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A função social da cidade pressupõe um lugar geográfico, mas, também o espaço destinado ao homem no seu cotidiano, com condições necessárias para fruir os seus direitos civis e políticos e cumprir suas obrigações de cidadão. A função social da propriedade urbana significa o seu exercício direcionado ao interesse geral, conciliando o interesse particular, cujo caráter não é absoluto, em face da Constituição Federal de 1988.

A política urbana, como conjunto de ações municipais legais interventivas no espaço urbano, na forma do artigo 2°53 da Lei nº. 10.257/2001 – Estatuto da Cidade - tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante diversas diretrizes gerais contidas nos 16 incisos que as normatizam e que são:

I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à

moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações; - o Estatuto reconhece

e qualifica o direito às cidades sustentáveis, como um dos direitos fundamentais da pessoa humana, incluído no conjunto dos direitos humanos, pois a Constituição brasileira de 1988, no § 2° do artigo 5°, informa que os direitos e garantias nela expressos não excluem outros, decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

A expressão cidades sustentáveis é nova na legislação brasileira e tem sua inspiração na locução desenvolvimento sustentável, que respeita os limites ecológicos do planeta, com utilização adequada dos recursos ambientais para satisfação das necessidades presentes sem sacrifício das gerações futuras, sobrelevando o sentido da solidariedade.

O direito às cidades sustentáveis se enquadra na categoria dos direitos difusos e a sua realização cumpre o objetivo pretendido com o desenvolvimento urbano: tornar as cidades brasileiras mais justas, humanas e democráticas, com condições dignas de vida, para exercício dos direitos civis e políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais e, nesse sentido garantir o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.

53 Art. 2o - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: [...]

Cidade sustentável é aquela em que o desenvolvimento urbano ocorre com ordenação, sem caos, sem destruição e sem degradação.

II – gestão democrática por meio da participação da população e de associações

representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano; – a gestão

democrática da cidade é reconhecida como uma diretriz para o desenvolvimento sustentável das cidades. Para uma gestão democrática, o governante deve ouvir a população, conhecer suas aspirações para que as políticas e decisões retratem as necessidades coletivas e sejam dirigidas aos destinatários das cidades – os seus habitantes.

Não se concebe que, pelos votos recebidos, o governante adquira, automaticamente, o conhecimento das necessidades e aspirações da população, razão pela qual deve ser ouvida como partícipe das decisões que lhe atingirá. A gestão democrática da cidade deve viabilizar a atuação conjunta do Estado e da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

III – cooperação entre os governos, a iniciativa privada e os demais setores da sociedade

no processo de urbanização, em atendimento ao interesse social; – observa-se uma feição

renovada da relação Estado-sociedade visando à aproximação, colaboração e conjugação de esforços entre governos, iniciativa privada e demais setores da sociedade civil no planejamento, execução e fiscalização da política urbana, por meio de cooperação entre os investimentos públicos e privados, sempre tendo em vista o interesse da sociedade como um todo.

IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da

população e das atividades econômicas do município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; – O Estatuto da Cidade compreende o crescimento e o

desenvolvimento como processos que podem afetar o equilíbrio social e ambiental, sendo necessário o planejamento urbano para impedir e/ou corrigir eventuais distorções provenientes da urbanização.

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos

adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais; – a

adequação dos serviços públicos aos interesses e necessidades da população caracteriza-se pela regularidade, continuidade, eficiência e segurança, com que são oferecidos, para o que é necessária uma política de investimentos públicos, baseada na eqüidade e universalização do

acesso aos serviços e equipamentos públicos. Esta diretriz pressupõe, ainda, a ruptura da idéia de homogeneização dos padrões urbanísticos dissonantes das condições ambientais e históricas específicas de cada local.

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar: a) a utilização inadequada

dos imóveis urbanos; b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes; c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivo ou inadequado em relação à infra- estrutura urbana; d) a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar como pólos geradores de tráfego, sem a previsão da infra-estrutura correspondente; e) a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutilização ou não utilização; f) a deterioração das áreas urbanizadas; g) a poluição e a degradação ambiental; – o uso e a

ocupação do solo devem evitar distorções entre a capacidade e a real utilização de cada parcela da cidade, mediando conflitos daí decorrentes. A lei, as licenças, a fiscalização e a imposição de sanções constituem os meios básicos pelos quais o Poder público municipal tem o dever e o direito de realizar o controle do uso do solo.

