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5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.4. Relação dos núcleos com a topografia

Considerámos como espaço público todo o espaço vazio entre edifícios e que tem forma. Poderá então ser visto como um cheio, um positivo, exterior aos edifícios, mas interior ao núcleo e onde tudo o que é público terá lugar. É, igualmente, um espaço aberto e, por isso, a qualquer altura do dia e do ano, está acessível sem restrições e permite qualquer uso e apropriação, mas, se abusivos, sujeitos a punição. Esta noção de espaço exterior e permanentemente acessível inclui também os aglomerados com muralhas e antigas portas, que já não estão fechadas e se mantêm em directa ligação com o tecido exterior.

Finalmente, é um espaço contínuo, em que, percorrendo-o em qualquer direcção, continuamos sempre dentro dele. No seu todo, o espaço público tem limites horizontais – é constituído pelos pavimentos, uns para circulação pedonal, outros para veículos, e por alguns tectos (espaços cobertos) – e limites verticais – as paredes exteriores dos edifícios. Essas paredes separam o espaço privado do espaço público, ou o interior do exterior e, ainda que aparentemente pertença do proprietário do edifício, são na verdade coisa pública, sujeita a regras, mesmo que isentas de controlo prévio. Cada espaço é ainda limite vertical de um outro espaço. No caso de passadeira aérea ou viaduto, o tabuleiro é parte do seu limite horizontal e do da via que passa por baixo. O limite exterior do espaço público, correspondente ao da totalidade do aglomerado urbano ou de uma sua zona determinada, é aquele que administrativamente está definido como tal. Quando objecto de estudo e no caso

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presente, abrange todo o espaço envolvido e envolvente do casario que tenha sido considerado.

O seu elemento constitutivo essencial é desde logo o solo, sempre presente, ainda que aéreo ou subterrâneo, de que são exemplos o piso superior do Bairro do Progresso, em Silves, a passagem aérea na Figueira (de Portimão), os arcos, túneis e viadutos em Albufeira, Portimão e Lagos, e até circulante, como em Albufeira, na escada rolante e no elevador. Depois, também quase sempre presentes, como “elemento mínimo”, os edifícios, através dos quais se organizam e identificam os espaços com forma própria: a rua, a praça, o beco, a avenida (LAMAS, 1993:84). Há como que uma relação de procura recíproca e dialéctica entre o espaço e o edifício, que simultaneamente os atrai e condiciona, ao ponto de, quando falamos de um, estarmos por vezes a pensar no outro. Assim, quando referimos uma praça, imediatamente visualizamos um ou mais dos seus edifícios principais e, quando citamos um edifício ou serviço nele instalado, logo pensamos no espaço que o envolve e no percurso para lá chegar.

Na cidade tradicional e no pequeno aglomerado, a fachada do edifício que comunica com o espaço público contribui para a formação da sua fisionomia e mostra o que dele podemos esperar. A fachada é o rosto do prédio. A actividade nele desenvolvida pode dar nome ao espaço onde se situa: Rua da Central, em Monchique; Rua do Cinema Antigo, em Lagoa; Rua do Colégio e Rua da Fábrica, em Portimão; Largo do Convento da Senhora da Glória, em Lagos; Rua do Correio e Travessa do Hospital, em Silves; Rua da Escola, em várias aldeias; Rua da Igreja em grande parte das localidades; Rua do Mercado, na Guia; Largo da Misericórdia em Monchique e em Silves; Largo e Praça do Município, em Lagoa e em Silves; Rua da Padaria, em Espiche e em Budens; Travessa e Rua da Praça, em Lagoa e em Barão de S. João; Largo e Rua da Sociedade, em Almádena e em Budens; Rua do Tribunal Velho, em Albufeira.

A relação dos edifícios com o terreno em que se implantam – e deste com o espaço público – está directamente dependente da frente dessa parcela fundiária, também designada por lote. O conjunto de lotes contíguos, totalmente delimitado por ruas e outros espaços livres e circuláveis, forma o quarteirão, geralmente entendido

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como “cheio” da malha urbana. Os vários quarteirões ajudam a definir ruas, travessas, praças, pracetas e largos; no conjunto, com dimensões e proporções próprias, revelam-se “à dimensão de uma grande metrópole ou possuidores da intimidade de um espaço de aldeia” (KRIER, Léon, 1999:143). Na cidade, assenta bem e espera-se uma geometria pura, com ruas paralelas, resultado de ordenamento urbanístico, enquanto nos pequenos aglomerados, uma composição mais livre e mais simples ajuda a criar o ambiente que os caracteriza. Mesmo que as cidades do Barlavento (e do Algarve) não sejam grandes, sempre se encontra alguma “racionalidade” no traçado da parte sul do centro histórico de Lagoa, nos bairros norte de Portimão e nascente de Silves e também numa aldeia: Montes de Alvor. Em todas as demais localidades, o crescimento das áreas estudadas terá sido de certo modo vagaroso, resultado da “utilização continuada de processos construtivos, comprovados e de regras idênticas nas relações dos edifícios entre si e com o território” (LAMAS, 1993:134), crescimento esse quase espontâneo, ainda que, pelo menos nas sedes de concelho, já com respeito pelos regulamentos ao tempo em vigor.

