• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO V – INCENTIVOS FISCAIS: FINALIDADE, REGRA E EFICÁCIA JURÍDICA

5.4 Síntese e exemplos

O que apresentamos aqui não consiste modelo ou fórmula ideal que possa ser rigidamente aplicado a todos os casos de benefício fiscal. As noções utilizadas não são rigorosamente categorias ideais com pretensão de universalidade, muito menos fórmulas lógicas e perfeitas. Apenas chamamos atenção para os três aspectos que nos pareceram fundamentais no tema – finalidade, regra e eficácia externa – e para a maneira como podem ser relacionados e contrastados em matéria de incentivos fiscais. A tríplice perspectiva destaca o aspecto pragmático das leis de incentivo, como instrumentos de política pública: ferramentas jurídicas de que pode dispor o Estado para intervir e modificar a realidade social.

A separação, no plano conceitual, entre os fins e os efeitos dos incentivos permite, em primeiro lugar, destacar que as finalidades a serem perseguidas pelas normas jurídicas comportam regulação tanto quanto as condutas a que se referem. O legislador, ao construir a regra de incentivo, está necessariamente vinculado à norma constitucional e aos objetivos ali admitidos. Deve haver simetria entre a finalidade de incentivo e as finalidades admitidas pelas normas constitucionais. Afinal, em última análise, o que faz a lei é conferir maior densidade aos objetivos que já se encontram demarcados na Constituição Federal. O prognóstico legislativo incorpora-se à regra e materializa-se na conduta induzida.

No nível da regra jurídica e da eficácia jurídica interna, constata-se relação intrínseca entre indução e exoneração. A redução ou supressão do dever fiscal, em sentido amplo, faz-se em benefício da conduta induzida, ou seja, de encorajar e facilitar uma ação que não se confunde com o pagamento do tributo. Convivem, no interior do sistema fiscal, conduta induzida e conduta imposta, ambas tocadas pela incidência normativa, ambas dotadas de relevância jurídica, portanto.

de efeitos projetados: efeito de incentivo e efeito de renúncia. Para o contribuinte, a desoneração fiscal tende a induzir a adoção ou a ampliação de uma conduta concreta que não praticaria ou o faria em menor medida, não fosse a vantagem tributária estabelecida. Para o fisco, a desoneração implicará, em geral, redução do montante obtido a título de arrecadação fiscal, nos casos em que a regra amortiza ou elimina a obrigação fiscal.

Vejamos, a seguir, os três casos de benefícios fiscais, analisados com ênfase nos aspectos aqui apontados: (1) Lei n. 11.438, de 2006, que dispõe sobre o incentivo ao esporte; (2) Lei n. 11.069, de 2005, que Institui o Programa Universidade para Todos (PROUNI); e (3) o art. 9º do Decreto-Lei 288/1967, que prevê isenção de IPI para as mercadorias fabricadas na Zona Franca de Manaus. Os exemplos não pretendem rigorosamente testar ou comprovar a utilidade do modelo de análise proposto. Servem apenas como meios de ilustrar a exposição.

5.4.1 Primeiro exemplo – Lei n. 11.438, de 2006 (Incentivo ao Desporto)

O primeiro exemplo é o incentivo ao desporto previsto na Lei n. 11.438 de 2006. O diploma normativo subordina-se diretamente ao art. 217 da Constituição Federal, que determina ser “dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um”. Na Lei n. 11.438, de 2006, o escopo imediato é “o apoio [financeiro] direto a projetos desportivos e paradesportivos” (art. 1o

), que se voltem ao desporto educacional, de participação e de rendimento, bem como aos “destinados a promover a inclusão social por meio do esporte, preferencialmente em comunidades de vulnerabilidade social” (art. 2o

).

A conduta induzida é a realização de dispêndio com os projetos ali indicados, na forma de patrocínio ou doação. No conceito de patrocínio, compreende-se: (1) a transferência gratuita, em caráter definitivo, de numerário para a realização de projetos desportivos e paradesportivos, com finalidade promocional e institucional de publicidade, e (2) a cobertura de gastos ou a utilização de bens, móveis ou imóveis, do patrocinador, sem transferência de domínio, para a realização de projetos desportivos e paradesportivos, na forma da referida lei. Já a doação abrange: (1) a transferência gratuita, em caráter definitivo, ao proponente, de numerário, bens ou serviços para a realização de projetos esportivos, desde que não empregada em publicidade, ainda que para divulgação das

atividades objeto do respectivo projeto, e (2) a distribuição gratuita de ingressos para eventos de caráter esportivo por pessoa jurídica a empregados e seus dependentes legais ou a integrantes de comunidades de vulnerabilidade social.

Para atingir esse objetivo, a norma estatui a possibilidade de o contribuinte, pessoa física ou jurídica, deduzir do imposto de renda devido os valores despendidos numa e noutra modalidade de apoio financeiro, observadas as limitações que impõe. Para pessoas jurídicas, o limite é de um por certo do imposto devido; para as físicas, seis por cento do imposto devido na Declaração de Ajuste Anual (art.1o). Trata-se, portanto, de exoneração parcial que reduz o valor devido a título de imposto de renda pela modificação de aspecto relativo à quantificação da obrigação fiscal.

