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5 – O Espaço Público 5.1 Dimensão morfológica

5.12. Tecido urbano, elementos e valorização

Seja qual for a porção de território que se pretenda analisar, uma questão que se coloca será saber se se trata de espaço público ou espaço privado ou se o público e o

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privado coexistem e em que proporção. Em termos legais e regulamentares, o seu estudo, aproveitamento, ocupação e utilização têm regras e tratamentos diferentes e, conscientemente ou por simples tradição, o nosso comportamento também é diverso consoante é público ou é privado o espaço em que nos encontramos.

Com o desenvolvimento da actividade turística e a necessidade de facultar aos visitantes outras formas de alojamento, além dos hotéis, pensões, moradias ou simples quartos, que era toda a diversidade possível até aos anos sessenta do século XX, surgiram no Algarve novos aglomerados urbanos, destinados quase exclusivamente a residência de férias, genericamente designados por aldeamentos turísticos. Alguns localizam-se em zonas ainda isoladas. Outros ocuparam áreas de expansão de outros aglomerados urbanos e ficaram, por fim, nelas integrados. Muitos destes conjuntos habitacionais turísticos constituem unidades fechadas, de acesso limitado aos seus condóminos e a clientes, e têm gestão privada. Embora menos, há também aldeamentos que acabam por assumir-se como bairros e o seu acesso é livre, após a entrega das infra-estruturas e de algum equipamento ao município. É ainda possível a celebração de acordos de cooperação ou contratos de concessão (RJUE: art. 46) destinados a que os próprios moradores assegurem principalmente a limpeza e vigilância dessas zonas.

Embora alguns destes novos loteamentos e urbanizações tomem o nome de “Aldeia”, pouco os equipara às aldeias tradicionais. Estão sujeitos a apertada rede regulamentar, que, na ocupação do solo e na construção dos edifícios, quase não permite desvios ao projecto-tipo inicial, razão pela qual, desde logo, estes novos aglomerados ficaram fora deste estudo. No entanto, têm já uma história e um percurso para contar. Mas diferem das aldeias que nasceram e cresceram como somatório de vontades isoladas e do diferente gosto ou necessidade de cada morador, que mantêm ainda laços de vizinhança e, quase sempre, uma raiz e um sentimento comum.

Um aglomerado urbano poderá ter começado, tanto por uma construção dentro de um território privado, a que se acrescentaram outras, como podem também erguer-se as primeiras casas em território já do domínio público. Nas duas situações,

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as várias construções foram adquiridas por diferentes privados e só as vias de acesso, e diversos espaços entre o edificado, se integraram ou permaneceram no domínio público. Quer tenha sido planeado, quer tenha crescido em resultado do somatório de interesses particulares, todo o aglomerado urbano acaba por se tornar num todo indissociável de público e de privado, formado por uma trama de cheios e de vazios que são os quarteirões e os espaços de circulação e de convívio.

Quase todos os centros históricos e aldeias do Barlavento são suficientemente antigos e, por terem sofrido diversos processos de sedimentação, parte do seu traçado difere do inicial. Os hábitos de urbanização e de construção usados na época em que mais se consolidou ou desenvolveu cada aglomerado contribuem também para a definição do seu tecido urbano. Não é, porém, a sua evolução o objecto do nosso estudo, importa sim debruçarmo-nos sobre o actual espaço público de cada aglomerado.

O conceito de tecido urbano corresponde a uma realidade necessariamente mutável. Com o tempo, os hábitos e as necessidades da população alteram-se, algumas construções perdem sua utilidade e degradam-se. Novas áreas urbanizadas, que envolvem o núcleo inicial, exercem sobre ele uma influência nunca antes imaginada, motivam algumas alterações e, progressivamente, mudam a fisionomia do aglomerado. O tecido urbano fica diferente: umas vezes mais apertado, com a ocupação dos espaços desde logo previstos para construção ou com a instalação de novos equipamentos no espaço público; outras, mais aberto, realçado com a criação de novas vias ou, ainda, com a não reconstrução em parcelas ou quarteirões entretanto desocupados, que passam a integrar o domínio público e ficam disponíveis a toda a população. Em ambos os casos, é visível essa alteração do tecido urbano, pois há elementos que permanecem e dão testemunho do passado não muito distante.

Com poucas excepções, em todas as épocas, todos somos avessos à mudança. Trata-se de uma reacção natural, que tem a sua relação próxima com o espírito de sobrevivência, com o apego a tudo o que nos tem servido e a que nos habituámos. Assim, aquilo que gerações anteriores lutaram para que não fosse construído – então com o argumento de que iria destruir ou alterar a paisagem de que tanto gostavam e

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que, na altura, só o interesse de uns quantos levou por diante –, são agora as presentes gerações que o defendem tal como está, pois a isso se habituaram e tentam evitar nova mudança. Os novos estudos e projectos são por vezes entregues a equipas não residentes. Preocupadas apenas em cumprir os objectivos constantes do plano em que os trabalhos se integram e sem qualquer compromisso ou influência do sentimento geral dos moradores, essas equipas estão mais libertas para levar esses projectos por diante. Se quem legalmente representa os interesses locais aprovou a intervenção, caberá a cada equipa contratada executá-la com o rigor a que profissionalmente está vinculada.

