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reqtes: Espólio de Abílio Fabris e outro reqdos: Jonas Ferreira de Souza e outros

imóvel: Fazenda Fetal

i – rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

ESPÓLIO DE ABÍLIO FABRIS e MILTON CÉSAR RODRIGUES WATANABE aforaram AÇÃO DE REINTE- GRAÇÃO DE POSSE contra JONAS FERREIRA DE SOUZA, JOCÉLIO CORREIA BARROS, JUVECI BARROS DA SILVA, IVONE DIAS DA SILVA, DARLAN SARAIVA SANTOS, MANOEL PEREIRA DE SOUZA e requeridos incertos ou desconhecidos, ditos componentes do MOVIMENTO PARA TERRA. Dizem-se respectivamente pro- prietário/ arrendador e arrendatário do imóvel rural FAZENDA FETAL, em Buritis/MG, com área de 606,00 ha, de cuja posse teriam sido esbulhados em 01.10.2004 pelos requeridos. Ressaltam que o referido imóvel,

atualmente utilizado para o apascentamento de gado bovino e plantio, é produtivo. Pedem, desde a concessão

liminar e sem audiência da parte contrária, a ordem de reintegração, bem como a reparação de danos e o des- fazimento de eventuais construções e plantações feitas pelos requeridos, tudo sob cominação de multa (f. 02-10).

Juntam documentos (f. 11-36).

Visita em 19.10.2004 (f. 45-48) e audiência em 20.10.2004. Comparecimento espontâneo ao processo de JONAS FERREIRA DE SOUZA, IVONE DIAS DA SILVA, DARLAN SARAIVA SANTOS e MANOEL PEREIRA DE SOUZA (f. 39-43).

Inclusão de DARLAN SARAIVA SANTOS e MANOEL PEREIRA DE SOUZA no pólo passivo (f. 50).

Os requeridos juntam documentos (f. 65-68).

Citação pessoal de JOCÉLIO CORREIA BARROS (f. 85v) e ficta dos requeridos incertos ou desconhecidos e

de JUVECI BARROS DA SILVA, não localizado para citação pessoal (f. 85v – edital às f. 74 e 100).

Audiência em 09.03.2005, ouvidas 03 (três) testemunhas (f. 92-96).

O M.P. é pelo indeferimento do pedido de reintegração liminar (f. 104-106).

Indeferimento da concessão liminar (f. 107-113), de que foi interposto agravo de instrumento (AI no

2.0000.00.517964-0/000 – f. 114-127), não provido pelo T.J.M.G. (f. 185-192).

Contestação, pelos requeridos JONAS FERREIRA DE SOUZA e DARLAN SARAIVA SANTOS (f. 128-131), desentranhada por vício, não sanado, de representação processual (f. 229), com decreto de revelia (f. 232).

Os requeridos IVONE DIAS DA SILVA, MANOEL PEREIRA DE SOUZA e JOCÉLIO CORREIA BARROS não contestaram (f. 132).

Contestação, pelo Curador Especial nomeado aos revéis citados por edital (f. 142), em que se alega, em preli- minar, nulidade da citação ficta, falta de interesse processual, ilegitimidade passiva e, no mérito, descumpri- mento da função social (f. 143-146).

Impugnação (f. 148-151).

Rejeição das questões preliminares (f. 157-158), ouvido o M.P., no mesmo sentido (f. 153-156). Audiências em 02.05.2006 e 10.08.2006, inquiridas 03 (três) testemunhas (f. 181-183 e 220-222). Memoriais com razões finais: requerentes (f. 236-239); requeridos (f. 241-242).

O M.P. é pela improcedência do pedido (f. 244-249). É o relatório.

ii – FuNDAmENtAção

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3 – o cASo NA ESpEciAliDADE

Estabelecidas as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade.

