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2.9 Plano diretor

2.9.1 Concepção tradicional – breves considerações

A idéia de um plano geral urbanístico para o município chega ao Brasil na década de 1930, pelas mãos do urbanista francês Alfred Agache, contratado em 1927 para elaborar um plano de remodelação e embelezamento da cidade do Rio de Janeiro, entregue em 1930. Agache tratou da função urbana da cidade, abordando a importância de uma reorganização geral dos transportes, da legislação e dos regulamentos, das questões viárias, como elementos funcionais do plano diretor. O plano Agache buscava, também, embelezar a cidade do Rio de Janeiro e criava diversas regras para as edificações e para a ocupação ordenada dos espaços, separando áreas para moradia, comércio ou indústrias. Por essa época, surgem ainda os primeiros regulamentos para a construção de prédios, pois a nova tecnologia do concreto armado começava a ser utilizada no Brasil.

O primeiro grande código de obras, que reunia todas as regras para construções e ocupação da cidade, foi editado a partir desse plano, em 1937 e, ainda hoje, influencia a legislação urbanística nacional.

Para a cidade de São Paulo, Francisco Prestes Maia, engenheiro civil e arquiteto, promoveu a criação de conjuntos urbanísticos, a canalização de córregos, construiu o Monumento do Ipiranga e foi encarregado de traçar um plano de avenidas para remediar o já caótico sistema viário da cidade.

Prestes Maia publicou, em 1930, o resultado de seu trabalho e foi além do que lhe pediram, realizando um estudo amplo, englobando a legislação em vigor comparada à de outros países, expropriações, recursos financeiros necessários, vantagens e inconvenientes dos diversos meios de transportes coletivos existentes no mundo (ferrovias, bondes, ônibus, metrôs).

Os planos Agache e Prestes Maia, todavia, não foram exitosos em suas realizações, pelo distanciamento entre suas propostas e a realidade das administrações públicas. Os superplanos, criados a partir dos Agache e Prestes Maia, nas décadas de 1960 e 1970, passaram a tratar do urbanismo e, também, de educação, saúde, habitação, cultura, esportes, segurança pública, limpeza, evidenciando a amplitude de um tratado dessa natureza, devido a sua destinação.

Nasceu, então, no Brasil, a institucionalização do planejamento urbano nas administrações municipais, a partir da década de 1970, a fim de promover o desenvolvimento integrado e equilibrado das cidades. Os chamados planos de desenvolvimento urbano, planos de

desenvolvimento integrado ou mesmo planos diretores constituíam apenas um documento

para subsidiar pedidos de recursos federais para investimentos e realização de programas setoriais dos municípios.

Esses planos, como ação de governos municipais, poderiam, ou não, ser executados e, mais, mostravam-se planejamentos para negociação, nos quais “os problemas e potencialidades locais e regionais não são contemplados dentro dos objetivos nacionais de desenvolvimento” (HADDAD, 1980, p. 38-40). Não havia uma vinculação das leis de produção, uso e apropriação do território urbano aos planos municipais, pois eram embasadas em uma concepção estática do processo urbano e em um desenho das cidades, definido e traçado dentro de parâmetros rígidos.

Imaginava-se uma cidade ideal, sempre para o futuro, que, por meio do plano diretor de desenvolvimento integrado, seria construída ano a ano até o produto final – a cidade desejada

–, como se a cidade estivesse eternamente doente e sua cura dependesse de um planejamento do espaço físico e investimentos públicos, consubstanciados na lei.

O Poder público municipal tinha a responsabilidade de executar o plano de acordo com o modelo adotado, que sofria injunções advindas dos interesses especulativos imobiliários, o que reforçou, ainda mais, a desigualdade na cidade. Maior ou menor permissividade do uso do solo, reforçando excessiva concentração em determinadas áreas, centrais ou não, mas sempre ligadas aos interesses de valorização dessas localidades, não era incomum.

O instrumento para a prática do planejamento era o zoneamento, uma divisão do território urbanizado, ou a ser urbanizado, em zonas diferenciadas, com parâmetros, uso e ocupações específicos, sempre com base no modelo de cidade ideal, manifestado em índices de aproveitamento, taxas de ocupação, tamanho mínimo de lotes, dentre outros fatores.

Notou-se, mediante a aplicação desse tipo de zoneamento, que houve um tratamento desigual dos espaços urbanos e na sua ocupação: áreas com características físicas, urbanísticas e de infra-estrutura similares, mas com possibilidades de adensamento populacional distintas, e áreas com igual potencial de desenvolvimento econômico, mas com usos diversos do solo, em razão das diferenciações de parâmetros por zona.

A adoção de padrões urbanísticos muito exigentes e complexos prejudicou a concretização da legislação urbanística, que já não facilitava o trabalho, por trazer uma visão tecnocrática da cidade, visando estabelecer padrões satisfatórios de qualidade para o seu funcionamento, desprezando os conflitos e a desigualdade de renda, sua influência e repercussão sobre o mercado imobiliário e os serviços urbanos básicos.

A análise da situação real das cidades não era o foco e, por isso, o planejamento urbano produzido nos gabinetes municipais, dentro da visão centralizada e técnica que o dominava, provocou um desalinhamento nas administrações, que tinham planos fundados em padrões e diretrizes de uma cidade racionalmente produzida, mas que negociavam o seu destino diário com os interesses econômicos, locais e corporativos. As cidades, então, foram se fazendo entre um espaço regulamentado pela legislação urbanística e outro, sempre maior, situado na fronteira da legalidade. O planejamento observava a técnica e era dissociado da gestão, que estava ligada aos interesses políticos.

A discussão acerca do interesse político em elaborar e executar um planejamento adequado às cidades como um todo evidencia a incapacidade de se produzirem cidades equilibradas, justas e dirigidas ao homem, que, repita-se, é o porquê de sua existência.

É necessário um novo olhar sobre o planejamento urbano e o plano para a sua aplicabilidade e, também, sobre a cidade, a fim de que o plano diretor seja um projeto inacabado, como as necessidades e as aspirações de vida, sempre dinâmicas, para que não se tenha a mais notável das utopias: uma cidade acabada, que, todavia, nunca o será em face de nela habitar o ser humano, a mais inacabada das criaturas. O plano diretor não pode ser estático; deve ser modificado sempre que necessário, para que a cidade atenda ao cidadão. A redemocratização brasileira (1985) aprofundou a incoerência e trouxe à baila discussões sobre a autonomia municipal e a gestão democrática das cidades. Com isso, durante o processo constituinte, ocorrido no final dos anos 1980, foi estabelecido um novo paradigma para a legislação urbanística.