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CAPÍTULO III – INCENTIVOS, FISCALIDADE E EXTRAFISCALIDADE: OS FINS E OS

3.7 Extrafiscalidade e neutralidade(s)

3.7.4 Técnicas e instrumentos extrafiscais

A extrafiscalidade pode manifestar-se em diferentes espécies tributárias e por intermédio de variados expedientes e formas. Em princípio, não nos parece que alguma espécie de tributo esteja livre da incidência do fenômeno. Estariam abrangidos quer os tributos vinculados219, quer os não vinculados, tanto os de destinação livre quanto aqueles

que tenha estabelecido, antes da EC 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.” Trata-se de orientação assentada a partir de diversos julgados em que o Tribunal deparou com questão da possibilidade de os municípios instituírem regime progressivo, seja com fundamento fiscal, seja extrafiscal.

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Decerto, a finalidade de ordenação do solo urbano não é o único objetivo extrafiscal que pode ser incorporado ao IPTU. Não é incomum também, entre outros propósitos, o emprego extrafiscal do imposto para, por exemplo, favorecer a atração de novos empreendimentos e a proteção do patrimônio histórico e cultural. Sobre o tema, ver: BERTI, Flávio de Azambuja. Impostos, Extrafiscalidade e Não-confisco. Curitiba: Juruá, 2003, p.114 – 117.

219 Parte da doutrina vê com desconfiança a possibilidade de utilizarem-se as taxas com objetivos extrafiscais.

É esta a posição de Regis Fernandes de Oliveira: “Como a possibilidade da cobrança da taxa está relacionada ao custo da atividade desenvolvida em relação a alguém, não se pode falar em seu uso extrafiscal. Exacerbar- se o montante para obrigar determinado comportamento foge à essência da noção do tributo chamado taxa. Guarda a exigência, estreita compatibilidade com a atividade desempenhada pelo Poder Público. Daí difícil falar-se em extrafiscalidade, no caso. Poderia a lei instituir elevação do montante de taxa de localização, para evitar que houvesse maior densidade demográfica em determinados lugares? [...] Compliquemos: o Município quer preservar a área e pretende evitar que haja ali excesso de pessoas, o que redundará em diminuição da qualidade de vida, em quebra da tranquilidade social de seus moradores ou até de preservação

cujas receitas são previamente atreladas a finalidades específicas.

Quanto à forma, a atuação extrafiscal pode ser positiva ou negativa, conforme se valha de agravamento ou desagravamento para atingir o objetivo visado, que pode ser uma ação ou uma omissão. Ambas as estratégias normativas – agravamento e desagravamento – podem servir a um ou outro propósito. É lícito usar de um incentivo para induzir uma omissão, como de um agravamento para fomentar um comportamento positivo.

É importante destacar, porém, que a definição do que seja agravamento ou desagravamento é relativa e passa necessariamente pela consideração de algum parâmetro de comparação. Podem-se tomar, por exemplo, dois contribuintes diversos (C1 e C2), em situação de concorrência ou não, ou um mesmo contribuinte isoladamente, em dois instantes diversos (T1 e T2). Na primeira hipótese, tem-se que certo expediente tributário pode ser entendido como desagravamento para C1 se o faz suportar carga menor do que C2. E mais, se ambos concorrem, então o desagravamento de C1 significará, ao mesmo tempo, o agravamento da situação de C2, e vice-versa. A comparação pode ser estendida também para segmentos econômicos, em lugar de agentes/contribuintes específicos. Na segunda hipótese, considerando-se o mesmo contribuinte em diferentes momentos, tem-se que certa medida tributária será definida como agravamento desde que enseje, dados os mesmos elementos de fato relevantes à hipótese de incidência tributária, carga fiscal em T2 superior a que recaia sobre o mesmo contribuinte em T1.

A extrafiscalidade pode também manifestar-se em diferentes estruturas ou expedientes tributários: (a) na hipótese de incidência, (b) no consequente da norma tributária, (c) em outra norma que altere os efeitos produzidos pela regra tributária e (d) na destinação pré-estabelecida para os recursos tributários.

As situações (a) e (b) dizem respeito a alterações na própria regra-matriz de incidência tributária, de sorte a conformar o tributo de acordo com objetivos não financeiros a que se orienta. A alteração pode-se dar no antecedente, influindo no critério material da regra-matriz ou em suas especificações de tempo e espaço, e também no

de determinados valores culturais. É possível o acréscimo do valor da taxa para tal objetivo? Parece-nos que não. Os instrumentos de que se pode valer o Município são outros, que não a exacerbação do montante da taxa de localização. Esta se vincula ao custo/atividade do Poder Público. Poderá o Município decretar área de interesse de preservação ambiental, dificultando, então, aprovação de plantas de construção, impor limitações edilícias etc. Mas, não poderá invocar extrafiscalidade para conformar o comportamento.” OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Taxas de Polícia. 2a ed. São Paulo. Revista dos Tribunais, 2004, p. 70.

consequente, modificando a relação tributária, nos aspectos quantitativos ou pessoais. A situação (c) inclui estruturas tributárias que têm o condão de alterar a eficácia da norma tributária e, por conseguinte, a carga fiscal sem, contudo, interferir na configuração interna da regra que veicula o tributo. É o caso, por exemplo, da remissão, nos casos em que justificada por objetivos extrafiscais.

A última situação (d) comporta acepção que, a bem da verdade, transborda os limites usuais da disciplina jurídica do tributo, porque se refere não à receita, mas ao gasto público. Não é, entretanto, incomum que se aponte a ocorrência de extrafiscalidade também em relação à despesa pública, em se tratando de tributos com destinação vinculada, especialmente as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico. 220

Todos esses diferentes expedientes que apontamos, os quais certamente não esgotam as possibilidades de manipulação do instrumento fiscal, agrupam-se por uma característica comum: a de servirem a objetivos que se encontram além do interesse financeiro, como é próprio do fenômeno da extrafiscalidade.