feijão, soja, milho em espiga, milho em grão, arroz, sorgo, abóbora, melancia e banana (f. 69-587 e 590 – 718).

Há também documentos fiscais representativos das despesas efetuadas na produção no mesmo período, tais como o aluguel de máquinas e a aquisição de suplementos e insumos agrícolas (f. 722-1312), tudo em molde a provar bastante o exercício de atividade econômica no imóvel no período imediatamente anterior ao ajuizamento da ação.

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Também a prova oral vai ao encontro da alegação de produtividade do imóvel, havendo as testemunhas decla- rado que na fazenda se exercem atividades agrícola e pecuária, esta explorada por possuidor direto:

“que conhece o autor há 15 anos, aproximadamente, que na fazenda do autor são plantados feijão, milho, soja, banana, abóbora, melancia; que a área plantada é irrigada por 03 pivôs, não sabendo informar a área total que eles ocupam; que no restante da fazenda existem pastagem e parte de cerrado, que o depoente acredita que seja de reserva legal; que o depoente arrenda parte da propriedade do autor para colocação de gado; que atualmente o depoente tem 100 cabeças de gado no local; que, dependendo da época do ano, o depoente chega a ter 300 cabeças de gado no local” (testemunho de JOSÉ EDUARDODE OLIVEIRA – f. 1333-1334);

“que a propriedade rural do autor tem aproximadamente 995 hectares; que o autor planta em 336 hectares do imóvel, em área irrigada; que na fazenda existem 03 pivôs; que um dos pivôs é utilizado na plantação de café, o outro para plantação de feijão e o terceiro para milho, abóbora, melancia e soja; o autor utiliza o restante da área para pastagens; (...) que na fazenda existem 250 cabeças de gado, aproximadamente, de propriedade do Sr. José Eduardo de Oliveira” (testemunho de SÍLVIO FURTADODE OLIVEIRA – f. 1335-1336).

Melhor seria que a alegada existência de bovinos pertencentes a um arrendatário do imóvel fosse mais robusta-

mente provada com documentos, como ficha do IMA. No entanto, a prova oral produzida não logrou ser descons- tituída, pelo que, resta certo que gado há na propriedade, embora possa ser que não devidamente registrado. Isso

evidencia duas realidade s distintas a se considerar: uma, da efetiva exploração de caráter pecuário; outra, a de que a manutenção do gado no imóvel, por arrendatário, acontece na pendência de registro no IMA, a desafiar, neste particular, ação fiscalizadora do ente estatal competente. A situação de possível irregularidade será comunicada ao IMA por ofício deste juízo.

Nesta seara, importa a prova de que o imóvel não se encontra em estado de abandono e é aproveitado de modo adequado, segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sob pena de infligir às partes

ônus probatório desproporcional e inatingível, em prejuízo da justiça da decisão, não nos compete aferir a

consecução dos índices de utilização da terra (GUT) e eficiência na exploração (GEE), utilizados pelo INCRA no procedimento de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária (Lei no 8.629/93), muito embora

seja importante o cumprimento deles. O que se põe em destaque nesta chamada de atenção é a circunstanciali-

dade da análise: se há abandono do imóvel ou descumprimento tal dos índices a caracterizar o abandono; ou, de

outro lado, o descumprimento em limites não relevantes para evidenciar o abandono (mera irregularidade). No deslinde de causa dessa natureza, rejeita-se o rigor do esquadrinhamento microscópico dos requi- sitos constitucionais da função social, sob pena de banalizar-se questão tão relevante quanto a da perda da

posse imobiliária.

Resta suficientemente demonstrado, pois, o exercício de atividade econômica no imóvel, no período imedia- tamente anterior ao ajuizamento da presente ação.

4 – O valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil e, de modo específico, da ordem

econômica (art. 1o, V e art. 170 da C.R.F.B./88), repercute na função social da propriedade, razão por que, no cum-

primento, hão de se observar as disposições de regência das relações de trabalho (art. 186, III da C.R.F.B./88). Assim, sob a lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos

trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim

entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas

coletivamente, de modo compartilhado com aqueles que carecem de trabalho.

