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5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.17. Espaços de circulação e de permanência

O estudo do espaço público e as conclusões a que se pretende chegar obedecem geralmente a regras estabelecidas por quem já anteriormente se dedicou a idêntica tarefa, noutros lugares e noutras circunstâncias. Não se aplicam em absoluto a cada caso, mas são sempre preciosos indicadores, pois permitem constatar em que medida os dados recolhidos na situação presente se aproximam dos indicados nesses estudos, ou se são diversos e constituem característica assinalável. Da comparação de todos esses dados e das várias proporções encontradas, podem resultar recomendações para intervenções futuras, em projectos de raiz e na reabilitação urbana. Por maior que seja o universo de casos estudados, as conclusões deles retiradas serão sempre meramente indicativas, não só pela variedade de elementos externos que podem influenciar, mas principalmente pelas diferenças de lugar e de tempo. Mais ainda, por não ser possível imaginar todas as alterações sociais que se aproximam e consequente mudança nos anseios da população, e por haver a certeza de que as soluções que no momento se apresentam como de futuro, a breve prazo só valem como recordação do passado.

A relação largura/altura da praça, isto é, entre o solo e a cércea dos prédios, que foi tomada como ideal na proporção compreendida de 1:3 a 1:6 (BARBOSA, José, 1993:332), começou por ser observada nos espaços em que palácios e outros edifícios circundantes se apresentavam com unidade. Mas, com a demolição e reconstrução de alguns deles, passou a ser considerada a cércea média, o que conduz sempre a resultado diverso da realidade. Mesmo depois de os planos de urbanização e de pormenor imporem volumetria máxima para cada zona, raramente todos os prédios recebem alteração ao mesmo tempo e, assim, normalmente persiste a diversidade. Em Portimão, na Praça da República, onde, ao longo de três décadas, autarquia e particulares mais transformaram a imagem da cidade, o resultado obtido mostra-se coerente, mas não conseguiu evitar algumas soluções anteriores divergentes. Aqui, a larga fachada da Igreja do Colégio, dominante a meio da praça, e a igreja Matriz, à espreita a um canto, chamam para si a maior atenção e tornam quase irrelevantes as situações menos integradas.

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Um outro valor é-nos dado, também em termos ideais, pela própria lei (RGEU, arts. 59 e 60), que no entanto reconhece a existência de arruamentos já ladeados por edificações, cujas condições de salubridade, muitas vezes reduzidas e insusceptíveis de serem melhoradas, obrigam a aceitar essas excepções. Ao pretender que “a distância mínima entre fachadas de edificações nas quais existam vãos de compartimentos de habitação não poderá ser inferior a 10 metros”, teríamos aqui uma primeira medida mínima para a largura do arruamento. Quanto à cércea dos prédios, ao fixar que “nenhum dos seus elementos, com excepção de chaminés e acessórios decorativos, ultrapasse o limite definido pela linha recta a 45º, traçada em cada um desses planos a partir do alinhamento da edificação fronteira”, dá-nos um segundo valor. Os centros históricos e as aldeias do Barlavento são anteriores a 1951, data em que o diploma foi aprovado e, como tal, o seu traçado não obedece ao que o legislador achou dever consagrar.

Sem contar com avenidas, alamedas e estradas, em nove aldeias não há qualquer rua com largura média igual ou superior a dez metros (QUADRO 074). Mesmo em Aljezur, Paderne e Alferce, a rua com essa largura não é mais do que o troço da estrada nacional que as atravessa. Ao todo, são 91 ruas com mais de dez metros de largura – 36 em aldeias e 55 em centros históricos –, todas fora do núcleo mais antigo. Habitualmente, as ruas têm largura superior a 6m (54,28% nas aldeias e 59,39% nos centros históricos), mas em quase todas as localidades há algumas ruas com menos de 3m de largura. Destas, são 26 nas aldeias e 28 em vilas e cidades: 14 em Aljezur e nenhuma em Lagoa, numa percentagem total de 7,37%. No entanto, ao somarmos todos os outros espaços de ligação, incluindo travessas, estradas e avenidas, já a média dos que têm largura superior a 6m desce para 25,66% e dos que têm menos de 3m sobe para 40,40% (QUADRO 088). Mais esclarecedor será o comprimento de todos os espaços de circulação, cuja soma é de 82,190km (62,41%) com mais de 6m de largura, e 11,399km (8,66%) com menos de 3m (QUADRO 093).