No que se refere aos efeitos externos, tem-se que efeito de incentivo materializa-se: diretamente, na transferência dos valores correspondentes a doação ou patrocínio na forma acima descrita e, indiretamente, na realização das atividades e na produção dos bens e serviços resultantes dos projetos desportivos e paradesportivos de que trata a lei em questão (art. 6o). O efeito de renúncia para o ano de 2012 está estimado em R$ 1.384.413,00, quanto ao imposto de renda e proventos de qualquer natureza das pessoas físicas, e em R$ 136.926.433,00, no que se refere às pessoas jurídicas. 430

5.4.2 Segundo exemplo – Lei n. 11.069, de 2005 (Prouni)

O segundo exemplo encontra-se na Lei n. 11.096, de 2005, que Institui o Programa Universidade para Todos (PROUNI). 431 O benefício fiscal vem ao encontro das diretrizes traçadas nos arts. 205 e 208, inciso V, da Constituição Federal, que se referem ao dever do Estado de materializar o direito à educação, mediante garantia de “acesso aos níveis mais elevados de ensino” (art. 208, V). O objetivo principal da lei é promover o acesso ao Ensino Superior, especialmente para: (1) estudante que tenha cursado o Ensino Médio completo em escola da rede pública ou em instituições privadas na condição de bolsista

430

BRASIL, Ministério da Fazenda, Receita Federal do Brasil, Demonstrativo de Gastos Governamentais

Indiretos de natureza Tributária – (Gastos Tributários) 2012. Brasília, agosto, 2011. Disponível em:

http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2012/DGT2012.pdf. Acesso em: 20 ago. 2012.

431

Cf. ESTIGARA, Adriana; PEREIRA, Reni; LEWIS, Sandra A. L. Barbon. Responsabilidade Social e

integral; (2) estudante portador de deficiência, nos termos da lei, e (3) professor da rede pública de ensino, para os cursos de licenciatura, normal superior e pedagogia.

A conduta induzida é a concessão de bolsas integrais e parciais a estudantes brasileiros sem diploma de nível superior e de baixa renda, nos termos da lei, em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições privadas de ensino superior. As bolsas integrais são destinadas àqueles cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até um salário mínimo; as bolsas parciais, que podem ser de 25% ou 50%, aos estudantes cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de até 3 (três) salários mínimos, mediante critérios definidos pelo Ministério da Educação. Aderindo ao programa e atendendo a todos os requisitos legais, a instituição de ensino fica isenta, durante o período de vigência do termo de adesão, dos seguintes tributos: imposto de renda, contribuição social sobre o lucro líquido, contribuição social para financiamento da seguridade social e contribuição para o programa de integração social. A exoneração é total em relação a tais exações.

No plano social, a eficácia da regra, há de se verificar em termos do número de bolsas concedidas e de alunos, nas condições acima referidas, que se matriculem e frequentem os cursos incluídos no PROUNI. O montante total de receita renunciada estimada para o ano de 2012 foi de R$ 733.904.013,00. Dividindo-se por tributo, tem-se que o efeito de renúncia foi de R$ 126.427.291,00, para a contribuição social sobre o lucro líquido; R$ 59.452.425,00, para a contribuição social para o PIS-PASEP; R$ 274.395.808,00, para a contribuição para o financiamento da seguridade social; e R$ 273.628.490,00, para o imposto de renda e proventos de qualquer natureza da pessoa jurídica. 432

5.4.3 Terceiro exemplo – isenção de IPI para Zona Franca de Manaus

O terceiro exemplo escolhido diz respeito à isenção do imposto sobre produtos industrializados para mercadorias produzidas prevista no art. 9o do Decreto-Lei 288/1967, com redação modificada pelo art. 1o da Lei n. 8.387, de 1991. O benefício fiscal previsto

432 BRASIL, Ministério da Fazenda, Receita Federal do Brasil, Demonstrativo de Gastos Governamentais

Indiretos de natureza Tributária – (Gastos Tributários) 2012. Brasília, agosto, 2011. Disponível em:

http://www.receita.fazenda.gov.br/publico/estudotributario/BensTributarios/2012/DGT2012.pdf. Acesso em: 20 ago. 2012.

subsome-se à diretriz de desenvolvimento e redução das desigualdades regionais no país, tal como previsto nos arts. 3o, III, e 170, VII, da Constituição Federal.

Os objetivos específicos do benefício estão previstos no art. 1o do Decreto-Lei n. 228/1967, que constitui a Zona Franca de Manaus como “área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais” e estabelece a “finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento”. A medida justifica-se, como se sabe, em face das peculiaridades locais e regionais, mormente a “grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos”, conforme consta do art. 1o

.

A conduta induzida é a produção, na região da Zona Franca de Manaus, de produtos industrializados, com a consequente instalação e o desenvolvimento de parque industrial na respectiva localidade. Em contrapartida, ficam isentas do imposto sobre produtos industrializados relativo às mercadorias ali produzidas, quer se destinem ao seu consumo interno, quer à comercialização em qualquer ponto do Território Nacional. Excluem-se do benefício os produtos expressamente previstos no art. 3o, § 1°, tais como e.g. armas e munições, fumo e bebidas alcoólicas. 433

A eficácia externa deste incentivo fiscal há que se verificar no volume de mercadorias produzidas na região abrangida pela Zona Franca de Manaus, bem como na efetiva criação, expansão ou manutenção do parque industrial na região. O efeito de renúncia está estimado para o ano de 2012 em R$ 8.847.735.809,00, segundo consta do Demonstrativo de Gastos Tributários 2012, elaborado pela Receita Federal do Brasil.434