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4 – Centros Históricos

4.6. Intervenção na cidade existente

Sem ter como objectivo recuar na história de cada localidade e tentar descobrir como foi, mas sim encontrá-la como é agora, o presente estudo considerou como centro histórico um espaço bastante mais vasto do que costuma ser apontado, quer por tradição, quer pelos órgãos municipais. Foi tomada em consideração toda a área territorial ocupada há cerca de oitenta anos, quando havia ainda relativa possibilidade de se construir livremente, de que resultou um crescimento quase natural.

Todas as novas edificações, quer num conjunto urbano acabado de nascer, quer em novas áreas que lhe dão continuidade, estão desde logo destinadas a vir, um dia, a tornar-se também elas antigas. Os novos tipos de material, a nova arquitectura adoptada e também os destinos que foram pela primeira vez dados a algumas dessas novas construções, com o tempo, haveriam de tornar-se normais, depois tradicionais e, por fim, ultrapassados, ainda que continuassem a ser-lhes reconhecidas algumas vantagens e qualidades. Diversas razões, umas económicas, outras sentimentais, de possibilidade ou de necessidade, casuais ou planeadas, por iniciativa particular ou no interesse colectivo, levam à modificação ou à preservação de cada parcela do território. Aquilo que é natural e válido num momento poderá deixar de o ser em momento seguinte. Por não ser construída toda de uma só vez ou porque ao projecto inicial se sucedem novos projectos, uma cidade acaba por comportar, em si mesma, todo o saber de várias gerações. Por isso, representa o mais valioso compêndio de boas e menos boas práticas, onde os seus actuais moradores poderão encontrar valiosos ensinamentos para projectos futuros.

Sem os designar por centros históricos, o legislador (DL 426/89) realçou a importância de que hoje se revestem os centros urbanos antigos e definiu-os como “conjuntos urbanos com interesse histórico cuja homogeneidade permite considerá- los como representativos de valores culturais, nomeadamente históricos, arquitectónicos, urbanísticos ou simplesmente afectivos, cuja memória importa preservar, competindo às câmaras municipais a sua identificação, após parecer das entidades com competências específicas nas áreas que concorrem para a sua

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qualificação e delimitação”. A partir de então, mais ainda os municípios passaram a ter atenção especial sobre as parcelas mais antigas, a classificar imóveis com relevância local e a demarcar os quarteirões em que as possibilidades de intervenção deveriam ser controladas, para preservar os valores que todo esse conjunto encerra.

A intervenção num centro histórico “tanto pode consistir em reactivar algo que já exista, mas que tendo deixado de estar integrado nas práticas quotidianas é redescoberto para novas funções (uma segunda vida), como manifestar-se através de operações de invenção e de encenação de uma singularidade e de uma continuidade” (Lowenthal, 1989 cit. PEIXOTO, 2003:214). Outras vezes, “um certo grau de inércia, baseado no princípio de que é preciso morrer para nascer de novo, afigura-se mesmo como necessário para que a revivificação seja bem sucedida“ (PEIXOTO, 2003:214). É mais fácil intervir num espaço degradado e abandonado, por se aceitar que tudo é melhor do que mantê-lo a desfear o resto da cidade e a aumentar a insegurança que os espaços pouco habitados motivam. Já numa zona viva, com moradores, comércio e actividades várias, ainda que nela persistam diversas carências, a mudança raramente é bem recebida, quer porque a população já se habituara às vantagens e às limitações inerentes, quer porque as obras de remodelação sempre se prolongam para além do agendado e, durante todo esse tempo, a situação fica pior do que estava.

Como ente vivo que é, uma cidade precisa de acompanhar algumas modas e assim sentir-se integrada no seu tempo. Por um lado, gosta de manter e exibir alguns pergaminhos, de poder atestar, na história, em monumentos e em edificações, um passado se possível longínquo e recheado de glória, o seu contributo para o desenvolvimento da região e do país. Por outro, quer mostrar que está a par da evolução social e tecnológica, dos avanços da cultura e da ciência, que desempenha um papel dinâmico na educação e ensino das gerações mais novas, que é exemplo entre as congéneres. Já passou o tempo em que o sol e a praia bastavam para o Algarve atrair como destino de férias. O comércio tradicional moderniza-se ou dá lugar a estabelecimentos de marcas internacionais, que trazem para o interior das cidades as mais recentes técnicas de decoração e publicidade. Dá-se o embelezamento das

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fachadas e as autarquias contribuem para a dinâmica promocional com a realização de eventos atractivos, numa tentativa de conciliar o tradicional com o festivo.

As cidades envolvem-se em projectos que criam uma cultura urbana e procuram o usufruto quotidiano do espaço público, aliado a actividades de natureza lúdica. Os centros históricos, como palco privilegiado desta nova política urbana, passam a ser encarados como equipamentos culturais (PEIXOTO, 2003:219). É necessário que esta revitalização das áreas centrais ocorra sem as destruir. A reutilização de edifícios antigos que perderam o seu uso anterior e a conservação dos quarteirões com a modernização das casas e dos locais de comércio e artesanato, considerados como património com valor económico e social (PORTAS, 2005:157), têm merecido a atenção das autarquias e, postas em evidência nos circuitos turísticos, contribuem para manter vivos esses espaços.

Em Aljezur, Lagos e Albufeira, os edifícios onde haviam funcionado os Paços do Concelho, antes da sua transferência para novas instalações na periferia, passaram a ser utilizados como museu, espaço de exposições e centro de documentação; mantêm- se, portanto, ao serviço da população e atraem visitantes. Em Vila do Bispo, o edifício do antigo mercado municipal passou a albergar um centro de interpretação. Em Portimão, a antiga residência de Manuel Teixeira Gomes tornou-se arquivo histórico e passou a receber exposições, palestras e recitais; e o interior do palacete onde funcionara o tribunal foi adaptado a teatro. Em Albufeira, a antiga central eléctrica tornou-se galeria de arte municipal. Em Lagoa, o edifício do depósito da água passou a biblioteca e arquivo, e o Convento de S. José acolhe exposições nas suas celas e no claustro; passou também a ter espaço para encontros e espectáculos. Em Silves, o matadouro desactivado deu lugar à Casa da Cultura Islâmica e Mediterrânica. No que respeita a Monchique, a Ermida de Santo António, que perdera o seu uso religioso no séc. XIX, é hoje espaço de exposições.

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