Se olharmos para os espaços de permanência – concretamente praças, pracetas e largos – a sua largura média varia entre 11m e 19m, nas aldeias e, nos centros históricos, quase sempre excede os 20 metros (QUADRO 097). Os de maior largura são

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os Largos Gil Eanes (81m) e do Dique (66m), e a Praça 1º de Maio (62m), em Portimão; a Praça dos Pescadores (57m), em Albufeira; e a Praça do Infante D. Henrique (59m), em Lagos. Em área, o maior continua a ser o Largo Gil Eanes (19.139m2), seguido do Largo da República, em Silves (10.238m2), Largo do Dique, em Portimão (8.777) e Praça Al Muthamid (8.642m2), em Silves (QUADROS 100 e 101).

Seja de ligação ou de permanência, um espaço só adquire um “sentido colectivo e público” depois de percorrido repetidas vezes e, com esta atitude, ser apropriado pela comunidade (MACHADO, António, 1993:188). Sem outra intencionalidade que não seja atravessá-lo para encurtar a distância na ida de um lado para outro, a população confere assim ao espaço “um estatuto público de serviço à utilização privada”. Na deslocação, nada impede que se faça uma paragem, para olhar uma montra, falar com outra pessoa ou descansar; também nada obriga que uma praça não seja atravessada apressadamente, sem qualquer paragem. A distinção que aqui fazemos entre espaços de ligação e de permanência é mais por convenção e por certo será diversa de outras adoptadas. Neste trabalho, foram incluídos, como espaços lineares de ligação, todos aqueles que, na sua maior dimensão, ligam dois outros espaços e permitem a continuidade do trajecto. Como espaços de permanência, todos os outros: além de praças, pracetas e largos, também adros, becos, cais, campos de jogos, esplanadas, impasses, lavadouros, mirantes, parques, incluindo os de estacionamento e os infantis, pátios, recantos e terreiros.

O termo ligação, dado a um espaço, pressupõe a existência de pelo menos dois outros, um antes e um depois, porventura com maior relevância no tecido urbano. Estão nessa situação as travessas, veredas, escadinhas, mas outras há – alamedas, avenidas, estradas – que, não raro, são dos principais espaços da localidade. Quanto às ruas, algumas reúnem em si funções de vários outros espaços e nelas se localizam os melhores estabelecimentos comerciais, repartições, bancos, profissionais liberais, restauração, bibliotecas, museus e templos. Algumas são suficientemente largas para terem faixas de trânsito, passeios e estacionamento, ou acesso a parques subterrâneos, árvores, bancos e muito mais do que fora exclusivo de praças e parques.

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Quanto ao termo permanência, dará a ideia de tranquilidade, descanso e bem-estar, o que não ocorrerá em todos os casos atrás indicados.

Quando, reunidos uns e outros, nos preocupamos em encontrar uma proporção entre espaços de circulação e de permanência, não será de trabalho/lazer, já que, numa localidade com crescimento orgânico, como as do Barlavento, e com as relações sociais que aqui se estabelecem, todos os espaços são simultaneamente de actividade e de ócio. No entanto, porque são ruas (733) o maior número de espaços lineares (QUADROS 046 e 047) e, entre os alargados, 59,98% da sua área é ocupada por praças, pracetas e largos (QUADRO 116), os valores sobre eles registados poderão dar uma pista para a caracterização do espaço público nos trinta núcleos estudados. Foram analisados 2149 espaços, dos quais 1337 (62,21%) de circulação e 812 (37,79%) de permanência. Os de circulação ocupam a área total de 96,1456ha (70,40% do espaço público) e os de permanência 39,7754ha (29,60%). Nos comprimentos, a diferença é ainda maior: 131,685km (84,14%) de circulação e 24,730km (15,86%) de permanência (QUADROS 118 e 119).