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reqtes: péricles Barbosa e outros reqdos: Ana maria de lima e outros

imóvel: Fazenda Quilombo

i – rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

PÉRICLES BARBOSA, ACHILES BARBOSA, MARDEN DE OLIVEIRA BARBOSA, PRISCILA DE OLIVEIRA BARBOSA, MARILDA BARBOSA GEBRIM, OABI GEBRIM, WALDOMIRO BARBOSA FILHO, MARCOS BAR- BOSA, MARIA ANGÈLICA BRANDÃO BARBOSA, TEREZINHA PEREIRA DA SILVA e o ESPÓLIO DE HILDA RODRIGUES DA CUNHA BARBOSA aforaram AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE c/c REPARAÇÃO DE DANOS e OBRIGAÇÃO DE FAZER contra ANA MARIA DE LIMA, AUGUSTO PEREIRA MOTA, MARISA AN- TÔNIA DA SILVA FERRREIRA, JOVELINO FERREIRA VELOSO, ALAOR FRANCISCO DOS SANTOS, VAL- DIR SACOMAN, FRANCISCO JUBIANO DE FREITAS, ANTÔNIO EURÍPEDES BORGES, WALKIRIA PEREIRA MARQUES e requeridos incertos ou desconhecidos. Dizem-se possuidores de quatro glebas de terras que com-

põem o imóvel rural Fazenda Quilombo, em Araguari/MG, com área total de 574,75,00 ha, onde exerceriam, há décadas, atividades agropecuárias, sem se descurarem da preservação do meio-ambiente, e de cuja posse teriam sido esbulhados pelos requeridos em 27.12.2004. Destacam que os requeridos teriam adentrado clandestinamente no imóvel, mediante arrombamento de porteiras e portas, e estariam impedindo os parceiros de cultivar as lavouras e hortaliças nas terras já preparadas para tal fim. Pedem, desde a concessão liminar, a ordem de reintegração, bem como a condenação dos requeridos à reparação dos danos materiais e ao desfazimento de benfeitorias (f. 04-08). Juntam documentos (f. 09-29).

Vieram os autos da Justiça Federal (f. 32).

O Ministério Público se pôs pela justificação da posse (f. 36-38).

Recomendação de produção de prova documental da produtividade do imóvel (f. 39-41), Citação pessoal (f. 62 e 68) e ficta (f. 49, 154, 156 e 157).

Comparecimento espontâneo ao processo de FRANCISCO JUBIANO DE FREITAS, ANTÔNIO EURÍPEDES BORGES e WALKIRIA PEREIRA MARQUES (f. 80-83), incluídos no pólo passivo.

Visita (f. 74-79) e audiência em 09.09.2005, com oitiva de 03 (três) testemunhas e juntada de documentos (f.

80-92 e 93-131).

Ouvido o Ministério Público, pela negativa (f. 134-138), foi indeferida a concessão liminar (f. 139-153), de que os requerentes interpuseram Agravo de Instrumento (f. 162-169), havendo o T.J.M.G., depois de indeferir a antecipa-

ção da tutela recursal (f. 173-174), negado provimento ao recurso (AI no 1.0024.05.769023-2/001 – f. 227-237).

Contestação, pelo Curador Especial nomeado aos revéis citados por edital, com alegação de descumprimento

da função social e, no mais, por negativa geral (f. 191-195).

Impugnação (f. 197-201).

Fixação do cumprimento da função social como ponto controvertido (f. 206).

Ninguém pleiteando especificar provas (f. 206), encerrou-se a instrução (f. 209-210).

Memoriais com razões finais (requerentes – f. 212-213 e requeridos – f. 238v). O Ministério Público é pela improcedência do pedido (f. 217-223).

É o relatório.

ii – FuNDAmENtAção

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3 – o cASo NA ESpEciAliDADE

Estabelecidas as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade.

1 – A perda da posse vem relatada no boletim de ocorrência lavrado em 30.12.04 pela autoridade policial,

presente ao local do conflito: “o que pudemos perceber que havia algumas barracas montadas aos arredores da sede, alguns móveis expostos ao tempo e um grupo de aproximadamente 50 pessoas, que nos receberam, sendo o número de famílias bem menor do que nos foi informado” (f. 17-18).

