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5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.8. Fachadas e pavimentos

No espaço público é importante a sua relação visual. Seja de circulação ou de permanência, quase poderíamos comparar a acção que nele se desenvolve a uma cena cinematográfica ou teatral. Dela diverge na medida em que o próprio espectador também participa. Ainda que esteja a observar da janela de sua casa, esta encontra-se na fachada de um prédio e é ainda espaço público, por fazer parte do seu limite lateral. Mesmo que esteja mais longe, fora daquele espaço, estará ainda para cá do seu horizonte e pertence ao cenário. Acessível e visível, o espaço público reúne, em si, um “direito de visita” e um “direito de olhar” (ASCHER, 1988:174). As práticas que possa

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acolher – pela sua natureza, dimensão, estrutura, enquadramento paisagístico e até administrativo – e, no dia-a-dia, também o comportamento dos que nele se instalam, vizinhos e passantes, contribuem para a imagem e visibilidade de cada espaço.

Mesmo sem ninguém mais presente para lhe dar expressão e quando parece nada estar a acontecer num dado espaço, é possível ter dele uma percepção global, transmitida pelos vários elementos que permanecem visíveis. Desde logo, pela implantação dos edifícios, cujos planos de fachada quase sempre definem os traços gerais da sua fisionomia. A situação mais frequente passa por frentes comuns, idênticas na cércea e no desenho das fachadas, o que favorece a regularidade do alçado e da planta e revela certa monotonia na relação público/privado. Outras vezes, há edifícios que se sobrepõem ao conjunto: a silhueta então produzida revela ter havido diferente intenção e poderio, que pode já não manter, mas potencia relação diversa com os demais edifícios. Os materiais utilizados nas fachadas e a existência ou não de elementos que as valorizem – cantarias, ferragens, azulejos – ou denunciem utilização não habitacional – montras, placas, reclamos luminosos – geradores de uma “policromia tendente a captar e a diversificar a atenção” (BARBOSA, José, 1993:301), são igualmente sinais do seu quotidiano. Podem dar-nos também algumas pistas sobre épocas anteriores. Todavia, ao alterar técnicas, materiais, texturas e cores nos edifícios, modificam-se também a composição das partes e a leitura do todo, o que impede o estudo da “cidade antiga apenas pela sua imagem actual” (ROSSA, 1995:235).

Em zonas de maior interesse comercial – algumas vedadas ao trânsito e quase sempre em edifícios reconstruídos e que tiveram de recuar para ganharem em número de pisos –, fica sob arcadas parte desse espaço exterior aos estabelecimentos e à entrada principal do prédio. Umas vezes, apresenta-se com pavimento diferente, como parte comum do prédio e a sua ocupação pelos condóminos ou seus inquilinos não está sujeita ao pagamento de qualquer taxa; outras, integra-se no domínio público, está ao nível da rua pedonal ou do passeio e recebe o prolongamento do empedrado. As arcadas, quando acompanham dois ou mais edifícios, constituem um elemento unificador desse conjunto e, de certo modo, trazem para o exterior um pouco do

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conforto que é oferecido aos clientes nos corredores dos grandes espaços comerciais da periferia. Todavia, não são tão frequentes em zonas mais antigas das cidades, onde prevalece o restauro sobre a reconstrução. No total das aldeias, são menos de dezena e meia (QUADRO 153). Nos centros históricos, quase chegam à centena: 30 em Portimão, 22 em Lagoa, 17 em Lagos, 14 em Silves e menos de dez em cada um dos restantes (QUADRO 153).

A paisagem envolvente completa a silhueta do espaço. Tem-na mais definida, se as fachadas dos edifícios que o ladeiam forem totalmente visíveis. Fica menos perceptível, se houver arvoredo em frente desses prédios, e torna-se cada vez menos clara, quando se lhe acrescentam mais elementos. Obras de arte, bancos, floreiras, papeleiras, repuxos, candeeiros, sinalética, vasos, marcos de correio, cabines telefónicas e até pilaretes, todos têm o seu papel a cumprir e cada um, a cada instante, tem oportunidade de demonstrar a sua utilidade. Correspondem, quase sempre, a anseios da população e revelam a preocupação da comunidade com a ordem, a higiene pública e o bem-estar. No entanto, esses mesmos elementos que valorizam o espaço público e o tornam mais perto das pessoas a quem pretendem servir tornam-se por sua vez obstáculo a quem não deseje usufruí-los e deles tenha de desviar-se no seu trajecto. Embelezam e dão harmonia à paisagem ou tornam-na menos agradável.

Alguns desses elementos podem contribuir para despertar o interesse em ir mais além, tentar descobrir o que está para lá. É importante que nenhum espaço, pela sua monotonia ou abandono, retire ao visitante a curiosidade em prosseguir: para que não se criem zonas estanques e para que todos possam beneficiar dessa incursão pelo aglomerado. Aos moradores, interessa que os vários percursos lhes sejam agradáveis, para que sintam prazer em diversificá-los, fugirem à rotina e ao “tédio de percorrer todos os dias as mesmas ruas” (CALVINO, 2006:91). O pavimento é, em vários aspectos, a base do espaço público. Corresponde-lhe totalmente, em planta, e é nele que assenta a quase totalidade dos vários outros elementos, fixos ou móveis. Podemos percorrer o espaço público com o olhar, mas, para irmos, de facto, de um lado para outro, temos que nos deslocar sobre o seu pavimento. Como elemento de maior

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contacto, deverá merecer muita atenção, não só nos materiais utilizados e na composição possível na sua colocação, mas principalmente na sua conservação.

A caracterização de um espaço resulta do seu suporte físico, da linguagem que a textura dos materiais utilizados exprime e da luz que revela a sua existência. O que de mais sensível o espaço público tem é a sua pele, o seu corpo (OLIVEIRA, Francisco, 2008:209). A luminosidade que envolve o Barlavento e todo o Algarve, o branco usado na pintura das fachadas como cor base – quando não a única – e a ainda frequente aplicação de calçada no pavimento dos espaços de circulação fazem com que os aglomerados urbanos desta sub-região gozem de um brilho que realça as suas qualidades. Ao mesmo tempo, torna mais visível qualquer nota dissonante. Nas aldeias há menos ruas com passeios do que nas cidades: nas primeiras, onde a maioria delas não os tem, das 371 ruas que apresentam passeios, 177 são em calçada; já nas cidades e vilas, de um total de 338 ruas com passeio, 302 também são de calçada, a maioria em pedra miúda e branca (QUADROS 060 e 061). Nas ruas dos centros históricos, as faixas de circulação são de alcatrão (176) ou de pedra de Monchique (143), mas há outras, pedonais ou de trânsito condicionado, com pavimento em calçada grada (141) ou miúda (74) (QUADRO 058). Nas aldeias, muitas artérias foram pavimentadas recentemente e receberam logo alcatrão (371). A pedra de Monchique (141) é igualmente usada, quase na totalidade das ruas de Alferce, Marmelete e Casais. Nas aldeias é também usada a calçada grada (88) (QUADRO 057).