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5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.23. Quarteirões, frentes, fachadas e vãos

Os trinta núcleos estudados correspondem, nas aldeias, à sua dimensão actual. Nos centros históricos – com excepção de Aljezur, que teve todo o seu crescimento na Igreja Nova, do outro lado da ribeira e da várzea – o seu tecido urbano é hoje muito maior e, nalguns casos, como Portimão e Albufeira, no final da primeira década do século XXI, abrangiam já alguns lugares até então periféricos (Anexos, Plantas: Perímetros urbanos das sedes de concelho). Não sabemos qual é a área mais antiga de cada localidade. Todas têm um conjunto de quarteirões com edifícios de características mais antigas, susceptíveis de nos darem uma ideia de como era a maioria das casas, tempos atrás. Dentre os 995 quarteirões existentes, foram seleccionados 217 com essas características, dos quais 96 nos centros históricos e 121 nas aldeias (QUADRO 039). Portelas e Sargaçal ficaram de fora desta pesquisa, porque as suas casas mais antigas estão dispostas em bolsas da via principal e formam becos em vez de quarteirões.

O núcleo antigo de Albufeira corresponde ao interior do antigo castelo e tem apenas 7 quarteirões; nas outras cidades e vilas oscila entre 11 e 15 o número de quarteirões seleccionados. Nas aldeias, foi escolhida uma média de seis (QUADRO 023), embora na Bordeira, que é pequena e aparenta ter sido construída quase toda na mesma época, fossem 12 os quarteirões estudados. Não foi estabelecida qualquer proporção entre a área do núcleo e a desta zona que pareceu ser mais antiga. Assim, para esta parte do estudo, cada localidade contribuiu com uma amostra tão representativa quanto possível e a comparação com a área restante ou com os outros

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núcleos não pretende ser rigorosa, destina-se apenas a dar uma ideia. Já quanto aos números totais, embora respeitem a localidades de dimensão e características diversas, pela sua quantidade, no conjunto serão uma amostra representativa.

Um quarteirão, tal como é visto principalmente nas cidades, tem um formato quase rectangular e fechado, por vezes penetrado por becos. Na periferia, ao incluir parcelas expectantes – e também logradouros mais amplos, principalmente em aldeias –, muitas vezes apresenta-se menos regular. Todavia, sempre “ocupa um espaço singular entre os elementos da morfologia urbana, com a particularidade de ter um lugar na concepção da cidade e de ser, ao mesmo tempo, escala de intermediação” (COSTA, João, 2013:123).

Os quarteirões referidos neste estudo incluíram não apenas parcelas com casas construídas à face da rua, mas também frentes apenas muradas e outras sem qualquer vedação (QUADROS 028 e 029). Esta última situação é própria de localidades implantadas em terrenos mais inclinados e onde, como acontece em Aljezur, o desnível é suficiente para impedir o acesso ao prédio. Mesmo nessas, na área considerada mais antiga, todas as frentes de quarteirão estão totalmente preenchidas com fachadas, ou alguns muros e, apenas na Bordeira, há uma situação não murada. Foi, aliás, a prevalência de casas com fachada a ocupar o exterior da parcela que permitiu definir uma zona mais antiga em cada núcleo, quer os prédios se encontrem habitados ou em ruína. Mesmo que vista apenas do lado de fora e sem conhecer até onde penetra no quarteirão, a parcela “surge como uma ferramenta importante na compreensão dos processos de formação, visto que permite a explicação do resultado morfológico actual”, no caso “reflectida na dimensão da frente do lote” e “acumulando, na sua forma, informações que reflectem os interesses individuais, próprios da época da sua formação” (LEITE, 2013:145-161).

Em cada rua, uma fachada corresponderá a uma parcela. O objecto deste estudo é o espaço público, mas com especial interesse pelo seu limite lateral, as fachadas. À partida, pouco importa se são alçados principais, laterais ou de traseiras; se o muro que surge entre fachadas é de jardim ou quintal; que outras mais frentes o lote possa ter para o espaço público. Sabe-se, desde logo, que um prédio de esquina tem alçados

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para duas ruas e, se uma fachada preencher toda a frente de quarteirão, então terá, pelo menos, três alçados exteriores. Por outro lado, um muro sem qualquer abertura corresponderá a uma parcela com entrada por outro lado. Assim, num quarteirão, o total de fachadas existentes – ou em falta – será sempre superior ao número de parcelas que o formam. Conhecidos a área e o perímetro exterior de um quarteirão, que são o que vai interferir na relação com o espaço público e afectar a circulação principalmente de peões, a quantidade de parcelas e a dimensão de cada uma acaba por reflectir-se na composição de cada frente de rua.