No mesmo sentido, a edição de 30.12.2004 de jornal local noticia a ocupação do imóvel por integrantes de mo- vimento social em luta pela terra (f. 19).

Demais disso, trata-se de fato admitido no processo como incontroverso, vez que os requeridos, em audiência, reconheceram a autoria da ocupação (f. 80-86).

Superada a questão da perda da posse, passamos a apreciar os elementos atinentes ao direito de os ora requerentes vierem a Juízo pleitear proteção possessória.

2 – A alegação de exercício de “ininterruptas atividades agro-pastoris há décadas” (f. 06) constitui-se em fato constitu-

tivo do direito dos requerentes, circunstância que atrai para si o ônus de prová-la. Contudo, a petição inicial veio acom-

panhada tão-somente das certidões de registro imobiliário (f. 21-28) e da guia de recolhimento do imposto territorial

rural (f. 29), documentos que comprovam o domínio, mas sem aptidão para demonstrar qualquer posse (f. 21-28).

Facultada, já no despacho inicial, a produção de prova documental da produtividade (f. 40), a tal propósito os requerentes nada carrearam aos autos. Do mesmo modo, quedaram-se inertes os requerentes ao despacho que fixou, como ponto controvertido da lide, o cumprimento da função social (f. 206).

Em visita ao local do conflito, o Juiz então oficiante registrou impressão inicial de que o imóvel aparentava estado de

abandono (f. 74), impressão que, no decorrer da instrução, à míngua de outras provas, tornou-se convicção a se abraçar.

Em fase de justificação, foram inquiridas três testemunhas, uma das quais desconhece o imóvel, onde nunca este- ve (MARINHO RIBEIRO GONÇALVES – f. 87-88). Seu conhecimento dos fatos advém da circunstância de que respondia pela “escrita fiscal” da fazenda. O conteúdo do testemunho cinge-se, pois, à mera referência à exploração econômica nos documentos que elaborava, mas sequer corroborada, contudo, pela prova documental em si, que não veio aos autos.

De fato, para provar a alegação de atividade agropecuária não foram juntados sequer uma nota fiscal de comer- cialização da produção, nem, por exemplo, o cartão de vacinação do efetivo pecuário ali porventura apascentado, nem guias de trânsito de animal ou qualquer outro documento comprobatório da exploração econômica.

Uma segunda testemunha, AGMAR GOMES FERREIRA, declara que os requerentes mantinham gado no imóvel por ocasião da ocupação. Acrescenta, porém, não ter conhecimento próprio dos fatos ocorridos próximos à invasão, vez que deles fora informado por terceiros (f. 89-91), circunstância que mitiga a força probante do depoimento.

A seu turno, MÁRCIO HENRIQUE VIEIRADOS SANTOS atesta que os requeridos mantinham pouco gado na propriedade, a qual, segundo seu conhecimento, não tinha pasto plantado; que o imóvel era cuidado por terceiros, os irmãos ANÍ- SIO, HÉLIO e ADALCINO, que também ali moravam e plantavam à meia; que os irmãos, à época da ocupação, já haviam deixado o imóvel (f. 84-86).

O testemunho isolado é insuficiente a demonstrar que os requerentes, no exercício da posse, explorassem o imóvel de modo adequado e racional, dando-lhe função econômica bastante, considerando o conjunto probatório. De fato, o laudo técnico de f. 93-122 evidencia que, no período de novembro de 2002 a outubro de 2003, somente

4,4734 ha da área total medida de 653,3960 ha, estavam ocupados com culturas temporárias de milho e abóbora.

O efetivo pecuário encontrado no mesmo período foi de 44 (quarenta e quatro) cabeças. Constatou-se também a plantação de tomates em 0,2202 ha da área de reserva legal, dados que ensejaram a classificação do imóvel como

improdutivo (f. 93-122).

Assim, no que tange ao aproveitamento racional e adequado do imóvel, prevalece a declaração de improdu-

tividade constante do laudo técnico, em conclusão à vistoria realizada em abril de 2004, por não atingidos os

patamares mínimos de uso e exploração suficiente da terra (f. 84-86).

