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Segunda distinção: incentivos financeiros

CAPÍTULO IV – INCENTIVOS E RENÚNCIAS FISCAIS: CONTEXTO, LIMITES E

4.2 Incentivo fiscal como instrumento de intervenção pública

4.2.4 Segunda distinção: incentivos financeiros

A segunda distinção é a que se estabelece entre os incentivos fiscais e os financeiros e que leva em conta a configuração tradicional entre as disciplinadas do Direito Tributário e do Direito Financeiro, discutida com especial ênfase no Capítulo II.270 A divisão tem importância prática pela diversidade de tratamento jurídico aplicável às duas situações e encontra respaldo no próprio texto constitucional em vigor.

Os incentivos fiscais atuam sobre a vertente receita (tributária), os financeiros, sobre a despesa – eis o critério básico da separação. Consistem estes últimos no emprego de receita pública, nada têm a ver com a tarefa de tributar, a não ser indiretamente. A concessão de incentivo financeiro poderá passar inclusive pelo emprego de receitas que não decorram da cobrança de tributo, caso em que a separação entre as espécies de incentivo fica ainda mais evidente.

Quando se trata de receitas tributárias, a distinção fica clara ao se considerar que o pagamento do tributo é o limite que separa as duas searas271: o que vem depois, ou seja, a destinação das receitas está além da disciplina jurídica do Direito Tributário, é gasto público, matéria de Direito Financeiro, de acordo com a divisão tradicional entre as

269 SEIXAS FILHO, Aurélio Pitanga. Teoria e Prática das Isenções Tributárias, 2a ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2003, p. 116-117.

270

Ver infra, Capítulo II.

271 MARTINS, Ives Gandra da Silva. ICMS – incentivos fiscais e financeiros – limite constitucional,

disciplinas. Souto Maior Borges explica que, “Se o incentivo não visa o tributo, mas a receita tributária, terá como objeto uma relação jurídica instaurada após a extinção da relação tributária, dado que alcança receita já realizada [sic]”. 272

Será, portanto, incentivo financeiro e não estará sujeito às constrições do art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Afinal, a aplicação de receita pública não é renúncia, nem pode ser incentivo fiscal. Explica o autor:

O incentivo tributário atua na intimidade, é dizer: no interior, da relação tributária, antes, portanto, de sua extinção pelo pagamento ou outro modo de extinção das obrigações tributárias. O incentivo financeiro aplica-se após a extinção da obrigação tributária, consolidada consequentemente a receita no patrimônio público.273

De nossa parte, não tomamos conceito tão estrito. Não diríamos que os incentivos ou benefícios financeiros são “aplicáveis a todos os outros casos em que não persistam vinculações à regra-matriz de incidência de um dado tributo”, como afirma Heleno Taveira Tôrres.274 Assim deixa-se de fora qualquer outra forma de favorecimento do contribuinte que não altere a hipótese ou o consequente da norma impositiva, ainda que implique redução da carga tributária, como no caso da remissão e da anistia. O certo é que todo incentivo que demanda alteração da regra-matriz de incidência tributária será fiscal, mas o inverso não é verdade: nem todo incentivo fiscal implica alteração da regra tributária. É suficiente que tenha efetivamente o condão de interferir na arrecadação das receitas tributárias, pela modificação de algum aspecto da relação entre a Fazenda Pública e o contribuinte, em sentido amplo, que venha no sentido de estabelecer vantagem tributária em favor do sujeito ou da atividade beneficiada como medida de estímulo.

Já no incentivo financeiro, o Estado emprega diretamente despesas públicas para fomentar atividades desenvolvidas por particulares, consentâneas ao interesse público, encorajando ações ou omissões privadas, por meios de diferentes ferramentas, tais como: concessão de empréstimos com juros subsidiados, restituição de tributos, entre outras. O

272 BORGES, José Souto Maior. A lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos

financeiros estaduais. Revista de Dialética de Direito Tributário, São Paulo, ano 7, n. 63, dez. 2000, p. 85. No artigo citado, o autor pernambucano refere-se à expressão “incentivo fiscal” como gênero composto por duas espécies: (1) incentivos tributários propriamente ditos e (2) os incentivos financeiros. Não é dessa forma que o termo é empregado neste estudo, mas o registro ilustra a variedade de usos e acepções

273 BORGES, José Souto Maior. A lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e sua inaplicabilidade a incentivos

financeiros estaduais. Revista de Dialética de Direito Tributário, São Paulo, ano 7, n. 63, dez. 2000, p. 97.

