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CAPÍTULO V – INCENTIVOS FISCAIS: FINALIDADE, REGRA E EFICÁCIA JURÍDICA

5.3 Incentivo-renúncia: finalidade, regra e efeito

5.3.2 Incentivo fiscal como regra jurídica

5.3.2.5 Ato legislativo e ato administrativo

Em complemento ao esforço analítico que aqui se realiza, cabe acrescentar também

404

O mesmo raciocínio, empregado aqui de forma ampla, é utilizado por Luciano Amaro para descrever a natureza da isenção, que o autor toma como sendo “uma técnica peculiar utilizada no processo de definição do campo de incidência [da norma tributária].” Para ele, a técnica da isenção consistiria “em estabelecer, em

regra, a tributação do universo, e, por exceção, as espécies que ficarão fora da incidência, ou seja,

continuarão não tributáveis. Essas espécies excepcionadas dizem-se isentas”. AMARO, Luciano. Direito

Tributário Brasileiro. 11a ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 280.

405 É o caso da Lei n. 8.393, de 1991, que na sua redação original estabelecia isenção para as saídas de açúcar,

produzidos com cana-de-açúcar ocorridas na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM). A disposição, posteriormente revogada pela Lei n. 9.532, de 1997, teve sua constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, como se verifica nos seguintes precedentes: RE 480107/PR AgR, relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgamento em 3.3.2009; AI 630997 AgR/MG, relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, 24.4.2007, RE 344331/PR, relatora Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, julgamento em 11.2.2003, entre outros.

que, no nível dos instrumentos, estão compreendidos ainda dois subníveis, um que diz respeito ao ato legislativo que introduz a regra do benefício fiscal no ordenamento jurídico e outro que se refere ao ato administrativo que a aplica a certo contribuinte individualmente identificado.

Por isso, a designação “incentivo fiscal”, em muitos casos, é aplicada ambiguamente a duas situações distintas: (1) à lei e (2) ao ato administrativo. Na primeira hipótese, usa-se o termo para designar a previsão, norma geral e abstrata, dirigida à classe de destinatários indefinidos, que excepciona a tributação padrão para privilegiar determinados contribuintes. Na segunda, tem-se em mente o ato administrativo – ou norma individual e concreta que dele resulta – que favorece determinado contribuinte, ao aplicar a norma geral a um caso particular.406

É claro que esse tipo de análise somente se justifica nas situações em que o gozo benefício fiscal – ou sua quantificação – esteja condicionado ao atendimento de certas exigências específicas, cujo reconhecimento depende de alguma providência administrativa a cargo de órgão da Administração Pública. O agente público, após analisar o atendimento das exigências legais, concede ou não o benefício requerido. Se, todavia, a lei que concede o incentivo fiscal o faz de forma incondicionada e a priori independente de ato administrativo subordinado, a concessão opera ex lege e não carece de qualquer providência específica para ser eficaz.

A distinção parece-nos especialmente útil porque assinala a existência de diferentes etapas na operacionalização do efeito jurídico de certos incentivos fiscais, questão que repercute inclusive quanto ao regime jurídico aplicável. É conhecida a orientação do Supremo Tribunal Federal, assentada de longa data, no sentido de que a concessão de benefício fiscal é ato discricionário e, por conseguinte, não pode ser estendida para outros contribuintes não previstos em lei. Consta, por exemplo, do AI 360461 AgR/MG, de relatoria do Ministro Celso de Mello, julgado em 6.12.2005:

406 O Estatuto dos Benefícios Fiscais português – Decreto-Lei n. 215, de 1989 – distingue, no art. 5o,

“benefícios fiscais automáticos” de “dependentes de reconhecimento”, sendo que “os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento”. Ainda segundo a mesma disposição: “O reconhecimento dos benefícios fiscais pode ter lugar por acto administrativo ou por acordo entre a Administração e os interessados, tendo, em ambos os casos, efeito meramente declarativo, salvo quando a lei dispuser em contrário”. Em linhas gerais, trata-se da mesma distinção aqui discutida.

A concessão de isenção em matéria tributária traduz ato discricionário, que, fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público (RE 157.228/SP), destina-se – a partir de critérios racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legítimo em norma legal – a implementar objetivos estatais nitidamente qualificados pela nota da extrafiscalidade. 407

De fato, no nível legislativo, é correto afirmar que a concessão de incentivo fiscal, atendidos os pressupostos constitucionais, afigura-se como ato sujeito à discricionariedade política do legislador. Há, sobretudo, duas razões que nos permitem dizê-lo. A primeira é que o Legislativo, no caso, não está obrigado a legislar para criar a desoneração. Por exemplo, pode estabelecer isenções com o propósito de desenvolver certo segmento econômico, mas certamente não é dado aos agentes econômicos que seriam beneficiados o direito de exigi-las, antes que a lei exista.

A segunda razão é que, ainda que se concebesse o dever genérico de intervir na economia e fomentar certa atividade especialmente prestigiada pela Constituição, mesmo assim, parece razoável admitir que é dada ao Poder Público a prerrogativa de escolher a estratégia de intervenção, diante daquelas que estão disponíveis e das circunstâncias fáticas vigentes. Haveria, portanto, discricionariedade na escolha entre, por exemplo, estabelecer isenção, subvencionar diretamente a atividade, por meio do gasto público, ou estabelecer linha de crédito com juros subsidiados.

No nível do ato administrativo, por outro lado, não há discricionariedade. O agente público apenas aplica a lei, sem julgar conveniência ou oportunidade. O ato é vinculado, não mais de um comportamento possível por parte da Administração Pública.408 Atendidas as exigências legais, o contribuinte inexoravelmente faz jus ao benefício, é direito que lhe assiste. Afinal, se o Código Tributário Nacional, nos termos dos arts. 3o e 142, atribui ao lançamento a condição de atividade administrativa obrigatória a plenamente vinculada, então assim deve ser nos casos em que o tributo é devido, como nos de benefício fiscal. Não incumbe poder decisório à autoridade fazendária, quanto a determinar se deixa ou não

407 No mesmo sentido, reconhecendo a concessão de incentivo fiscal como ato discricionário do Poder

Público, ver também as seguintes decisões: Recurso Extraordinário no Agravo Regimental n. 480107/PR, de relatoria do Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgamento em 3.3.2009; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 630997/MG, de relatoria do Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgamento em 24.4.2007; Recurso Extraordinário n. 344331/PR, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, julgamento em 11.02.3002; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 142348/MG, de relatoria do Ministro Celso de Mello, Primeira Turma, julgamento em 2.8.1994.

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OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Ato Administrativo. 5a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 89.

de cobrar o tributo, se aplica ou não a regra de incentivo.