Há, porém, alguns elementos que, ou porque se acham já classificados ou porque tradicionalmente todos os aceitam como de interesse local, são incluídos ou até apontados como de grande importância na reabilitação pretendida. Com isso, ganham uma maior visibilidade e então o passado e o presente conseguem uma coabitação harmoniosa ou, pelo menos, bem aceite pela população. Outras vezes, com a destruição de alguns edifícios ou de certos elementos entretanto acrescentados, é possível voltar a pôr a descoberto vestígios de épocas bem mais recuadas.

Esta preocupação de preservar e dar visibilidade a pormenores de épocas passadas é quase sempre realçada pelo poder autárquico, com a colocação de uma placa esclarecedora junto desse elemento e, muitas vezes, também reforçada pela toponímia. Principalmente nos centros históricos, alguns municípios têm procurado manter a memória do que já não existe e atestar com isso a sua antiguidade. O poço, a fonte, o forno, a escola, o hospital – todos na altura de pequena dimensão, quando comparados com os equipamentos de hoje – foram então importantes pontos de interesse e, à sua volta, desenvolveu-se grande parte da vida local. Por isso, mesmo que fisicamente deles já nada reste, a sua memória é bastante para justificar que permaneçam na toponímia e em placas alusivas (QUADRO 054). Nas aldeias, embora alguns estejam desactivados, quase todos esses elementos ainda existem e continuam a ser de grande importância para a caracterização da ruralidade que essas localidades conservam e as tornam mais atractivas.

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A relação assumida entre espaços livres e construídos e o traçado da rede viária mostram, em planta, a malha urbana que daí resulta. Áreas planas e a proximidade da linha da costa, de um curso de água ou até de uma linha férrea facilitam a malha ortogonal (SALGUEIRO, 1999:216), de que Portimão é exemplo. As zonas mais baixas de Lagos e de Silves também beneficiaram desse contacto com o curso de água. Na zona sul de Lagoa e em Montes de Alvor foi o facto de serem planas que teve influência. Os restantes aglomerados não apresentam traçado ortogonal. As antigas muralhas de Albufeira, com a configuração do morro em que se ergueram, moldaram a malha do seu casario interior, mas já não do exterior, a cotas muito mais baixas. Igrejas e palácios, que haviam sido edificados fora de portas, ajudaram a preservar as actuais praças em que hoje se inserem e que adquiriram forma muito depois: Praças 1º de Dezembro e 1º de Maio, frente a palacetes, e Praça da República, com sua igreja, em Portimão; Praça Gil Eanes com os antigos Paços do Concelho, e Praça Infante D. Henrique, entre uma igreja e a actual Messe Militar, em Lagos; a Praça do Município, em Silves; e os Largos dos Combatentes e Miguel Bombarda, entre a Igreja Matriz e os antigos Paços do Concelho, em Lagoa. De menor dimensão, o Adro da Igreja, em Alferce; e os largos da Igreja em Monchique, S. Marcos da Serra, Budens e Raposeira são também pontos de convergência. A igreja de Barão de S. João justificou igualmente o arranjo que a rua em frente recebeu. Em Burgau, na Figueira (de Portimão) e no Sargaçal, as suas igrejas, construídas na segunda metade do século XX, foram integrar e justificar complexos habitacionais e de serviços sociais, com espaços verdes, criados na mesma altura.

O monumento é outro elemento morfológico cuja presença é determinante na imagem da cidade, pela sua presença, configuração, posicionamento e significado (LAMAS, 1993:102). Desde 1964, o conceito de monumento, em termos históricos, passou a englobar também os sítios, urbanos ou rurais, que sejam testemunho de uma civilização ou de um acontecimento e “tenham adquirido significado cultural com o passar do tempo” (Carta de Veneza). Não parece que, após todas as transformações de que têm sido alvo, para se ajustarem às necessidades de cada época, os centros históricos e as aldeias do Barlavento mantenham ainda um conjunto edificado

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primitivo e com valor monumental. Restam-lhe alguns edifícios – a Sé, em Silves; Igreja de Santo António, em Lagos; Convento de S. José, em Lagoa – com mais interesse, por si e pela história que encerram, e os elementos recentes espalhados por algumas praças. Será o caso da estátua em mármore “a El-Rei D. Sebastião”, de João Cutileiro, inaugurada em 1973, em Lagos, “uma notável obra da estatuária contemporânea – não só em Portugal” (FRANÇA, 1973:44), a primeira que ousou quebrar com o academismo e o estilo comum usados em estátuas comemorativas, desde 1928.

O jardim, o canteiro, a árvore e toda a presença verde, mesmo quando atraem poucas pessoas para descansarem em sua companhia, transmitem uma imagem de tranquilidade e organização, que valoriza e pode identificar o meio urbano em que se inserem. Elemento importante no desenho do espaço público e na composição do tecido urbano, o espaço verde ajuda a definir e conter outros espaços (LAMAS, 1993:106) e a estruturar outros elementos que geralmente lhe estão associados: bancos, repuxos, papeleiras e demais mobiliário urbano, postos ao serviço de quem passa (QUADROS 124-125 e 127).