• Nenhum resultado encontrado

5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.9. Público/Privado: a ocupação do espaço

Depois da casa (espaço privado) e do seu exterior (espaço público), surgiram outros espaços que, embora pertençam ou estejam concessionados a entidades privadas, se mantêm abertos a todo o público: aeroportos, gares, centros comerciais, áreas de serviço e outros, e que já foram apelidados de “não-lugares” (AUGÉ, 2007). São geralmente cobertos e, como espaços de passagem e de encontro, desempenham o mesmo papel e com quase a mesma liberdade para os utentes das ruas e das praças.

116

Por isso, são também incluídos entre os diversos tipos de espaço público. À excepção da estação de caminho-de-ferro de Portimão, não se encontram quaisquer outros espaços de embarque nas aldeias e nos centros históricos do Barlavento. Em todos os restantes locais de livre acesso – templos, mercados municipais e repartições – quer sejam espaço público, quer possam ser considerados sua extensão, esse acesso está subordinado a horários. Embora existam em quase todos os núcleos e sejam importantes na vida da comunidade e de todo o espaço que fica à sua volta, não estão sempre disponíveis e, nessa medida, não foram incluídos neste estudo.

Os pátios, os logradouros e outras formas de estender o espaço público ao interior dos edifícios, podem, em pequena escala, facilitar a criação do espaço cívico e a cidadania (OLIVEIRA, Francisco, 2008:223). O contrário, trazer para o exterior a manifestação de sentimentos pessoais – procissões, cortejos, comícios – ou de actos também da intimidade – refeições em esplanadas, arraiais, bailes – contribui igualmente para a socialização e até de forma mais abrangente e visível. No entanto, todas as relações espaço/sociedade têm a sua época própria, com início, auge e declínio, e sucedem-se por ciclos sempre dependentes do tempo, do lugar e do que a tecnologia na altura permite. Espectáculos que enchiam coliseus da antiguidade, praças públicas da idade moderna – e ainda hoje acontecem onde os direitos humanos não são reconhecidos tal como o são entre nós – eram, à época, considerados importantes na concepção ou adaptação do espaço onde iriam decorrer. Nos nossos dias, relações sociais bem diferentes – no espectáculo, no desporto, no lazer – exigem condições e equipamento inimagináveis pelas gerações que nos precederam.

Estas mudanças de comportamento são causa e consequência da evolução nas noções de público e de privado, que no espaço urbano tem reflexo na distinção que fazemos entre exterior/interior, colectivo/individual, comunitário/particular; reflexo também na prática e nos usos que lhes damos e nas normas que procuram reajustar a realidade ao que os novos conceitos recomendam. Entendido de forma mais sociológica, seria público o que é de acesso livre, facultado e aberto a todos; e seria privado o que é da esfera de cada um, da família e que está escondido dos olhares (ASCHER, 1998:173). Será excessiva esta distinção, pois nem é necessário chegar a

117

limites para que praticamente tudo que é privado seja posto ao serviço de todos e para que muito do que é do domínio público seja usado por um só, ou por mais, mas no seu interesse particular, como é o caso das concessões. Privado, comunitário ou público, todo o espaço exterior é parte do tecido urbano e contribui positiva ou negativamente para a construção do ambiente e da paisagem. Já está ao dispor do público ou, mais cedo ou mais tarde, será posto ao serviço de muitos mais. Por isso, o mesmo cuidado que pomos nos interiores e envolvente de nossas casas deverá ser estendido também a todo o exterior, tarefa que deverá contar com o empenho da administração municipal, da comunidade e dos vizinhos de cada espaço.

A elaboração de um regulamento municipal de ocupação do espaço público (OEP) ou de qualquer outro, é da competência da câmara municipal que, sobre o respectivo projecto deve ouvir “as entidades representativas dos interesses afectados” – juntas de freguesia, entidades policial e do sector, associações patronais – e, de modo a harmonizá-lo com outros de objecto comum, também a Associação Nacional de Municípios Portugueses. Deve ainda submetê-lo “a apreciação pública, para recolha de sugestões” (CPA, arts. 117 e 118), que não a vinculam, mas podem ser ainda consideradas, já que o projecto tem nova etapa a cumprir – a aprovação pela assembleia municipal. Estes regulamentos, antes designados de “ocupação da via pública” (OVP), são concebidos para a área de todo o município e, por muito completos que estejam, não deixam de ser gerais e abstractos. Nos pedidos dirigidos à administração, com vista à obtenção de licença para ocupar qualquer espaço – ou na comunicação prévia com prazo, a efectuar pelo interessado no «Balcão do empreendedor» –, mesmo que se junte documentação vária e autorização do condomínio ou do dono do prédio em que o estabelecimento requerente está instalado, já ninguém mais é chamado a pronunciar-se. Resulta daí que, quando surge um caso concreto e o regulamento vai ser aplicado, não é já dada oportunidade para funcionarem as relações de vizinhança e de cidadania defendidas para a melhor utilização do espaço público.

