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Direito de propriedade como elemento do Estado Democrático de Direito

A configuração do Estado Democrático de Direito não significa unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito. É necessária a criação de um conceito novo, que leve em conta os conceitos, e os supere, realizando a democracia em uma sociedade livre, justa e solidária, em que o poder emana do povo e deve ser exercido em seu proveito.

Canotilho (2003, p. 231) leciona que o “direito é o direito interno do Estado; o poder democrático é o poder do povo que reside no território do Estado ou pertence ao Estado” e que o:

Estado constitucional democrático de direito tal como se sedimentou a partir da modernidade política é um ponto de partida e nunca um ponto de chegada. Como ponto de partida constitui uma tecnologia jurídico-política razoável para estruturar uma ordem de segurança e paz jurídicas. (Grifos do autor) (CANOTILHO, 2003, p. 233).

Esse Estado deve promover a justiça social. Nesse sentido, mostra-se a importância do artigo 1° da Constituição brasileira de 1988, ao afirmar que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito. Confirma-se, desse modo, que não se trata de promessa de organização desse Estado, pois a Carta Magna o proclama e cria, com os

fundamentos de soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.

A Constituição de 1988 anota perspectivas de realização dos direitos individuais e sociais, com vistas à concretização da cidadania, possibilitando a realização da justiça social e, por conseguinte, um Estado fundado na dignidade da pessoa humana.

Não se pode, pois, ter um Estado Democrático de Direito subordinado ao império de leis que não realizem os princípios da igualdade e da justiça, pela busca da isonomia de condições dos socialmente desiguais.

Quando a Constituição de 1988 acolheu as transformações políticas, econômicas e sociais, a ênfase à função social da propriedade não poderia deixar de compor o texto, pois, afinal é inconcebível a existência de direitos exercidos em detrimento do bem comum.

A conversão da função social da propriedade em norma constitucional atendeu a uma necessidade e significa a consagração de um direito. A Constituição demonstra, com lógica e juridicidade, que “Desde que o homem sentiu a existência do direito, começou a converter em leis as necessidades sociais.” (Grifo do autor) (ALTAVILA, 1997, p. 13), já que o destinatário da Lei Magna é o cidadão.

Ao garantir o direito de propriedade, a Constituição o condicionou à realização de sua função social, publicizando o seu exercício e, só desse modo, garantindo a sua proteção, como bem observou Silva (2007), “o regime jurídico da propriedade tem seu fundamento na Constituição. Esta garante o direito de propriedade, desde que atenda à sua função social.” (SILVA, 2007, p, 72). O Estado Democrático de Direito pressupõe a realização dos direitos individuais, dentre os quais se insere a garantia do direito de propriedade ligado ao cumprimento da sua função social, que atua como critério para determinação dos limites de proteção, oferecidos pelo direito.

A garantia do exercício dos direitos coletivos (sociais, econômicos e culturais) é condição para o exercício dos direitos individuais. Por isso, está correta a inferência de que o direito à propriedade que cumpre a sua função social tem um caráter instrumental, em relação ao direito de propriedade individual. O cumprimento da função social possibilita a existência do direito de propriedade individual, fundamental ao exercício pleno da liberdade humana, e deve ser acessível a todos.

A Constituição Federal de 1988, como conseqüência da utilização da propriedade sem observar a sua função social, autoriza a desapropriação, mediante pagamento com títulos da dívida pública, cujo prazo de resgate é de até 10 anos (§ 4º, III, artigo 182, CF/1988).

Embora a constitucionalização do direito de propriedade e a exigência do cumprimento da função social a ele pertinente sejam uma realidade, são encontrados posicionamentos jurídicos, atribuindo ao direito civil a tarefa de normatizar o direito de propriedade. O que se admite é a norma infraconstitucional complementar. A lei ordinária pode fixar o conteúdo do direito de propriedade, assegurado constitucionalmente pelo artigo 5º, XXII.

São essas as razões de se encontrar no direito privado a afirmação de que o proprietário pode usar, gozar e dispor de seus bens (artigo 1.228 do Código Civil). Todavia, o regime jurídico da propriedade privada não está subordinado, exclusivamente, ao direito civil, pois,

desde a vigência da atual Constituição, normas de direito público, especialmente de direito constitucional, disciplinam o direito de propriedade. É comum se dizer que o direito privado passou a ter natureza pública quanto ao direito de propriedade privada.

As profundas transformações impostas pela Constituição Federal em vigor, e “impostas às relações de propriedade privada, sujeita, hoje, à estreita disciplina de direito público, que tem sua sede fundamental nas normas constitucionais.” (SILVA, 2007, p. 118), alcançaram as normas civis, que não mais cuidam, com exclusividade, da propriedade particular, compartilhando essa tarefa com a CF/1988, uma vez que o regime jurídico da propriedade privada não está subordinado, unicamente, ao direito civil.

A Constituição Federal de 1988 evoluiu “da propriedade-direito para a propriedade- função” (MEIRELLES, 2005, p. 28). A inserção do direito de propriedade e da sua função social como princípios constitucionais da ordem econômica, tal como prevê o artigo 170, II e III, além de relativizar o conceito de propriedade, subjugando-o aos ditames da justiça social, firmou a compreensão de que, embora tida como direito individual, a propriedade não poderá assim ser considerada, haja vista a realização do fim previsto pela ordem econômica: assegurar a todos existência digna.

Com a consagração da função social, como exigência da utilização da propriedade, a Constituição Federal em vigor reafirma essa propriedade como um direito fundamental, e, pois, um elemento do Estado Democrático de Direito, que só se realiza com o cumprimento dos direitos e garantias fundamentais.

O respeito aos princípios fundamentais da Constituição Federal em vigor é uma exigência da democracia para que sejam preservados os fundamentos do Estado de Direito, instituído para assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem– estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna.

Por isso, o pleno exercício do direito de propriedade integra e consolida o Estado Democrático de Direito, na medida em que, atendida a função social da terra, respeitam-se os princípios fundamentais da República.