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5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.15. A rua como espelho de vida local

Apesar da evidência que alguns largos e praças voltaram a conquistar, principalmente após as intervenções neles efectuadas até ao final da primeira década do século XXI, são as ruas que continuam a assumir posição relevante nos vários núcleos estudados. Nas aldeias, por serem os espaços mais longos e provirem quase sempre de antigas estradas régias, à volta das quais cresceu o aglomerado; nos centros históricos, por reunirem alguns dos estabelecimentos e dos serviços com maior peso local e por serem o caminho mais directo de ligação a outros espaços principais. A rua, mais extensa, mais larga, com melhor pavimento e ladeada por edifícios cujo acesso principal por ela se faz, deve tudo isso ao papel que, ao longo dos tempos, tem desempenhado na organização do traçado urbano. A população relaciona a rua com tudo o que dela obtém – a moradia, as compras, o passeio, o trabalho – ou aonde só chega depois de atravessá-la. Então, passa a ser “a minha rua”, a da escola, da igreja, do mercado, do comércio, da sociedade.

A rua espelha também a vida local, não apenas pela dinâmica das actividades económicas e sociais nela desenvolvidas, mas até pela denominação que recebe e que, não raras vezes, é alterada. A rua principal, mais sujeita ao desenrolar da história, apressa-se a homenagear um facto ou uma personalidade do momento e, em consequência, poderá sofrer nova alteração tempos mais tarde. Estão neste caso os topónimos que evocam datas: umas facilmente relacionadas com o ano em que o facto ocorreu, como 25 de Abril, 5 de Outubro e 1º de Dezembro; outras de origem mais ignorada, como 1 de Janeiro, em Barão de S. João; 13 de Janeiro, na Bordeira; 16 de Janeiro, em Lagoa; 26 de Março, em Alferce; 16 de Maio, em Portimão; 31 de Janeiro, 24 de Junho e 28 de Setembro, na Figueira de Portimão; e 16 de Novembro, na Carrapateira. Mesmo o 1º de Maio, recordado em quatro centros históricos e onze aldeias, por certo dele pouco mais saberá a população de que é o “dia do trabalhador”. A denominação 25 de Abril é a mais comum em centros históricos (6) e aldeias (10) do Barlavento e corresponde a 19 espaços: ruas (12), travessas (3), uma avenida,

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uma alameda, um largo e dois becos. Seguem-se 1º de Maio (15), da Igreja (14), das Escadinhas (10), Flores, Forno e Liberdade (9 cada). A figura mais homenageada é João de Deus (em 7 localidades), seguida de Cândido dos Reis (5) e Miguel Bombarda (4) (QUADRO 054). Se esta contagem é real nas aldeias, nas cidades e vilas ela corresponde apenas ao seu centro histórico. São mais de noventa os topónimos usados em pelo menos duas localidades (QUADROS 055 e 056). O Poço (7), a Fonte (7), o Moinho, as Parreiras, os Quintais, o Rossio (6 cada), o Alecrim, a Praça, as Bicas (5 cada) são topónimos mais frequentes nas aldeias e indicam que é nessa rua ou depois de passar por ela que se encontra cada um desses elementos de grande importância na vida comunitária.

A quase totalidade das artérias, nos centros históricos e em grande parte nas aldeias, tem denominação toponímica e corresponde-lhe um código postal. São 576 os espaços com topónimo nas aldeias – dos quais 295 ruas e 101 travessas – e 595 nos centros históricos: 373 ruas e 84 travessas (QUADROS 046-047 e 050-053). Correspondem a vinte e dois dos 29 tipos diferentes, segundo os vários regulamentos de toponímia em vigor nos municípios estudados (QUADRO 185). Principalmente entre os espaços sem topónimo, foram individualizados e classificados na pesquisa efectuada mais quinze tipos de espaços: adros (37), cais (3), campos de jogos (2), elevadores (2), esplanadas (1), lavadouros (8), parques de estacionamento (17), parques infantis (3), passagem aérea (1), pátios (69), recantos (123), terreiros (17), túneis (12) e veredas (6). Num total de 44 tipos diferentes, esta diferenciação entre os vários espaços fica muito aquém dos “145 tipos de via existentes” na toponímia portuguesa, registados pelos CTT (FAVA, 2009:14).

Dos 1171 espaços com topónimo, 1052 estão devidamente identificados no próprio local (QUADROS 128 e 129). A maioria das placas está colocada na parede (1634), mas há algumas em suportes implantados no chão (64). Estes são mais usuais nas aldeias (57) e encontram-se em estradas, jardins, largos e também em várias ruas. São da competência das câmaras municipais “estabelecer a denominação das ruas e praças das localidades e das povoações, após parecer da correspondente junta de freguesia” e “as regras de numeração dos edifícios” (RJALEIAA, 33:1ss;tt). Os oito

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municípios do Barlavento têm em vigor regulamentos sobre toponímia, com indicação das várias regras a respeitar na confecção e colocação de placas e de números de polícia. Estes deverão ter uma dimensão entre 10cm e 15cm e os “que excedam 15 cm de altura serão considerados anúncios, ficando a sua afixação sujeita ao respectivo Regulamento” (RTMPortimão, 21º.4). Também “a não colocação do número de polícia pelo requerente do processo de obras e ou proprietário da edificação ou fracção” será punível com coima (RTSilves, 31.1c). No entanto, são muitas as portas sem a correspondente numeração, rara em edifícios onde funcionem serviços municipais.