VII – integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em

vista o desenvolvimento sócio-econômico do Município e do território sob sua área de influência; – esta diretriz observa a relação intrínseca entre as regiões urbanas e rurais, que

não podem ser analisadas separadamente, pois se integram e se complementam, resultando na responsabilidade do Poder público de controlar o uso e a ocupação do solo, também, das zonas rurais, na perspectiva do desenvolvimento econômico do município.

VIII – adoção de padrões de produção e consumo de bens e serviços e de expansão

urbana compatíveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econômica do Município e do território sob sua área de influência; – esta diretriz mescla o aspecto urbano

com fatores econômicos e ambientais, para que estejam em equilíbrio a produção, o consumo, a expansão urbana e a qualidade ambiental, social e econômica do município.

IX – justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização; – o processo de urbanização e os investimentos públicos e privados modificam as condições econômicas e sociais da população e de seu patrimônio imobiliário, devendo procurar uma distribuição eqüitativa de vantagens e de ônus para compensar perdas ou ganhos excessivos decorrentes desse patrimônio.

X – adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira e dos

gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos

sociais; – a política urbana tem uma função redistributiva e deve adequar os investimentos e

gastos públicos ao desenvolvimento urbano. Taxas, impostos e contribuições de melhoria devem ser equilibrados para promover a justiça social, coerente com os objetivos das políticas de desenvolvimento urbano.

XI – recuperação dos investimentos do Poder público de que tenha resultado a

valorização de imóveis urbanos; – a diretriz visa permitir que os investimentos públicos

destinados à valorização de imóveis urbanos possam ser revertidos à sociedade por meio da contribuição de melhoria.

XII – proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural e construído, do

patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e arqueológico; – a proteção e

recuperação do meio ambiente natural e cultural são reconhecidas como um direito às cidades sustentáveis, que deve ser garantido pelos instrumentos urbanísticos.

XIII – audiência do Poder público municipal e da população interessada nos processos

de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população; – esta

diretriz relaciona-se à gestão democrática das cidades, garantindo que a autoridade municipal e a população sejam ouvidas, em casos de implantação de empreendimentos públicos potencialmente degradadores do meio ambiente natural ou cultural ou que afetem o conforto e a segurança dos munícipes.

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa

renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais; – é uma diretriz que visa efetivar o direito à moradia para a população de baixa

renda, regularizando situações irregulares de ocupação de moradia nas cidades. Há críticas à diretriz pelo risco de que incentive as ocupações indevidas, diante da perspectiva de sua futura regularização.

XV – simplificação da legislação de parcelamento, uso e ocupação do solo e das normas

edilícias, com vistas a permitir a redução dos custos e o aumento da oferta dos lotes e unidades habitacionais; – os parâmetros complexos e exigentes que dificultam e reduzem a

oferta de lotes e moradia pelo mercado formal devem ser simplificados para permitir um uso racional do solo e dos investimentos públicos. Com uma legislação mais simples e de fácil entendimento, a população terá condições de lhe dar cumprimento.

XVI – isonomia de condições para os agentes públicos e privados na promoção de

empreendimentos e atividades relativos ao processo de urbanização, atendido o interesse social. – as normas de produção da cidade são públicas, o que não impede que a função

urbanística seja realizada, também, pela iniciativa privada, desde que atendido o interesse coletivo. As regras de uso e ocupação do solo e os procedimentos para aprovação e licenciamento das obras devem ser obedecidos igualmente por todos.

Até a Constituição de 1988, as questões urbana e ambiental não eram tratadas de forma apropriada na Lei Magna. Com isso, “as cidades brasileiras cresceram sem um marco jurídico adequado que permitisse o controle do processo de desenvolvimento urbano.” (FERNANDES, 2000, p. 19). Por essa razão, o crescimento urbano se deu sob inúmeras discussões jurídicas a respeito da possibilidade de intervenção pública no domínio dos direitos individuais de propriedade e, principalmente, sobre a competência, ou não, dos municípios para legislar e agir em matérias urbanísticas e ambientais, que, para a visão dominante, dependeria de lei federal.

O tema urbanístico e ambiental, no tocante ao direito de propriedade privada, não se sobrepôs, pois, o interesse público não poderia invadir a propriedade particular. As cidades, sem qualquer tipo de norma limitativa ao crescimento, dimensionaram os problemas sociais. Enquanto isso, os juristas enveredaram por uma discussão inócua sobre a existência e/ou autonomia do direito urbanístico, sem se preocuparem com o cerne da questão: o crescimento desordenado das cidades e o aprofundamento dos problemas sociais.

