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2 – O Barlavento Algarvio

3.2. Noções e características

Não raras vezes, precisamente por não se conhecerem certas realidades, temos uma noção errada e até depreciativa de aldeia, ao associá-la a coisas que podem parecer menores. Mas, ainda que o fossem, têm o seu lugar, o seu papel, a sua razão de existir, são uma peça de todo o conjunto e quem as conhece é que lhes dá valor. Daí que muitos fujam hoje das cidades e se refugiem nos pequenos e isolados aglomerados.

Temos igualmente o quase reverso da questão. Quem vive ou tem um contacto directo com uma aldeia terá um conceito forçosamente distinto daqueles que não estão nessa condição. De um lado, quem as conhece, precisamente por isso, porque aí tem menos oportunidades de trabalho, deseja sair. Do outro, uma pessoa que, ao

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procurar porventura a paz e calma que não encontra na cidade, idealiza a vida numa aldeia, precisamente por nunca a ter experimentado, não se apercebe da sua real dimensão. Não pensa em certas questões, por não as conhecer, mas, uma vez a viver numa aldeia, até pode mudar de ideia.

Não são estes os argumentos habituais de quem prefere a cidade nem é esta ideia de incomodidade que a maioria das pessoas tem do meio rural. Temos as primeiras referências a aldeia logo nos livros escolares, quer nos textos que os programas da antiga escola primária colocavam nos livros únicos, quer em excertos de obras de alguns dos nossos mais conhecidos autores, nos manuais mais recentes. Associamos, depois, aldeia a uma série de acontecimentos que nos chegam, quer pelo cinema, televisão e actualmente outros meios, quer por conversas. E vamos actualizando a nossa visão de aldeia, com relatos e fotografias de recantos pitorescos, com a satisfação de, em datas especiais, voltar à terra, isto é, regressar à casa e ao convívio dos familiares mais velhos que por lá ficaram. Assim, no imaginário de muitos, a aldeia, será aquele local um tanto atrasado, ligado ao campo e associado a gente idosa, sem saber ler nem escrever. No entanto, já não é bem assim, e vários são os jovens que procuram criar empresas ou negócios, nomeadamente ligados a um turismo específico e a novas indústrias artesanais e criativas, precisamente em aldeias. Quando notícias destas actividades não tradicionais são divulgadas pelos meios de comunicação social, isso não deixa de parecer estranho à aldeia, mas, também pela novidade e pela audácia do sangue novo de alguns dos seus promotores, muitos desses projectos conseguem convencer e vingar.

Em qualquer caso, pensar em aldeia é pensar muitas vezes em: parado, isolado, campo, atrasado, velho, pequeno. Estas palavras não se baseiam em nenhum inquérito agora realizado, temo-las como noção geral, povoando o nosso imaginário, principalmente se a nossa vida sempre se processou longe do mundo rural. Mas a verdade é que cada aldeia tem uma história, indissociavelmente ligada à sua geografia, e, pelo simples facto de hoje ser mais fácil divulgar essa história, já a aldeia se nos aparece viva, próxima, urbana, actual, nova e grande. Pela razão do isolamento em que muitas se mantiveram até há pouco tempo, poderá parecer que cada aldeia é

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distinta das demais. Mas não o é, necessariamente. Em causa está sempre um aglomerado feito pelos homens e para os homens. Por isso, certas características, inerentes à condição humana e à satisfação das suas necessidades, são constantes em qualquer aldeia.

Independentemente de terem semelhanças entre si e qualquer que seja o seu contexto, as aldeias podem possuir também pontos em comum com os centros e as sedes de freguesia ou de concelho a que se encontram mais directamente ligadas. Este é um dos aspectos presentes nesta investigação, uma das perguntas colocadas à partida e à qual se procurou obter algumas possíveis respostas, através de um método comparativo.

Uma aldeia é aqui entendida e trabalhada enquanto um conjunto de construções com uma relação muito próxima entre si e geralmente edificadas em meio rural.. Muitos dos seus moradores trabalham no campo e esta seria uma das ocupações iniciais de todos eles. A fixação à terra teve como função principal a produção de alimentos, tornando-se por isso a agricultura a actividade económica dominante; e os modos de vida, valores e comportamentos próprios das famílias de camponeses foram-se reflectindo no tipo de paisagem, com a “conquista de equilíbrios entre as características naturais e o tipo de actividades humanas desenvolvidas” (FERRÃO, 2000:46). Ainda hoje, no mundo rural, há uma relação íntima entre as casas e o campo, logo, entre os habitantes e o meio; e também nos moradores entre si, porque se conhecem, por se tratar de um pequeno aglomerado e por serem os trabalhos quase todos ao ar livre.

O tipo de construção – e neste aspecto também será útil fazer-se comparação com o meio urbano – é mais ligado aos materiais locais e fruto de um saber fazer. No Algarve, como noutras paragens, os materiais existentes na região moldam duplamente uma aldeia. Por um lado, fazem com que se deixem para a agricultura os terrenos mais férteis e, por isso, o local da implantação seja uma consequência do solo (COSTA, Miguel, 2003:29). Por outro, por questões económicas e de transporte, utilizam-se na própria construção os materiais existentes na zona. Nestes dois aspectos, o solo conforma a aldeia e a aldeia transforma o solo.

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Importa ainda quantificar certos elementos de modo a poder concluir-se sobre o que especifica e diferencia as aldeias, relativamente aos demais centros urbanos. Primeiro, a escala dos edifícios e dos espaços vazios: as casas são de um ou dois pisos e os espaços alargados têm menores dimensões, quase só largos, e poucas praças ou nenhuma mesmo. Depois, a unidade nas construções, de características geralmente semelhantes, dá-lhes, como resultado final, uma maior homogeneidade. Nessa medida, vemos a aldeia como um todo, valendo mais no seu conjunto. Além disso, com menos edifícios de uso público e com menor escala, quando os tem, a aldeia é quase toda ela residencial e tem uma vivência mais uniforme. Por fim, ligando escala e unidade, temos um terceiro aspecto, que se prende com a diversidade e que contribui para fortalecer os dois primeiros: prestamos maior atenção ao menor grau de pormenor, ao pitoresco e ao que é natural, o que, no conjunto, forma um todo uno que individualiza a aldeia.

No entanto, tal como na diferença entre um espaço com geometria regular e outro irregular,em que o segundo receberá melhor uma arquitectura modesta (KRIER, Léon, 1999:143), uma aldeia aceita melhor a espontaneidade e vive mais do pormenor. Apesar do chamado saber de experiência feito, que torna quase obrigatório o recurso a técnicas de construção, formas e usos passados de geração em geração e que sempre se revelaram os mais próprios para as condições geológicas e climatéricas locais, cada um procura, no acabamento, dotar a fachada de sua casa de um toque pessoal, que melhor o sirva e mais lhe granjeie o respeito dos vizinhos.