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CAPÍTULO IV – INCENTIVOS E RENÚNCIAS FISCAIS: CONTEXTO, LIMITES E

4.2 Incentivo fiscal como instrumento de intervenção pública

4.2.2 Instrumentos tributários de incentivo

Já dissemos que são muitos instrumentos ou institutos tributários que podem ser utilizados à guisa de incentivos fiscais. Sob tal designação, está reunida grande variedade de mecanismos jurídico-normativos: isenções, remissões, anistias, créditos presumidos, deduções, reduções de alíquota e de base de cálculo, entre outros.

Roque Antonio Carrazza explica que “não devemos confundir os incentivos fiscais (também chamados benefícios fiscais ou estímulos fiscais) com as isenções tributárias. Estas são, apenas, um dos meios de concedê-los.”250 De fato, existe, incorporada à causalidade normativa, essa relação de meio e fim entre diferentes instrumentos tributários e o objetivo de “condicionar comportamentos de virtuais contribuintes, induzindo-os, conforme o interesse público, a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa”.251

Tomando a noção em seu sentido amplo, é possível sistematizar as diferentes estruturas que se prestam ao propósito de incentivo da seguinte forma: (1) com redução da carga tributária, (1.1) com alteração da regra-matriz, (1.1.1) na hipótese ou (1.1.2) no consequente, ou (1.2) sem alteração da regra-matriz de incidência tributária; (2) sem redução da carga tributária, (2.1) com alteração dos deveres instrumentais ou (2.2) sem alteração dos deveres instrumentais.

A classificação vem didaticamente exposta no quadro abaixo:

250

CARRAZZA, Roque Antonio, ICMS, 11a ed, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 420.

A intervenção por meio de normas tributárias pode ou não se vincular à redução de carga tributária suportada pelo contribuinte. E, nos casos em que implica redução, pode-se eliminar completamente a obrigação de pagamento do tributo ou apenas minorá-la. Chamamos esses de incentivos fiscais stricto sensu, que podem ser concedidos com ou sem alteração da regra tributária, mas sempre têm o efeito imediato de reduzir a carga fiscal dos contribuintes a que beneficiam.

A alteração na regra tributária pode dar-se no antecedente, quando será geralmente qualitativa, ou no consequente, quando será predominantemente quantitativa.252 No antecedente, a exoneração funciona mediante eliminação de certos fatos sobre os quais, ordinariamente, recairia a tributação. É o caso da isenção253, que modifica algum dos critérios da hipótese, eliminando totalmente a tributação quanto aos bens e atividades a que se aplique.

No consequente, a mudança ocorre no critério pessoal ou no quantitativo, em

252 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da Interpretação e da Exoneração

Tributária. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 199 e ss.

253 A doutrina registra diferentes definições para o conceito de isenção no direito brasileiro: favor fiscal,

privilégio, dispensa legal do pagamento do tributo, expediente redutor do campo de abrangência da norma tributária, renúncia ou autolimitação da competência tributária. Aqui, empregamos o termo para designar alterações na hipótese regra-matriz de incidência tributária que tem o condão de eliminar a incidência tributária sobre certas situações, atividades ou sujeitos. Excluem-se, destarte, do conceito, para efeitos da classificação didática proposta, as alterações de alíquota e base de cálculo, ainda que essas possam também implicar redução do valor devido ou sua completa eliminação. Sobre os diferentes conceitos de isenção tributária no Direito brasileiro, Cf.: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 183; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria Geral do Tributo, da

Interpretação e da Exoneração Tributária. 3ª ed. São Paulo: Dialética, 2003; BORGES, José Souto Maior, Teoria Geral da Isenção Tributária. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 200, p. 154-170.

qualquer dos seus dois elementos: base de cálculo ou alíquota. Na base de cálculo, a diminuição no valor da exação pode decorrer de redução direta ou indireta, nesse caso por meio de deduções tributárias de despesas presumidas e da concessão de créditos presumidos, além de outros expedientes de igual condão.254

Na alíquota, a redução dos seus percentuais é que determina a correspondente minoração no valor do tributo. Normalmente, os incentivos que operam no consequente não eliminam totalmente o dever tributário, apenas reduzem-lhe o montante. A exceção está na hipótese “alíquota zero”, que esvazia a norma jurídica no seu mandamento: o fato previsto na hipótese se realiza, mas a obrigação que surgiria seria de pagar zero, nada. Não há, portanto, obrigação.

Ainda nos incentivos fiscais stricto sensu, a redução da carga fiscal também pode ser feita sem modificar em nada a regra de tributação, basta que ocorra depois de sua incidência.255 Assim opera a remissão, prevista no art. 156, IV, do CTN, como forma de extinção do crédito tributário. Nesse caso, diferentemente da isenção, o fato jurídico já ocorreu e o débito existe até que a norma remissiva determine a extinção da relação jurídica tributária.256

Também a anistia pode ser utilizada como forma de desonerar e incentivar a atividade do contribuinte, sem mexer na regra-matriz da exação. A despeito de não se referir propriamente aos tributos, mas às infrações tributárias e às multas delas decorrentes, o instituto também pode ser inserido entre os instrumentos de incentivo, uma vez que se trata de obrigação paralela à tributária e que com ela se “confunde” para efeito de cobrança no ambíguo conceito de crédito tributário utilizado pelo Código Tributário Nacional (arts. 113, 139, 156 e 175).257

254

É oportuno destacar que orientação do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que as figuras da redução da base de cálculo e da isenção parcial são equiparáveis. A esse respeito, vale conferir, entre outros, RE 522716 AgR/RS, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 8.5.2012.