No caso concreto, à inicial acompanha cópia de fichas de registro de empregados, ali demonstrada a regular

contratação de 17 (dezessete) trabalhadores, também inscritos no Programa de Integração Social e no Fundo de

Garantia do Tempo de Serviço (f. 1359-1375).

A testemunha SÍLVIO FURTADODE OLIVEIRA sustenta a regularidade das relações de trabalho mantidas no imó- vel, afirmando que ele próprio e os demais 16 (dezesseis) trabalhadores têm registro em carteira profissional (f. 1335-1336).

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Muito embora não exaustiva a prova documental produzida, a matéria não foi eficientemente apreciada em con-

traprova pelos requeridos, a sobreviver ao contraditório, que deixaram passar em branco, assim também o Ministério

Público, quanto à oportunidade de a respeito inquirir as testemunhas em audiência de justificação, em especial o próprio empregado, testemunha não contraditada.

Além, sem prova, indício ou alegação nos autos de que no imóvel se patrocinasse trabalho escravo ou de-

gradante, condutas que, por afrontarem a dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, repugnam à Constituição e à lei, tais a embasar a negativa da tutela possessória.

5 – A par de racional e adequada, há indícios de que a exploração econômica se mostra favorecedora da saúde, educação e lazer dos proprietários, empregados, vizinhos, sem notícia de que ali se exerçam atividades periculosas, penosas ou insalubres, em risco à integridade física e psíquica de quantos circulem naquele microcosmo social.

Verifica-se das faturas de f. 1298-1310 que o imóvel é servido de água corrente e dotado de rede de energia

elétrica e telefônica. Em visita ao local do conflito, o juiz então oficiante constatou a existência de dormitório para

16 (dezesseis) trabalhadores, banheiro e sanitário coletivo e galpão de apoio (f. 1329-1330), cuja existência também foi confirmada pela testemunha (f. 1335-1336). Na exploração o requerente utiliza três pivôs e diversas máquinas agrícolas, sinalizando a facilitação do trabalho e o atendimento às necessidades básicas dos empregados, do que não discrepam as fotografias de f. 48-56 e 61, cujos negativos encontram-se à f. 1316.

Tampouco há prova de que a posse exercida pelo requerente gerasse conflitos e tensões sociais no imóvel. Pelo contrário, a testemunha SÍLVIO FURTADODE OLIVEIRA, que trabalhava no imóvel havia treze anos, declarou que a fazenda nunca fora alvo de invasão por integrantes de movimentos sociais pela Reforma Agrária (f. 1335-1336). Além, por oca- sião da segunda ocupação, o requerente, não obstante tenha solicitado à autoridade policial o registro da ocorrência, aquiesceu com a permanência provisória dos requeridos em parte do imóvel, até ulterior manifestação jurisdicional. A via pacífica trilhada em momento crítico do conflito reflete, por certo, a índole tolerante do requerente, mas também revelará um exercício de posse especialmente refratário às tensões sociais.

6 – A posse da propriedade rural, exercida em consonância com as diretrizes constitucionais, só atenderá à função social quando, ainda que usada economicamente em aproveitamento racional e adequado, harmonize a exploração e a preservação (incluída a recuperação) do meio ambiente, enfocando o paradigma da exploração sustentável, baseada em práticas que estimulam a diversidade da fauna e da flora, comprometidas com a conser- vação dos recursos naturais. E nesse paradigma é que cumpre a justiça social prevista no art. 170, III da C.F./88,

atendendo, além, ao art. 186 e seus incisos, da C.R.F.B./88.

De início, verifica-se atendida disposição do Código Florestal (art. 16, §2o da Lei 4.771/65), estando averbada, à

margem da matrícula imobiliária anterior ao desmembramento, a área de 305,57,00 ha de reserva legal (f. 20-23), não inferior a 20% da superfície total, evidenciando, ao menos em um sentido formal, a preservação do meio ambiente.