1 – O esbulho vem relatado pela autoridade policial no boletim de ocorrência, ali constando que “na

Fazenda se encontram 19 famílias com 95 pessoas aproximadamente. Parlamentamos com os invasores onde o autor do envolvimento 02, que é o coordenador do acampamento, nos informou que pertencem ao Movimento do Para-Terra, liderado pelo Sr. Manoel Mecânico. Que deram informações de que a terra estava para ser invadida e se encontram desativada, assim resolveram a ocupar; que a posição dos acampados é de aguardar a posição da Justiça, ou seja, se estiver a reintegração de posse. No local havia feito uma pequena limpeza no cerrado, para construções das barracas, em uma área de 00,25,00 hc vinte e cinco centiares” (f. 24-27).

As testemunhas foram unânimes em confirmar a perda da posse há menos de ano e dia do ajuizamento da ação: “que tomou conhecimento de que, aproximadamente há uns três meses atrás, houve a ocupação do imóvel de propriedade do espólio de Abílio Fabris; que acredita o depoente que ocuparam o imóvel mais ou menos umas seis pessoas, porém não as conhece; que mencionadas pessoas se encontram no imóvel até a presente data” (FRANTIELLO SILVA OLIVEIRA – f. 95);

“que é do seu conhecimento que houve ocupação do imóvel, porém não sabe declinar os nomes dos mesmos, sabendo apenas que se trata de pessoas desta região; que a ocupação ocorreu, acredita o depoente, no mês de setembro ou outubro do ano de 2004” (JAIRO BUENO CARNEIRO– f. 93-94);

“que no mês de setembro ou outubro o imóvel foi invadido, sendo que o depoente viu várias pessoas do movimento, em torno de mais ou menos quarenta pessoas” (ALCIDES INÁCIO HOFFLING – f. 96).

2 – Contudo, no tocante ao aproveitamento racional e adequado da propriedade, a prova dos autos vai

de encontro à pretensão dos requerentes. Mesmo em sede de cognição sumária, por ocasião da apreciação do pedido liminar, os requerentes já não lograram demonstrar bastante o exercício de qualquer posse, permi- tindo concluir, pelo contrário, que o imóvel encontrava-se abandonado. Àquela oportunidade, consignou o então Juiz oficiante:

“No caso em tela, embora se trate de média propriedade rural, com área de 606,00 ha, constatou na visita realizada ao imóvel (f. 45-48) que se trata de propriedade abandonada. Não há qualquer produção. Há sinais visíveis de que nos últimos dez anos não houve produção. Além disso, as fotografias da sede acostadas pelos requeridos (f. 65-68) retratam com clareza a situação de abandono da propriedade.

Ao serem instados a provar a produtividade do imóvel, o autor manteve-se inerte (f. 57-58), como se o cumprimento da função social não tivesse relevância para a propriedade.

A prova oral produzida somente dá conta da posse jurídica do imóvel” (f. 112).

No mesmo sentido, excerto do voto proferido pelo eminente Desembargador Relator PEDRO BERNARDES, na decisão unânime de indeferimento do agravo interposto perante o T.J.M.G.:

“Compulsando os autos, denota-se que o agravante não trouxe nenhum elemento capaz de comprovar que realmente estava exercendo a posse do imóvel, bem como o esbulho se deu a menos de um ano e dia, limitando-se a trazer aos autos contrato de arrendamento que, conforme declaração do próprio arrendatário, disse que ‘está sendo providenciado o licenciamento ambiental para limpeza e desmate da área, sendo que tal requerimento ainda não foi formulado junto ao IEF, embora tenham sido inicia- dos os trabalhos técnicos’. (...) O autor agravante não trouxe elementos capazes de comprovar o exercício regular da posse e nem mesmo que sua perda se deu há menos de ano e dia.” (AI n. 2.0000.00.517964-0/000 – f. 191).