A evolução física de um aglomerado é muito resultado da morfologia do terreno, mas o seu início prende-se mais com o local escolhido para o primeiro assentamento. Com excepção de Lagoa, Monchique e Vila do Bispo, todas as restantes sedes de município encontram-se em zonas defensivas, junto à foz de rios (Portimão) ou de ribeiras (Albufeira e Lagos) ou até onde eram navegáveis (Silves e Aljezur). Estas últimas aliam ainda o facto de terem crescido “à sombra do castelo” (BARBOSA, José, 1993:228). Todas elas têm hoje praças e o seu centro turístico junto à água; é daí que irradiam, com interesse decrescente, os vários quarteirões. Mesmo quando o castelo, e em Silves também a Sé, exerce natural atracção, não raro a visita é fugaz e é à zona ribeirinha, onde também há o estacionamento, que logo a seguir se regressa. As aldeias, praticamente despojadas de quaisquer elementos decorativos que despertem interesse, além da simplicidade do seu próprio casario e da paisagem que muitas oferecem, mantêm uma vida calma e um crescimento lento ou mesmo nulo. Neste último aspecto, apenas a Guia e as mais próximas de Lagos e de Portimão são excepção (QUADRO 004).

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A relação com a topografia do lugar terá marcado, desde logo, o modo como evoluiu cada aglomerado (OLIVEIRA, Francisco, 2008:207) e como nele se distribuíram os equipamentos essenciais à vida dos seus habitantes. O tecido urbano ficara um tanto dependente das linhas de confluência a esses locais, que, por sua vez, já haviam recebido tais equipamentos pela sua posição geográfica e configuração do terreno. Isto, quanto aos acessos principais, que geralmente acompanham os traços vincados pelo escorrer das águas ou pelos acidentes naturais do solo. E sendo tudo também causa da divisão da propriedade, quer nos terrenos envolventes, quer dentro da própria localidade, a maior ou menor dimensão de cada prédio rústico e das parcelas em que se vai subdividindo vai condicionar o afastamento entre si das vias secundárias e das travessas e contribuir para a formação da malha urbana.

Terão sido factores geográficos que ditaram a localização de alguns desses equipamentos que permanecem do passado, com sua presença forte ou como memória: um castelo, um cais, um moinho, um lavadouro, até uma igreja. Quase sempre, foi também essa localização que determinou a distribuição do casario circundante e que veio a definir os cheios do tecido urbano que hoje encontramos nestes trinta núcleos estudados. Mesmo quando a instalação de equipamento comunitário só mais tarde teve lugar, a topografia do terreno terá tido maior influência na localização das primeiras casas. Com efeito, será necessariamente diferente uma localidade que cresce em terreno plano, daquela que fica condicionada pela inclinação do solo, quase sem espaço para os estreitos arruamentos por que é feito o acesso às casas. Distribuídas principalmente pelo barrocal, as aldeias do Barlavento algarvio terão crescido com a preocupação de conciliar a preservação do solo arável com o aproveitamento das parcelas mais pedregosas, onde implantaram as casas e, encosta acima, a utilização de socalcos com características idênticas. Daqui resulta uma diferença de cotas entre a zona mais baixa e a mais alta de cada localidade, menor em Vale de Boi (12m) e maior na Raposeira (50m) (QUADRO 012).

Os conjuntos correspondentes à parte mais antiga dos centros históricos aqui estudados terão nascido de outras preocupações, essencialmente defensivas, com a população a se fixar em zonas mais elevadas, sobranceiras aos terrenos por onde se

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entrava e saía. Na altura usados no cultivo, esses terrenos foram há muito ocupados por mais construções, boa parte hoje também pertencentes à zona histórica. Constituem, em maior ou menor área, um cabeço habitado – Albufeira, Silves, Portimão, Lagos e Vila do Bispo – e as casas que encontramos no que consideramos núcleo primitivo distribuem-se por essa cota mais alta. A sua malha difere quer da do restante centro histórico, quer da malha de cada um dos núcleos primitivos das outras localidades. Em Albufeira os quarteirões são alongados, como gomos; em Lagoa lembram bagos de romã; em Lagos formam um quadrado que sucessivamente se subdivide; em Monchique envolvem a igreja como numa flor em botão; em Portimão são longos, paralelos e subdividem-se à medida que se afastam da beira-rio; em Silves são maiores no centro e mais pequenos de cada lado; em Vila do Bispo parece que a malha foi esticada para os lados (Anexos, Plantas: Identificação dos Quarteirões).