O laudo técnico e anexos de f. 1342-1358 registra a existência no imóvel de área de reserva legal com 257,6880 ha (duzentos e cinqüenta e sete hectares, sessenta e oito ares e oitenta centiares) e área de preservação permanente com

81,6475 ha (oitenta e um hectares, sessenta e quatro ares e setenta e cinco centiares). Muito embora se cuide de docu-

mento de produção unilateral, releva apontar que, confeccionado e assinado por profissional habilitado em Engenharia Agronômica, sob a fé de seu grau, foi submetido ao crivo do contraditório, subsistindo sua força probante.

O Ministério Público sustenta o descumprimento da função social, ao argumento de existirem ”fortes indícios de degradação ambiental, com a produção recente de carvão vegetal na propriedade, utilizando vegetação de cerrado, confirmada por ruínas de pequenas carvoarias, sem autorização legal do órgão competente” (f. 1501).

De fato, em visita ao acampamento, o juiz então oficiante constatou vestígios de uma carvoaria (f. 1333-1334), cujo funcionamento, com autorização do requerente, foi confirmado pela testemunha SILVIO FURTADO DE OLIVEIRA. Infere-se do depoimento da referida testemunha que ali era produzido carvão vegetal com árvores retiradas de mata

de cerrado do imóvel e de fazenda vizinha, sinalizando exploração ilegal, que teria sido suspensa em virtude de

fiscalização do Instituto Estadual de Florestas:

“Que na fazenda do autor atualmente não existem carvoeiras; que próximo à área ocupada pelos réus existe uma antiga carvoeira, explorada pelo sr. Silvio Lepesquer; que nessa carvoeira foi utilizado mata de cerrado retirada da fazenda do autor e

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da fazenda de Silvio (...); que o forno para confecção de carvão ficou no local durante uns 06 meses, tendo sido desmanchado em novembro do ano passado, aproximadamente; que não foi informado por que motivo foi suspensa a exploração de carvão no local; que, em data que não se recorda, o IEF esteve na fazenda do autor, não sabendo dizer se a suspensão da produção do carvão esteve relacionada com esta visita; (...) que o autor tinha conhecimento da construção do forno de carvão; que o depoente acredita que existia autorização do autor para construção do forno de carvão na propriedade” (f. 1335-1336).

Conquanto possa ter havido desmatamento irregular de área de cerrado, certo é que se trata de situação pas-

sada e finda, conforme assentado já na decisão concessiva liminar (f. 1377-1380). A seu turno, no tangente à posse

exercida em período anterior próximo ao de ajuizamento da ação, a prova dos autos sinaliza o bastante cumprimen- to da dimensão ambiental da função social, havendo as testemunhas declarado, em uníssono, que então não mais havia carvoaria em funcionamento no imóvel (f. 1333-1334 e 1335-1336).

Demais disso, o provável ilícito ambiental pretérito devera ter sido averiguado e, acaso efetivamente praticado,

reprimido e sancionado pelo Instituto Estadual de Florestas, órgão competente que teria fiscalizado o imóvel.

Por tudo, data venia, tenho por suficientemente demonstrado, pois, o cumprimento da função social na sua

dimensão ambiental.

7 – Há de se ter em perspectiva que as lides de alta densidade social, como soem ser as possessórias coletivas,

requerem sensibilidade bastante do Poder Judiciário, na pena do julgador, de modo a perceber que a solução do

conflito, já a tal distância no tempo, deve cuidar de não reverter o delicado equilíbrio em que os fatos se acomo- daram no decorrer do processo. Compete ao julgador, na aplicação do direito, orientar-se sempre pelo princípio da estabilidade social, de modo a evitar a perpetuação ou, o que seria pior, a ressurreição do conflito.

Por legítima que seja a pressão sobre o INCRA pela obtenção da terra, o apego quase ritualístico a detalhes, a essa altura, atira o jurisdicionado em situação de abandono, ao mesmo tempo em que, de modo nefasto, estimula a atuação dos movimentos sociais como justiceiros. Isso vale, por óbvio, noutra vertente, quando se cuida da vio- lência semeada por milícias armadas.