274

TÔRRES, Heleno Taveira. Incentivos Fiscais na Constituição e o “Crédito-Prêmio de IPI”. Revista

art. 43, § 2º, da Constituição Federal, por exemplo, menciona que os incentivos regionais compreenderão “igualdade de tarifas, fretes, seguros e outros itens de custos e preços de responsabilidade do Poder Público” e “juros favorecidos para financiamento de atividades prioritárias”.

O exemplo mais comum de incentivo financeiro é a subvenção. Mencionada expressamente nos art. 19, I, 70, caput, 199, § 2º, da Constituição vigente e na Lei n. 4.320, de 1964, está para o incentivo financeiro tal como a isenção para os incentivos fiscais: é a espécie mais destacada do gênero. Nas palavras de Regis Fernandes de Oliveira, define-se como “auxílio financeiro, previsto no orçamento público, para ajudar entidades públicas ou particulares a desenvolver atividades assistenciais, culturais ou empresariais”.275

A despesa pública, no caso das subvenções, reverte-se direta e imediatamente em transferência financeira ao particular ou a entidades da Administração indireta, à maneira de doação gravada ou não de encargo. Segundo prevê o art. 18 da Lei n. 4.320, de 1964,276 as subvenções econômicas podem destinar-se: (1) à cobertura de déficit de empresas estatais, (2) à cobertura da diferença entre os preços de mercado e os preços de revenda de gêneros alimentícios e outros materiais e (3) ao pagamento de bonificações a produtores de determinados gêneros ou materiais.

Há em comum entre os incentivos fiscais e os financeiros o fato de serem técnicas de estímulo ou encorajamento que se utilizam das finanças públicas e das normas de direito

275

OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 380.

276 Na Lei n. 4.320/64, no art. 12, § 3o, as subvenções são definidas como “transferências destinadas a cobrir

despesas de custeio das entidades beneficiadas”. A lei classifica-as, segundo o critério do destinatário, em sociais, quando se destinem a instituições públicas ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade lucrativa, e econômicas, quando dirigidas a empresas públicas ou privadas. Na primeira hipótese, as subvenções sociais, a lei exige que só se utilize subvenção quando for mais vantajoso (leia-se: mais barato) para o Estado fomentar a atividade particular do que prestá-la por si mesmo, vinculando ainda o valor do benefício concedido às unidades de serviços prestados ou postos à disposição dos usuários. Na segunda hipótese, as subvenções econômicas, o art. 18 prevê a cobertura de déficit de empresas públicas e a destinação de dotações para a regulação de preços de mercado e de revenda, além de bonificações para produtores de determinados gêneros ou matérias. O art. 19 da Lei n. 4.320/64 exige autorização expressa em lei especial para “ajuda financeira, a qualquer título, a empresa de fins lucrativos”. A menção à “lei especial” quer dizer que não basta previsão na lei orçamentária anual, a qual já cabe autorizar qualquer despesa pública por força de imposição constitucional (art. 167, II). É preciso que a autorização para a subvenção venha prevista também em outra lei não orçamentária. A exigência de lei especial é expandida no art.26 da Lei Complementar n. 101, de 2000 para qualquer “destinação de recursos para, direta ou indiretamente, cobrir necessidades de pessoas físicas ou déficits de pessoas jurídicas”. De acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal, além de a concessão ser expressamente autorizada por lei especial e prevista na lei orçamentária anual ou em crédito adicional, deve também observar os critérios previstos na lei de diretrizes orçamentárias. Sobre as subvenções na Lei n. 4.320/64, Cf. CONTI, José Maurício. (Coord.). Orçamentos Públicos: a Lei 4.320/1964 comentada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 79-82.

financeiro.277 Nos incentivos vinculados a tributos, o estímulo vem da redução, direta ou indireta, do ônus fiscal, o que amortiza ou remove obstáculo à conduta ou atividade que se deseja estimular. Já quando se trata de incentivos financeiros, não há obstáculo a remover, o estímulo é direto à atividade fomentada pela assunção, no todo ou em parte, dos custos pelo Estado. Tem-se, num caso, abstenção, em relação à imposição do tributo e, noutro, ação, ou seja, o ato de dispêndio de recurso público.