255 No mesmo sentido, aduz Marcus de Freitas Gouvêa, a propósito do que sejam benefícios fiscais: “São

entes normativos que, no mais das vezes, compõem a norma tributária, exonerando, total ou parcialmente, a obrigação tributária, seja em virtude das razões afeitas à pessoa do contribuinte ou do objeto da tributação. Entretanto, há outros institutos que não se inserem na norma tributária impositiva, mas que também se classificam como benefícios fiscais e apresentam, igualmente, efeitos extrafiscais. Falamos das realidades jurídicas como o SIMPLES, o REFIS e benefícios fiscais como os da Lei Rouanet”. GOUVÊA, Marcus de Freitas, Questões Relevantes Acerca da Extraficalidade no Direito Tributário, Interesse Público, Porto Alegre, v. 7, n.34, p.175-2000. Nov.dez., 2005.

256 LUNARDELLI, Pedro Guilherme Accorsi. Isenções Tributárias. São Paulo: Dialética, 1999, p. 124. 257

Para Tercio Sampaio Ferraz Junior, nalguns casos, a remissão também pode se referir ao crédito tributário gerado pelas penalidades. É o que acontece quando o legislador reduz somente parte das penalidades,

Remissão e anistia alcançam fatos já estabelecidos e alteram-se os efeitos jurídicos: “as duas figuras têm em comum o fato de prescreverem consequências diferentes das previstas normativamente quando da época dos fatos, no caso do fato imponível (remissão) e do fato ilícito (anistia)”.258

Parece correto reconhecer também a existência de expedientes de incentivo que não geram diretamente redução do débito fiscal. Deixando incólume a obrigação principal, a regra de incentivo pode operar em relação às obrigações acessórias, a que se refere o Código Tributário Nacional, no art. 113, § 2o, ou deveres instrumentais, como prefere designá-los parte da doutrina.259 Ou seja, às normas que obrigam os contribuintes a certas prestações – obrigações de fazer, não de pagar –, a serem efetivadas no interesse da arrecadação e fiscalização. Atualmente, a complexidade do sistema tributário é tamanha, em certos casos, a mera redução ou simplificação dos deveres acessórios pode funcionar como maneira eficaz de favorecer determinado setor econômico ou atividade.

O exemplo mais conhecido é o tratamento “diferenciado e favorecido” dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte pela Lei Complementar n. 123, de 2006, com fundamento no art. 146, inciso III, alínea “d”, e no art. 179 da Constituição Federal, “visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações” tributárias, entre outras. É certo que o regime jurídico previsto na Lei Complementar n. 123, de 2006 não se resume às regras de simplificação dos deveres instrumentais, também compreende regras de incentivo que reduzem o valor da carga fiscal aplicável às pessoas jurídicas a que se refere. Mas aquelas, como estas, também reúnem todas as características necessárias ao enquadramento na definição tradicional de benefício fiscal: são desvios excepcionais à regra padrão de certos impostos, estabelecidos em favor de determinados contribuintes, com o propósito de fomentar as atividades por eles desenvolvidas, no caso, a atividade dos micro e pequenos empresários.

De resto, sem alterar as obrigações acessórias, é possível que a técnica de incentivo opere mediante modificação de aspectos secundários da obrigação tributária, como o prazo

empregando, por exemplo, a fórmula “cancelamento ou redução de multas ou penalidades”. Nesse caso, exclui-se, genericamente, parte do débito tributário, sem perdoar as infrações, configurando hipótese de remissão. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Remissão e anistia fiscais: sentido dos conceitos forma constitucional de concessão. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 92, p. 73.

258 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Infrações e Sanções Tributárias. São Paulo: Dialética, 2003, p.

159.

259

Cf. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16a ed. São Paulo: Saraiva, 2004, entre outros.

e a forma de pagamento, que não fazem parte da regra tributária, segundo a concepção de sua estrutura mais difundida. Cite-se como exemplo a concessão de parcelamento do débito fiscal que, a despeito de não reduzir ou extinguir o débito fiscal, é certamente apto a produzir efeito de estímulo em relação à atuação dos agentes privados. Corroborando esse entendimento, o art. 10 da Lei Complementar n. 24/75 confere ao parcelamento de débitos e à ampliação de prazo o mesmo tratamento dispensado à remissão e à anistia, formas de benefício fiscal stricto sensu. Todos ficam a depender do cumprimento das condições previamente fixadas em convênio para que possam ser concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal.

Em linhas gerais, são esses os principais meios de estímulo fiscal de que dispõe o legislador. A classificação não pretende ser exaustiva, vem aqui a título de ilustração. Certamente, há outras estratégias normativas que se podem prestar ao fim de induzir comportamentos nos contribuintes. Em todo caso, o mais importante é não perder de vista que o elemento fundamental para que qualquer desses institutos possa ser incluído na categoria dos incentivos fiscais não é a maneira como se organizam, mas os objetivos a que se orientam.