No caso concreto, resolveu-se de modo útil o conflito que poderia se instaurar a partir da perpetuação da inva-

são e a situação de paz, consumada, perdura no tempo. Além, a própria não-participação (omissão) dos requeri- dos no processo revela seu desinteresse no bem da vida litigioso, conclusão corroborada pela declaração constante de

boletim de ocorrência de que, em segunda ocupação, não tinham interesse na terra re-invadida, visando tão-somente a uma “permanência provisória”, até que lhes fosse destinada outra área (f. 1506-1507).

Por tudo, conquanto não robustíssima nem exaustiva a prova do cumprimento da função social quanto ao aspecto ambiental, é de se notar que o feito não foi instruído com o cuidado necessário, declinando todos da faculdade de produzir provas em audiência. Também é certo que, quanto ao ponto, tampouco há dúvida bastante a ensejar a decisão de improcedência do pedido.

Convocado a compor o conflito coletivo possessório, ao Estado-juiz incumbe, a um só tempo e eqüitativa-

mente, zelar pelo cumprimento da função social e pelo apaziguamento da tensão social, sem negligenciar nem

privilegiar qualquer de suas indesviáveis atribuições.

Assim, muito embora os elementos dos autos não sejam bastantes a fundamentar uma decisão de improcedência, não deixa de causar preocupação a especulação de que, na exploração econômica do imóvel, os requerentes des-

curem de utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente.

Em atendimento ao preceito constitucional do cumprimento da função social, solicitar-se-á aos órgãos com-

petentes (IBAMA e IEF), pois, a averiguação da ocorrência das supostas violações, do que decorrerá, se for o caso,

a inclusão do imóvel no roteiro de fiscalização e vistoria pelo INCRA e a tomada das providências cabíveis.

Por tudo, então, havendo o requerente demonstrado suficientemente o atendimento dos requisitos da função

social, faz jus à tutela possessória vindicada.

iii - DiSpoSitivo

POSTO ISSO, e considerando o mais quanto dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO AVIADO NA INICIAL POR TUNEMAÇA SHIMADA em face de “MOVIMENTO DOS TRABALHADORES SEM TERRA –

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MST” (sic), sob a liderança de JOSÉ EUSTÁQUIO FREITAS, ADAILTON RODRIGUES DE AMORIM, FRANCIS-

CO ARAÚJO COSTA, TARCISO PEREIRA JORGE, JOSÉ FRANCISCO RIBEIRO, CLAUDINEI BARBOSA ME- DEIROS e requeridos incertos ou desconhecidos, REINTEGRANDO O REQUERENTE NA POSSE da Fazenda Curral do Fogo, em Unaí/MG.

Condeno os requeridos nas custas processuais, além de honorários de R$800,00 (oitocentos reais) devidos

ao Advogado do requerente, tendo em conta o longo tempo do serviço, a relevância da causa, que trata de um sério conflito social de proporção considerável, e o aparente desinteresse na causa desde o cumprimento da ordem liminar.

Por ofício, informando, na oportunidade, o nome e o número do CPF do requerente (f. 02), a denominação do

imóvel e o código de seu cadastro no INCRA (f. 26), solicitar ao IBAMA e ao IEF averiguação acerca de eventual

irregularidade ambiental no imóvel. E ao IMA, sobre eventual falta de registro de gado lá apascentado.

Transitada em julgado, expeça-se o competente mandado de reintegração, deprecando-se o seu cumprimen- to. Tudo feito, arquivar, com baixa.

Belo Horizonte, 22 de janeiro de 2008. (Publicação Minas Gerais, 24.1.2008) Osvaldo Oliveira Araújo Firmo

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comarca de Belo Horizonte

proc. no 0024.05.812.430-6 (tJmG – Ap. cív. no 1.0024.05.769023-2/001)

Ação: reintegração de posse c/c reparação de Danos e obrigação de fazer

origem: Buritis/mG

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