É certo que, nesta seara, importa a prova de que o imóvel não se encontra em estado de abandono e é aprovei-

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partes ônus probatório desproporcional e inatingível, em prejuízo da justiça da decisão, não nos compete aferir a consecução dos índices de utilização da terra (GUT) e eficiência na exploração (GEE), utilizados pelo INCRA no procedimento de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária (Lei no 8.629/93), muito embora

seja importante o cumprimento deles. O que se põe em destaque nesta chamada de atenção é a circunstancialidade da análise: se há abandono do imóvel ou descumprimento tal dos índices a caracterizar o abandono; ou, de outro lado, o descumprimento em limites não relevantes para evidenciar o abandono (mera irregularidade).

No caso concreto, portanto, não desconstituída por prova em contrário, prevalece hígida a presunção de vera-

cidade do laudo de fiscalização, documento público submetido no processo ao crivo do contraditório.

Não demonstrado, pois, o exercício de atividade econômica no imóvel, no período imediatamente anterior ao

ajuizamento da presente ação.

3 – O valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil e, de modo específico, da ordem

econômica (art. 1o, V e art. 170 da C.R.F.B./88), repercute na função social da propriedade, razão por que, no cum-

primento, hão de se observar as disposições de regência das relações de trabalho (art. 186, III da C.R.F.B./88). Assim, sob a lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos

trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim

entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas coletivamente, de modo compartilhado com aqueles que carecem de trabalho.

Por óbvio, o imóvel que não se utiliza como fator de produção tampouco se habilitará à geração de trabalho e

emprego, à distribuição de renda ou ao favorecimento da saúde, educação e lazer (bem-estar) de quantos circulem

naquele microcosmo social.

Na casuística, ausente já o antecedente lógico do aproveitamento econômico adequado, também não resta provado o conseqüente exercício de posse orientada à satisfação do elemento social (observância das normas que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais), em reforço da convicção de abandono do imóvel.

De fato, nenhuma prova, seja documental, seja testemunhal, socorre os requerentes quanto a demonstrar a regularidade da dimensão-trabalho da função social da posse que exercem. Ao revés, consta do laudo de vistoria a

inexistência de empregados, confirmando a conclusão de improdutividade do imóvel.

A única menção a uma possível relação de trabalho havida no imóvel está no depoimento de MÁRCIO HENRIQUE VIEIRADOS SANTOS, cujos termos, entretanto, pela vaguidade, não se prestam a se constituir como elemento bastante de convicção:

“que o depoente não sabe qual o vínculo empregatício dos irmãos [Anísio, Hélio e Adalcino] com os autores (...); que o depoente não sabe qual a forma de remuneração dos irmãos” (f. 84-85).

A natureza do vínculo jurídico existente entre os requerentes e os três irmãos que residiam no imóvel permane- ceu tão obscura quanto já constatara o Juiz então oficiante, ainda em sede de negativa do pedido de concessão liminar, nada vindo aos autos ao propósito de esclarecê-la, no curso da demanda:

“Neste requisito [aspecto trabalhista da função social], não há nos autos qualquer prova de seu cumprimento. Pelo con- trário, os autores mantinham na propriedade três pessoas sem registro em carteira que cuidavam da mesma para os autores. Os três irmãos, Anísio, Hélio e Adalcino plantavam apenas 4,4734 ha, o que significa que não eram arrendatários ou parceiros agrícolas, como os autores pretendem constituí-los, já que essa área é absolutamente insuficiente para a subsistência dos mora- dores. Fica a dúvida que tipo de relacionamento os três irmãos tinham na propriedade. Não podem ser considerados parceiros e não são considerados empregados pelos autores. Eventualmente eram comodatários, mas com isso não imprimiam função social à propriedade. Essa dúvida pode ser esclarecida no curso do processo” (f. 151).

Também sem prova, pois, do exercício de posse em cumprimento à dimensão-trabalho da função social.

4 – O exercício da posse da propriedade rural, em consonância com as diretrizes constitucionais, só atenderá

à função social quando, ainda que usada economicamente em aproveitamento racional e adequado, harmonize a exploração e a preservação (incluída a recuperação) do meio ambiente, enfocando o paradigma da exploração

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vação dos recursos naturais. E nesse paradigma é que cumpre a justiça social prevista no art. 170, III da C.F./88,

atendendo, além, ao art. 186 e seus incisos, da C.R.F.B./88.