Em justificação da posse, as testemunhas revelam ignorar a existência de atividade produtiva no imóvel à época da ocupação:

“que sabe informar que há mais ou menos dois anos atrás o senhor Abílio explorava o imóvel unicamente na criação de bois; (...) que posteriormente tomou conhecimento de que o senhor Abílio teria arrendado o imóvel para o senhor Milton Watanape; que, quando da ocupação do imóvel, acredita o depoente que o mesmo não estava sendo explorado pelos herdeiros do senhor Abílio; que tem a esclarecer que apesar do imóvel ter sido arrendado para o senhor Milton Watanape, o mesmo não chegou a explorá-lo, vez que também estava aguardando a regularização de documentos para efetuar o desmate; que não chegou a ver ninguém cuidando do imóvel, quando o mesmo foi ocupado” (depoimento de JAIRO BUENO CARNEIRO – f. 93);

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“que tomou conhecimento, por ouvir dizer, que há tempos atrás, o imóvel descrito às fls. 04 era explorado na criação de gado; que atualmente o imóvel não estava sendo explorado; que não sabe informar se existia algum funcionário do requerente cuidando do imóvel; (...) que tomou conhecimento de que o imóvel foi arrendado no ano de 2004 pelo senhor Milton Watanape, porém o mesmo não chegou a explorá-lo, por motivo de força maior, vez que a área seria aberta no período das águas (final do ano), para o plantio de soja” (ALCIDES INÁCIO HOFFLING – f. 96).

As fotografias (f. 65-66), não impugnadas, revelam o péssimo estado de conservação das instalações da sede da fazenda, sem nenhuma condição de habitabilidade, sinalizando mesmo a ausência de qualquer posse.

Pois bem. No decorrer do processo, os requerentes não inovaram o conjunto probatório, olvidando-se de que modernamente a ordem jurídica já não mais tutela a posse clássica, apartada da função social.

Para acrescer elementos de cognição imprescindíveis à formação do juízo de convencimento da qualidade de sua posse, valeram-se os requerentes tão-somente de prova testemunhal, cuja força probante, porém, fragilizou-se na medi- da da contrariedade aos depoimentos prestados anteriormente pelas mesmas testemunhas em justificação da posse.

Destaco, por exemplo, no concernente à questão essencial da exploração do imóvel no período anterior próxi-

mo à ocupação, que o depoimento de FRANTIELLO SILVA OLIVEIRA, tomado em audiência de instrução, discrepa daquele

prestado em sede de justificação, em prejuízo da força de convencimento que se lhe pudesse atribuir (negrejei): “Já houve época, quando a pastagem estava mais baixa, de ter visto gado no imóvel; que, atualmente, acredita o depoente que ainda existe gado no imóvel; (...) que não sabe qual a exploração do imóvel, quando da ocupação, porém é do seu conhecimento que o senhor Milton chegou a arrendar o imóvel com o objetivo de explorá-lo na plantação de grãos” (f. 95);

“que antes da ocupação a fazenda era produtiva; que via gado; que não era pouco gado, mas como passava rápido de carro não prestava muita atenção; que não reparou se tinha benfeitorias; que só passava em frente;” (f. 221).

Diz-se o segundo requerente possuidor direito do imóvel, por força de contrato de arrendamento celebrado em 30.04.2004, para plantação de “lavoura branca de ciclo rápido, da espécie de soja, milho, arroz, algodão e outras” (f. 20-21). Contudo, inexiste prova do exercício da atividade agrícola porventura desenvolvida, havendo as testemunhas, ao revés, declarado mesmo que o arrendamento não chegou a se concretizar (f. 93-94, 95, 96). Assim, o mero instru-

mento do arrendamento é sem aptidão para demonstrar a materialidade de atos de posse eventualmente praticados

em execução do negócio jurídico ali formalizado.

A seu turno, a testemunha EUSTACHIODE ARAÚJO PASSOS declara que, antes da mudança do proprietário para São Paulo, fato que se passou há quatro anos da ocupação, teria prestado assistência técnica na formação de pasto e comprado gado do Sr. Abílio. Declara ainda que, mesmo depois de se mudar, o Sr. Abílio ainda manteria gado no pasto, embora em menor quantidade (f. 182-183).