Nos quarteirões, da sua configuração exterior e do número de becos e recantos que incorporem, resulta maior ou menor número de frentes (QUADRO 036). O termo quarteirão – “é uma divisão de rua por uma, ou mais travessas; ou a massa de casas, que formam quatro faces cada uma para sua rua, fazendo um quadrado, ou um quadrilongo” (SILVA, Antonio, 1891:633) – induz a ideia de uma realidade quadrangular que nem sempre se verifica, umas vezes por irregularidade do terreno, outras porque o formato da parcela ou das parcelas associadas não o permitiram. Podemos encontrar alguns quarteirões com apenas três frentes, com quatro ou com mais. Entre as 943 frentes individualizadas nas zonas antigas, com apenas três frentes temos 26 quarteirões – 16 em aldeias e 10 em centros históricos – mas a maioria (93) tem quatro frentes; têm cinco ou mais, 58 quarteirões. Com excepção da Guia (média de 3,57 frentes por quarteirão) e de Almádena (3,83), em todas as restantes zonas antigas essa média é superior a quatro e, nas aldeias do concelho de Vila do Bispo, a cinco. A maioria (532) pertence a quarteirões com quatro lados (QUADRO 031), mas de formato, dimensão e distribuição quase sempre irregular. Apenas em Lagos e, de certo modo, em Portimão e Montes de Alvor, os quarteirões apresentam uma disposição próxima do ortogonal.

As frentes de quarteirão têm comprimentos diversos, oscilando principalmente entre os 20m e os 40m. Com menos de 10m (84) ou mais de 75m (69) são em menor número. As frentes menos extensas são próprias de terrenos mais acidentados – Monchique, Bordeira, Burgau, Hortas do Tabual –, onde algumas travessas, para melhor vencerem os desníveis das duas ruas que ligam, ziguezagueiam entre as casas

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(QUADRO 033). Nas aldeias, são mais as frentes com apenas duas fachadas (90); nos centros históricos, predominam as que apresentam seis ou sete (63) (QUADRO 032). As relações de vizinhança e o sentimento de segurança para quem passa dependem muito do número de vãos ao nível do solo existentes em cada frente de rua. Nas zonas antigas das aldeias a média de vãos por frente de quarteirão é de 7,2, muito abaixo da média nos centros históricos, que é de 10,5. Em Montes de Alvor (14) e Barão de São João (10,6) a média é superior à das cidades, enquanto Aljezur (4,4), com muitos muros meramente de suporte, devido às diferenças de cotas entre a frente e as traseiras dos prédios, tem média inferior à das aldeias (QUADRO 034).

Nos quarteirões que considerámos formarem a zona antiga de cada núcleo estudado, foram registadas 4576 frentes de parcela. Correspondem 2249 a casas térreas, 1386 a casas de dois pisos, 207 de três, 30 de quatro ou mais – as últimas apenas em centros históricos – e a 704 muros, ruínas ou espaços livres (QUADRO 045). Nas aldeias, os edifícios térreos são a maioria (1415), enquanto, nos centros históricos, predominam os de primeiro andar (834) ou de segundo (830). Em Albufeira, Portimão e Guia, a maioria dos prédios tem dois pisos. A altura das fachadas define a silhueta do espaço público e, pela exposição solar recebida, também condiciona a luminosidade ou a dimensão da sombra projectada sobre o pavimento e nos prédios fronteiros. No entanto, é a largura das várias parcelas (QUADRO 037) – ou seja, das fachadas que formam as frentes de quarteirão – que cria a diversidade de desenhos que tornam os espaços semelhantes ou os distingue.

Sem contar com a minoria de parcelas sem fachada (52), os vários prédios apresentam larguras diversas e não se encontra uma bitola para os edifícios construídos na zona mais antiga, quer dos centros históricos, quer das aldeias. É sabido que a largura dos edifícios era “frequentemente ditada pela racionalidade do vencimento do vão pelas vigas de madeira, uma vez que a partir de cerca de seis metros não era nem é fácil (menos ainda em conta) encontrar peças” e, por isso, era usado um “dimensionamento padrão”, entre os 15 palmos e os 30 (TRINDADE, 2013:78). Isso não impedia que a casa tivesse duas ou mais vezes a largura padrão e terá sido isso o habitual no Barlavento, pois é mínima a diferença entre o número de edifícios até 6 metros de largura e os que

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apresentam de 6 a 12 metros (1202-1146 nas aldeias e 915-810 nos centros históricos). Com mais de 12 metros de frente contam-se, respectivamente, 165 e 338.

