• Nenhum resultado encontrado

4 – Centros Históricos

4.4. Cidade-campo e espaços vazios

À medida que os serviços escolares, de saúde e administrativos, as oficinas e o comércio especializado se espalham por diversos pontos da periferia, torna-se difícil, no dia-a-dia, voltar a fazer vida de bairro. A cidade, pequena ou grande, impõe-se no seu todo, exige aos moradores que gastem cada vez mais tempo a percorrê-la, para satisfazerem as suas necessidades. Apesar disso, as plantas turísticas limitam-se a abranger uma pequena parte do tecido urbano e, mesmo aí, ressaltam um quadro

83

ainda menor, indicado como centro, geralmente histórico, onde o visitante encontrará tudo o que lhe possa interessar: monumentos, museus, galerias de arte e comerciais, restaurantes, alojamento, transportes e espaços de lazer. Nesta perspectiva, essa zona central aparece como entidade separada, com identidade própria em relação ao restante, tido como privado dos “tesouros arquitectónicos e sem aquela áurea que só o centro antigo ou o centro histórico possuem” (Beatrice Mirri, cit. ANTUNES, 1997:75). Em sentido turístico e até cultural, o centro histórico é tomado como depositário da identidade de toda a cidade. O restante casario, atravessado até lá chegar, é visto apenas como paisagem, como prolongamento da ruralidade.

A relação entre a cidade e o campo e esta identificação da cidade pelo seu centro histórico durou da Idade Média ao advento da sociedade industrial (Ch. Delfante, cit. ANTUNES, 1997:75). De certo modo, ainda se mantém. Mas a realidade é bem diferente da aparência e, com o crescimento urbanístico e o desenvolvimento imobiliário ocorridos depois de 1960, o centro histórico deixou de ter qualquer semelhança com a cidade que cresceu à sua volta. Os novos bairros, os loteamentos habitacionais e industriais, as grandes superfícies e o parque escolar e desportivo que também foram instalar-se na periferia, seguiram já a legislação urbanística produzida e entrada em vigor a partir de 1970; e o seu espaço público não tem qualquer semelhança com o que preservava os hábitos sociais do passado. Ainda que acabem por ser mais extensos os espaços ajardinados e em muitos haja parques infantis e até geriátricos, não terão sido concebidos como locais de sociabilização, nem atraem até si os novos vizinhos.

Pelo contrário, o espaço aberto do centro medieval resultava de uma materialidade diferente, um outro traçado e uma experiência que se mantinha há muito tempo. Era um “espaço do público, no qual se está em público e onde se desenvolvem os principais ritos colectivos, da festa à procissão, ao passeio” (SECCHI, 2006:157). Não era um espaço com uma utilização única e pré-determinada e, como tal, prestava-se às mais variadas interpretações e práticas, era de todos e estava ali mesmo à mão, dentro da cidade, aconchegado entre os edifícios muito próximos. De repente, como se já não fosse a mesma cidade, o espaço tornava-se praça, largo,

84

entrava na igreja e ficava silencioso, ou no bulício do mercado para fazer negócio. Mais à frente, esgueirava-se por uma estreita travessa, parava num saguão, deixava-nos onde quiséssemos voltar à intimidade. E havia um segundo espaço, menos destinado às práticas e aos ritos colectivos, grande e aberto, “próximo do campo, da laguna, do exterior que se apresenta mais à vista, ao percurso e às actividades produtivas” (SECCHI, 2006:157). Entre eles e nem sempre à vista de quem passava, a cidade medieval guardava numerosas hortas e jardins.

As cidades e as vilas sede de concelho do Barlavento estão distantes desse tempo, não tanto nas ruelas e nos largos que ainda mantêm, nem nas casas térreas e modestas que conservam, mas porque deixaram ocupar quase todos os espaços que antes foram hortas e quintais. Mesmo assim, ainda restam alguns terreiros, hoje transformados em praças, nas cidades mais junto ao mar ou ao rio, em Portimão, Silves e Albufeira; ruelas estreitas e vários becos em Aljezur, Monchique e Vila do Bispo; e um traçado mantido desde o tempo das primitivas muralhas, em Lagos, Portimão, Silves e Albufeira.

Em 1889, Camillo Sitte, preocupado com a destruição da cidade tradicional, debruçou-se sobre os valores urbanos da cidade medieval através de uma análise minuciosa do espaço público, não como vazio entre edifícios, mas como espaços positivos, tarefa estranha para a época e nas décadas seguintes. Depois de medir e relacionar as suas dimensões, concluiu, por exemplo, que “uma praça não deve ser menor que uma vez a altura de seu edifício principal ou maior que duas vezes esta mesma altura” (LAGO, 2007:58). Chamou a atenção para a necessidade de ser considerada menos a questão formal e mais a dimensão estética (SITTE, 1996:179) e, ao considerar a cidade como uma obra de arte, “era contra as grandes vias de comunicação e lutava por praças e por um espaço urbano como representação espacial de pensamento e poesia” (LAGO, 2007:58). A destruição da muralha que envolvia a cidade antiga, em Viena – e que já não desempenhava a sua inicial missão defensiva –, para dar lugar a uma larga avenida, provocou o debate entre Otto Wagner, que defendia o modernismo e Sitte, também interessado em “restaurar o

85

sentimento de pertencer a uma polis que a febril cultura comercial moderna estava a matar” (SITTE, 1980 cit. LAGO, 2007:59).

Em Portimão, também desapareceu a quase totalidade das muralhas e o pouco que resta encontra-se em quintais de prédios particulares, entre as ruas Professor José Buisel e Dr Estêvão Vasconcelos. Algo de semelhante acontece em Albufeira onde, das muralhas, já pouco resta. Já em Lagos, a maior parte das suas muralhas pode ser percorrida pelo exterior; em Silves continuam também libertas em grande parte. No que respeita a espaço público, a Praça d’Armas e o Largo dos Quartéis, em Lagos; o Largo 1º de Dezembro, em Portimão; a Praça do Município e o Largo José Correia Lobo, em Silves; e a Praça da República, em Albufeira, ainda mantêm algumas características desse passado.