Conquanto outrora o imóvel possa ter sido explorado, conforme declarou a testemunha, deve-se ter em conta o caráter de trato sucessivo da obrigação de cumprir a função social. Na solução do conflito coletivo possessó-

rio, importa, pois, a qualidade da posse que se exerça no período imediatamente anterior ou contemporâneo à ocupação. No caso concreto, porém, não vêm aos autos documentos idôneos que corroborassem ao menos a

alegação de pretérita atividade pecuária no imóvel, tais como cartão de controle sanitário do gado porventura ali apascentado, notas fiscais de produtor rural e de aquisição de insumos, guias de trânsito animal ou qualquer outro de teor semelhante. Assim, o testemunho isolado e, demais disso, em contrariedade com o conjunto da prova oral, não convence do aproveitamento racional e adequado do imóvel.

Sem prova nos autos, pois, do exercício de atividade econômica no imóvel.

2 – A função social da propriedade repercute o valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do

Brasil e, de modo específico, da ordem econômica (art. 1o, V e art. 170, ambos da C.R.F.B./88).

Dentro da lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas coletivamente, de modo compartilhado com os carentes de trabalho.

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Por óbvio, o imóvel que não se utiliza como fator de produção tampouco se habilitará à geração de trabalho e

emprego, à distribuição de renda ou ao favorecimento da saúde, educação e lazer (bem-estar) de quantos circulem

naquele microcosmo social.

Na casuística, ausente já o antecedente lógico do aproveitamento econômico adequado, também não resta prova- do o exercício de posse orientada à satisfação do elemento social (observância das normas que regulam as relações

de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores rurais), em reforço da convicção

de abandono do imóvel.

A única menção à relação de trabalho havida no imóvel consta do depoimento da testemunha EUSTACHIODE ARAÚJO PASSOS, cujos termos, entretanto, revelam antes que a situação não perdurou até o tempo da ocupação, ocor- rida após o falecimento do proprietário: “que durante muito tempo Abílio manteve funcionário empregado morando na fazenda” (f. 182). Aqui, como alhures, nada mais vem aos autos em sustento da pretensão dos requerentes, que não se desincumbiram a contento do ônus de provar a regularidade da dimensão-trabalho da função social.

3 – Há nos autos, contudo, prova da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. Com efeito, à margem da matrícula imobiliária encontra-se averbada a área de reserva legal

(f. 18), evidenciando, ao menos em um sentido formal, a observância da legislação ambiental (art. 16, §2o da

Lei no 4.771/65).

Além, as testemunhas confirmam que parte do imóvel não era explorada, ao que lhes parecia por se tratar de área

de cerrado, de preservação permanente, ainda sem autorização legal de manejo (f. 93-96 e 222).

Contudo, a concessão da tutela possessória não se compraz com a satisfação isolada de um dos requisitos da função social, que o legislador constituinte quis cumulativos.

4 – Não sendo de se acolher o pedido de tutela possessória, prejudicados os pedidos de reparação de danos e

de desfazimento de plantações e construções, formulados em cumulação sucessiva eventual.

iii – DiSpoSitivo

POSTO ISSO, e o mais que dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO AVIADO NA INICIAL POR ESPÓLIO DE ABÍLIO FABRIS e MILTON CÉSAR RODRIGUES WATANABE contra JONAS FERREIRA DE SOUZA, JOCÉLIO CORREIA BARROS, JUVECI BARROS DA SILVA, IVONE DIAS DA SILVA, DARLAN SARAIVA SANTOS, MANOEL PEREIRA DE SOUZA e requeridos incertos ou desconhecidos.

Condeno os requerentes nas custas processuais, além de suportar honorários de R$ 500,00 (quinhentos reais)

ao Curador Especial, tendo em conta o comprido tempo do serviço, a relevância da causa, que trata de sério con-

flito social de proporção considerável, e a participação do profissional no feito, inerte na fase instrutória (art. 20,

§§ 4O e 3O do C.P.C.). Sem condenação em honorários em favor da Advogada dos requeridos nominados, à vista

do não oferecimento de defesa válida.

Transitada em julgado, arquivar, com baixa. P.R.I.C.

Belo Horizonte, 5 de outubro de 2007. (Publicação Minas Gerais, 9.10.2007) Osvaldo Oliveira Araújo firmo

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comarca de Belo Horizonte

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