No desenho das frentes, conta cada pormenor, desde a soleira e o soco, até à platibanda, quando a há, ao beiral e ao telhado. Não é possível fazer um estudo completo das fachadas apenas com parte delas, sem considerar todo o seu alçado. Todavia, mesmo antes de os edifícios serem construídos em altura – com vista à sua constituição em propriedade horizontal, numa sequência de pisos praticamente todos iguais –, já as divisões do primeiro andar e dos seguintes seguiam compartimentação idêntica à do rés-do chão, até porque os edifícios eram autoportantes, e uma parede teria de ser suportada pela do piso inferior. Nas casas mais antigas de 1º andar, sobre o vão das escadas havia muitas vezes o chamado “independente”, um cubículo que servia de pequeno quarto ou de escritório e, por cima da porta da rua, tinha uma janela. Em tudo o resto, a planta de um andar repetia-se nos seguintes. Por regra, cada vão corresponde a uma divisão do “primeiro tramo de assoalhadas e esse tramo pertence ao mesmo tempo à rua e ao edifício” (MONTEYS, 2013:193). O número e posição dos vãos repetem-se, embora o formato possa variar, com janelas de sacada no primeiro andar e de peito nos seguintes. Assim, na relação que se estabelece entre o público e o privado através dessa parede – a fachada do edifício – que serve de limite aos dois espaços, será suficiente conhecer a distribuição dos vãos no piso térreo. É certo que os pisos superiores têm maior número de janelas, e estas dão aos respectivos compartimentos a privacidade, o arejamento e a luminosidade que não dá uma porta, habitualmente fechada, para segurança dos moradores. Mas em causa está a análise do espaço público e, por isso, é o vão que poderá dar acesso ao interior do espaço privado que importa destacar.

Os vãos existentes no piso térreo dos edifícios e nas vedações destas zonas antigas são 8141 – referem-se a portas, portões e janelas –, dos quais 3817 nas aldeias, e 4324 nos centros históricos. São 3994 os de acesso aos prédios (1836-2158) e correspondem a quase metade do total (49,06%) (QUADRO 035). Isso não significa que a frente da maioria das casas seja constituída por uma porta e uma janela, porque inclui também muros e porque há situações em que a fachada corresponde a um

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armazém ou a uma garagem, apenas com porta; ao mesmo tempo, várias são as casas com mais de uma janela no rés-do-chão.

Nas aldeias, onde é elevado o número de muros, são muitas as parcelas sem qualquer vão para a via pública (532 = 21,42%) e mais ainda as que têm um só vão (846 = 34,03%). Nos centros históricos esses valores são mais baixos (265 = 12,99% e 502 = 24,60%). As fachadas com 2 e com 3 vãos são pouco menos nas aldeias (524 e 408) do que nos centros históricos – 578 e 388 (QUADRO 040). A maioria das frentes de parcela tem uma só entrada, seja porta (2195 = 66,71%) ou portão (468 = 14,22%). Com duas portas são 382 frentes (11,61%) e, com mais de dois acessos, são muito menos (QUADRO 041). Prédios em que o acesso é recuado em relação à rua são poucos (101 = 3,06%). Frentes sem qualquer acesso são 1366 e a maioria corresponde a muros (795). Paredes e muros só com janela e sem qualquer vão de acesso ao prédio contam-se em 297 com uma janela, 158 com duas e 93 com três ou mais (QUADRO 042).

São, no entanto, as fachadas com vãos que mais interessam, por permitirem a passagem entre o espaço público e o privado, se bem que todas as outras contribuam também para a composição dos espaços. Com porta ou com portas e janelas temos um total de 2510 alçados – Vale de Boi contém o mínimo deles (14) e Portimão apresenta o máximo (220) – que se agrupam em mais de dezena e meia de composições diversas. Pela frequência com que se repetem, podem ajudar a encontrar os seis tipos principais de fachadas dos edifícios do Barlavento (QUADROS 043 e 044). O que regista maior número corresponde a casas com uma única porta ou portão (666 = 30,97%). Incluem- se neste grupo os armazéns, alguns transformados em garagem, mas também muitas habitações. Estas têm quase sempre uma porta com postigo, para dar luz e arejamento à casa de fora. Quando têm outros compartimentos, o dos fundos, geralmente a cozinha, dá para um quintal ou um saguão.