Os regulamentos de OEP costumavam “definir um conjunto de critérios a que deve estar sujeita a ocupação do espaço público para a salvaguarda da segurança, do

118

ambiente e do equilíbrio urbano e, consequentemente, da melhoria da qualidade de vida” (CMPortimão), mas, a partir de Maio de 2011, com a entrada em vigor do “Licenciamento Zero” (DL 48/2011) muitos deixaram de indicá-los, para não repetirem o que o próprio diploma já diz. Este diploma veio permitir “ocupar o espaço público, entendido como a área de acesso livre e de uso colectivo afecta ao domínio público das autarquias locais”, com a instalação de: toldo e respectiva sanefa; esplanada aberta; estrado e guarda-ventos; vitrina e expositor; suporte publicitário; arcas e máquinas de gelados; brinquedos mecânicos e equipamentos similares; floreira; e contentor para resíduos. No entanto, a ocupação do espaço público para outros fins continuou a seguir o que estiver preceituado nos regulamentos municipais.

O diploma reconhece aos municípios competência para “a definição dos critérios a que deve estar sujeita a ocupação do espaço público para salvaguarda da segurança, do ambiente e do equilíbrio urbano”. Todavia, indica que esses critérios devem garantir o respeito pelas seguintes regras: ”a) Não provocar obstrução de perspectivas panorâmicas ou afectar a estética ou o ambiente dos lugares ou da paisagem; b) Não prejudicar a beleza ou o enquadramento de monumentos nacionais, de edifícios de interesse público ou outros susceptíveis de ser classificados pelas entidades públicas; c) Não causar prejuízos a terceiros; d) Não afectar a segurança das pessoas ou das coisas, nomeadamente na circulação rodoviária ou ferroviária; e) Não apresentar disposições, formatos ou cores que possam confundir-se com os da sinalização de tráfego; f) Não prejudicar a circulação dos peões, designadamente dos cidadãos portadores de deficiência”.

A primeira questão que se coloca tem a ver com a estética, o ambiente, a paisagem. Não parece que uma esplanada, um expositor ou um suporte publicitário obstruam em absoluto a panorâmica ou a paisagem, ou que prejudiquem a beleza e enquadramento de monumentos ou edifícios, que por certo são bem maiores. Além disso, essa obstrução ou afectação dependerá sempre da posição em que se coloque o observador. Podem até emprestar-lhes mais colorido e a maioria dos habitantes e dos passantes gostar da vivacidade que essa ocupação poderá trazer. Quanto à circulação dos peões, deixa de ser possível por todo o espaço, terão de contornar o que passou a

119

estar ocupado. Por tudo isto, o próprio espaço fica diferente do que era e do que futuramente será e essa mudança faz parte da essência de um lugar. Outra coisa é reconhecer que muitas dessas esplanadas chegam a ocupar quase toda a praça ou, quando autorizadas aos estabelecimentos de ambos os lados duma rua, só deixam uma estreita faixa para os peões, como acontece em Albufeira e Lagos. Nestes casos, grande parte do espaço público transforma-se num espaço de acesso quase condicionado, semi-público, acessível apenas a alguns (GONÇALVES, 2006:53), ao longo do dia e parte da noite. Durante alguns meses do ano, fica de facto quase privatizado.

A proporção ideal entre o espaço público e o privado tem merecido reflexão e dependerá sempre do que seja incluído num e noutro grupo. Na recolha efectuada nos trinta núcleos seleccionados, foi tomado como público todo o espaço livre e sem aparência de pertencer a um particular e como privado todos os quarteirões e terrenos confinantes com os arruamentos e os largos, mesmo que não estivessem vedados. Nos centros históricos é evidente a diferenciação, por estar quase toda a propriedade privada construída e ocupada. Nas aldeias, onde a circulação é diminuta e a utilização do espaço exterior ocorre com naturalidade, há outros indicadores, como os pavimentos e a comparação com situações vizinhas, que permitem considerar, com relativa segurança, onde começa e acaba o espaço público. São diferentes as capacidades e as carências dos habitantes das aldeias e das cidades e, de certo modo, também entre os que vivem no centro ou na periferia. Num bairro, tomado como unidade intermédia, o conjunto de espaços públicos não deveria “ocupar mais de 35% nem menos de 25% da superfície total”: menos redunda numa falsa economia e mais, num falso luxo (KRIER, Léon, 1999:143).