A denominação toponímica aparece em muitas artérias ainda com letras pintadas a branco sobre fundo preto, formando um rectângulo com cerca de 30cm de comprimento e 20cm de altura, sem obedecerem a grande rigor. Noutras, são letras gravadas sobre placa de pedra e, cada vez mais, painéis de azulejos pintados a azul. Há outros modelos que correspondem a diferentes conceitos e ao que estava em uso nas datas em que foram colocadas. Grande parte vem de há muito e, por isso, é principalmente para as zonas novas das localidades e para os edifícios reconstruídos que preceituam os regulamentos de toponímia. Deles constam, entre outras, as seguintes regras:

“As placas toponímicas e respectivos suportes devem ser de composição simples e adequada à natureza e importância do arruamento” (Albufeira,6.1, Monchique,8.1 e Portimão,12.2). Poderão ser “em pedra de mármore branco com caracteres gravados e pintados em cor contrastante” ou “confeccionadas com materiais à base de ligas metálicas ou fibras sintéticas” (Lagoa,13.1,3); “executadas em azulejo branco vidrado, com letras, brasão e contorno em azul cobalto” (Lagos,15.2); “em mármore polido com a espessura de 2 cm e as fixações serão em cobre oxidado”, com “gravação em baixo relevo, letras pintadas” e “devem incluir o brasão de armas municipal no canto superior esquerdo e o da Freguesia no direito“ (Portimão,12.2,3,6); ou “em azulejos e as inscrições serão pintadas a preto, ou azul escuro” e “terá o brasão da respectiva freguesia colocado, ou a meio da placa, ou no canto superior esquerdo“ (Silves,17.1,3).

As placas toponímicas “terão as dimensões de 45cm de largura e 30cm de altura, ou compostas por seis azulejos de 15cmx15cm cada, mantendo-se a proporção de 3/2”

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(Lagoa,13.1); “59,5cm de comprimento e 44,5cm de altura e cada peça azulejar” de 15cmx15cm” (Lagos,15.2); “não poderão ter dimensões superiores a 0,60mx0,45m” (Portimão,12.6); nem “ter dimensões inferiores a 600mmx450mm, ou 450mmx300mm” (Silves,17.3).

Poderão ser colocadas “em colunas de suporte ou directamente nas fachadas dos edifícios” (Portimão,12.3); “distante do solo cerca de 3m e da esquina aproximadamente 1,5m” (Lagoa,12.3). “Caso não seja possível cumprir estas distâncias, as mesmas ficarão colocadas, no máximo, a 4,0 metros do solo e 2,5 metros da esquina do edifício” (Lagos,17.2) ou “a uma distância do solo entre 2 a 3m, e das esquinas entre 0,50m a 1,50m” (Vila do Bispo,13.3). A colocação das placas toponímicas “também poderá ser efectuada em suportes colocados na via pública ou nos espaços públicos, desde que os passeios possuam no mínimo 1,50 metros de largura disponível, livre de quaisquer obstáculos” (Lagos,18.1). “Nas áreas consolidadas em que o passeio tenha largura inferior a 1,5m, devem ser adoptados os postes, que deverão ser colocados junto aos muros de vedação existentes” (Vila do Bispo,13.4).

Dos 1034 espaços com placas toponímicas, 981 têm-nas colocadas na parede, 36 em suportes e 17 em ambas as situações. A maioria dos espaços está identificada com duas placas (504) – uma em cada entrada na via, colocadas à esquerda – ou apenas uma (451). Com mais placas são menos os espaços: 66 com três, 8 com quatro, 4 com cinco e uma – a Rua Infante de Sagres, em Lagos – com oito. Das doze ruas com quatro e cinco placas toponímicas, dez são em Lagos, uma em Silves – Rua Cândido dos Reis (4) – e outra em Albufeira, a Praça Miguel Bombarda (4).

Quanto à numeração, os vários regulamentos seguem a prática corrente de começar de nascente ou de sul, conforme a direcção principal da via, e ser crescente, com os números ímpares à esquerda e os pares à direita. Nos largos e praças, a numeração é seguida, no “sentido do movimento dos ponteiros do relógio, a partir do prédio que faça de gaveto poente do arruamento situado a sul” (Portimão,22.3), ou “a partir da entrada sudoeste do local” (Silves,26.d). Os becos têm numeração própria e seguida, a partir do primeiro edifício da esquerda. No centro histórico de Lagos, havia

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sido adoptado o critério de iniciar a numeração a partir dos Paços do Concelho, tal como, nas vias nacionais, os marcos quilométricos são colocados a partir de Lisboa. Assim, os arruamentos a sul da Praça Gil Eanes, onde se situa aquele edifício, estão numerados no sentido norte-sul; como não há ruas para nascente daquela praça, tudo o resto segue a norma habitual.