Logo a seguir, em quantidade, aparecem as casas com dois vãos, uma porta e uma janela: as que têm a porta à direita (412 = 16,41%) superam um pouco as que mostram porta à esquerda (360 = 14,34%). Surgem em seguida as casas com uma porta e duas janelas, em maior número as que têm porta ao meio (364 = 14,50%) e em

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muito menor com a porta à esquerda (62 = 2,47%) ou à direita (56 = 2,23%). Por fim, temos as fachadas com duas portas e uma janela: com janela ao meio 78 (= 3,10%), à esquerda 34 (= 1,35%) ou à direita 32 (= 1,27%). Em Barão de São João (26), Montes de Alvor (25), Figueira de Portimão (16), Barão de S. Miguel (14), Burgau (18) e na Figueira do Cabo (15), o conjunto janela-porta-janela é o que aparece em maior número. As composições janela-porta prevalecem na Guia (17), em Casais (15), Budens (15), Albufeira (29), Lagoa (21), Monchique (14), Portimão (25), Silves (51) e Vila do Bispo (33); e a sequência porta-janela predomina em Paderne (18), Raposeira (17), Aljezur (12) e Lagos (42). A posição da porta terá sido pouco influenciada pelo gosto do proprietário da casa ou pela posição relativa com outras vizinhas, mas mais com o declive da rua. Geralmente, para evitar escavar o solo ou meter degraus no interior da moradia, é escolhida para a soleira da porta a cota mais alta da parcela em que a casa vai ser construída. Outras vezes, como aconteceu em Lagos, na Rua da Porta da Vila, num extremo da cidade, as portas estão na cota mais baixa, por ser do lado de onde se vem para chegar a casa.

Fazemos agora breve referência aos materiais e cores usados no revestimento das fachadas. O azulejo não tem sido habitual (23): quase só foi encontrado em Portimão (14). A pedra (30) e o reboco (41) também revestem poucos edifícios. Já não são muitos os edifícios caiados, mas continua a ser o branco a cor predominante nas fachadas: 2122 (85,53%) nas aldeias e 1598 (78,25%) nos centros históricos. O amarelo tem alguma preferência em Silves (60 = 17,80%), Portimão (49 = 16,22%) e Monchique (39 = 15,11%), embora, no total, não vá além dos 7,88%. O verde (74) e o rosa (42) também são usados, mais nos centros históricos mas com pouca expressão (QUADRO 038).

Pela reunião dos dados recolhidos nos quarteirões correspondentes às zonas antigas estudadas, sem querer concluir sobre as características da casa típica do Barlavento, mas apenas resumir os tipos de fachadas encontrados em maior número, teremos:

As aldeias, em parcelas de 4 a 7 metros de frente, preferem edifícios de um piso, pintados de branco e com uma porta ao meio e duas janelas, uma de cada lado.

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Os centros históricos, em parcelas de 4 a 6 metros, privilegiam edifícios de um ou dois pisos, pintados de branco e com apenas uma porta e uma janela. Mas, por haver nos centros históricos mais prédios com frentes maiores – 338 com mais de 12m = 16,38%, enquanto as aldeias se quedam apenas 165 = 6,56% –, a média das larguras das parcelas é aí maior (8,02m) do que nas aldeias (6,67m).

Nos quarteirões das zonas mais antigas, seja nas aldeias, nas vilas ou nas cidades, a dimensão das parcelas corresponde, na maior parte dos casos, à divisão máxima possível, por a propriedade se encontrar mais dividida. Apesar de tudo, nas aldeias há maior equilíbrio na divisão parcelar, quer na largura da frente com a via pública, quer na compartimentação.

Na aldeia, a casa era construída pelo próprio, que a usava para sua habitação e para guardar os seus haveres, pelo que procurava dotá-la de um mínimo de qualidade. Poucas seriam as moradias dos senhores rurais e menos ainda as do pessoal agrícola, que dormia nas propriedades onde trabalhava.

Na cidade, ao lado das casas senhoriais, foram construídas ou adaptadas outras de pequena dimensão que, mediante o pagamento de uma renda, passaram a albergar famílias operárias, de pescadores e de assalariados rurais. Mesmo as que, com o tempo, foram adquiridas pelos inquilinos ou por terceiros, apenas puderam crescer em altura. Por essa razão, pouco se altera a largura de cada parcela e, por imposição dos regulamentos sobre edificação, também a configuração das fachadas, principalmente nos centros históricos.

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