No caso concreto, encontra-se averbada, à margem da matrícula imobiliária, uma área de reserva florestal com 128,00 ha, atendido o patamar legal mínimo de 20% da superfície total do imóvel (art. 16, § 2o da Lei no 4.771/65).

A par da regularidade formal, consta do laudo de vistoria que, excluída a exploração de cultura anual (tomate) em 0,2202 ha da reserva legal, não foram observadas “práticas de vulto capazes de afetar o equilíbrio do ecossistema e propiciar degradação ambiental” (f. 119).

Conquanto a prova dos autos sinalize a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente, quis o legislador constituinte fossem cumulativos os requisitos de cumprimento da função social (art. 186, caput, da C.R.F.B./88). É dizer, a satisfação da dimensão ambiental da função social é requisito necessário à concessão da tutela, porém insuficiente, se isolado, como no caso dos autos.

5 – Sem prova, pois, do exercício de posse qualificada pela função social, os requerentes não fazem jus ao interdito

possessório.

A negativa da tutela à posse – situação, aliás, comuníssima na lida forense, em ações individuais – não exorbita do ordenamento jurídico. Não se cuida, aqui, de decretar a perda da propriedade, o que sempre se dará mediante justa indenização. Como dito alhures, o exercício de posse não-qualificada pela função social ensejará a instauração do procedimento de desapropriação, inexistente, no caso, o óbice da imunidade conferida ao imóvel pela MP no

2.027-38/2000, vez que a vistoria pelo INCRA antecedeu a ocupação.

Em caso de eventual frustração do procedimento expropriatório, a situação subsumir-se-á à hipótese de possível

desapropriação indireta ou dela exsurgirá pretensão reivindicatória, dedutível mediante indenização em face dos

já então possuidores, a quem se transferirá o ônus de dar ao imóvel, no exercício da posse, destinação social cons-

titucionalmente conforme.

6 – Não sendo de se acolher o pedido de tutela possessória, prejudicados os pedidos de reparação de danos e obrigação de fazer, formulados em cumulação sucessiva eventual.

iii - DiSpoSitivo

POSTO ISSO, e considerando o mais quanto dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTES OS PEDIDOS AVIADOS NA INICIAL por PÉRICLES BARBOSA, ACHILES BARBOSA, MARDEN DE OLIVEIRA BARBOSA, PRISCILA DE OLIVEIRA BARBOSA, MARILDA BARBOSA GEBRIM, OABI GEBRIM, WALDOMIRO BARBOSA FILHO, MARCOS BARBOSA, MARIA ANGÈLICA BRANDÃO BARBOSA, TEREZINHA PEREIRA DA SILVA e ESPÓLIO DE HILDA RODRIGUES DA CUNHA BARBOSA contra ANA MARIA DE LIMA, AUGUSTO PEREI- RA MOTA, MARISA ANTÔNIA DA SILVA FERRREIRA, JOVELINO FERREIRA VELOSO, ALAOR FRANCISCO DOS SANTOS, VALDIR SACOMAN, FRANCISCO JUBIANO DE FREITAS, ANTÔNIO EURÍPEDES BORGES, WALKIRIA PEREIRA MARQUES e requeridos incertos ou desconhecidos, TORNANDO DEFINITIVA A DECI- SÃO NEGATIVA DE CONCESSÃO LIMINAR.

Condeno os requerentes nas custas processuais, além de suportar honorários de R$800,00 (oitocentos reais)

devidos ao Advogado e ao Curador Especial, na proporção de ¼ (um quarto) e ¾ (três quartos), respectivamente, tendo em conta o comprido tempo do processo, a relevância da causa, que trata de um sério conflito social de

proporção considerável, e a atuação de cada profissional no feito, aquele, sem contestar nem produzir provas, e

este, pelo exercício zeloso do munus da Curadoria Especial (art. 20, §§ 4O e 3O do C.P.C.).

Transitada em julgado, arquivar, com baixa. P.R.I.C.

Belo Horizonte, 11 de fevereiro de 2008. (Publicação Minas Gerais, 15.2.2008) Osvaldo Oliveira Araújo Firmo

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comarca de Belo Horizonte

proc. no 0024.03.116.208-4 (tJmG – Ap. cív. no 1.0024.03.116208-4/001)

Ação: reintegração de posse c/c reparação de danos

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