A Constituição de 1988 pôs fim a todas as controvérsias, uma vez que reconheceu o direito urbanístico e o direito ambiental, como ramos autônomos; distribuiu competências legislativas sobre matérias urbana e ambiental, com ênfase para a ação municipal e definiu a função social da propriedade jungida ao interesse público, ressaltando a função do Estado na condução do processo de desenvolvimento urbano.

Para tanto, Pinto (2005) considera necessária a política urbana, setor de atuação do Estado que “trata da ordenação do território das cidades, mediante alocação do recurso ‘espaço’ entre os diversos usos que o disputam.” (PINTO, 2005, p. 45). O urbanismo é uma técnica destinada a “ordenar a ocupação do território das cidades, a fim de que elas possam abrigar todas as atividades necessárias à sociedade, mas sem que umas interfiram negativamente sobre outras.” A política urbana contempla um conjunto de ações e, o urbanismo, um conjunto de técnicas. A política urbana é o instrumento do urbanismo.

Para a efetivação das diretrizes gerais da política urbana, o Estatuto prevê a utilização de diversos instrumentos, como por exemplo, gestão democrática da cidade; plano diretor; parcelamento, edificação ou utilização compulsórios do solo; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU progressivo no tempo; desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública; usucapião especial; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir; operações urbanas consorciadas; transferência do direito de construir; estudo de impacto de vizinhança.

O Estatuto da Cidade, por si só, não melhora a vida urbana, mas é fundamental a sua existência, como norma por meio da qual a sociedade pode exigir os seus direitos e justiciá- los, quando os gestores públicos não o cumprirem adequadamente. Democratizar o acesso a uma condição digna de vida urbana é indispensável para o combate à pobreza, à exclusão social.

Facilitar o acesso à moradia, dotar as cidades de sistemas funcionais de transporte público, assegurar a prestação dos serviços de abastecimento de água e redes de esgoto, colocar as crianças de rua nas escolas e, se for o caso, em abrigos, qualificar os espaços comunitários com equipamentos e atividades para o lazer e recreação são medidas que devem ser realizadas, a fim de se dar à cidade a sua função social prevista no Estatuto da Cidade.

2. 8.1 Instrumentos da política urbana

O Poder público municipal há muito necessitava de instrumentos jurídicos e políticos mais adequados para executar a política urbana. O legislador, depois de definir as diretrizes da política urbana, tratou dos instrumentos necessários para realizá-las. O Estatuto da Cidade, no seu artigo 4º, trouxe meios legais exemplificativos para a execução da política urbana, com o intuito de sistematizar a matéria, sem limitar a utilização dos instrumentos àqueles nele previstos.

O artigo 4º não é de natureza taxativa, porquanto buscou exemplificar modos legais para a execução da política urbana, que, não se esgotam no rol que o integra. Esses instrumentos previstos no Estatuto da Cidade cumprem as disposições previstas no § 4° do artigo 182 da Constituição Federal de 1988 e permitem que o Poder público municipal exija do proprietário urbano que aproveite o seu imóvel, respeitando a função social da propriedade.

O Estatuto da Cidade é a lei federal com respaldo constitucional para estabelecer normas gerais de direito urbanístico e as que dêem o grau máximo de eficácia ao texto constitucional

sobre a política urbana, conferindo ao município o poder de exigir e obrigar que a função social da propriedade urbana seja respeitada e cumprida.

O artigo 4º do Estatuto da Cidade sistematiza, em 12 seções, a utilização de instrumentos necessários para a realização das diretrizes da política urbana, definindo-os, como gerais, na primeira seção, e específicos, a partir da segunda seção. Os incisos I e II do artigo 4º do Estatuto da Cidade sistematizam a utilização de instrumentos legais mais amplos, como os planos nacionais, regionais e estaduais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social, bem como o planejamento das regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões.

Esses dois primeiros incisos do artigo 4° do Estatuto da Cidade demonstram que a implementação da política urbana exige um plano definido para a ordenação do território, evidenciando que os instrumentos urbanos não são exclusividade e competência apenas dos municípios, pois segundo o artigo 43 da CF/1988, “para efeitos administrativos, a União poderá articular sua ação em um mesmo complexo geoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais”.

O § 3° do artigo 25 da CF/1988, a seu turno, dispõe que “Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de Municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum”.

Embora se trate de disposições não disciplinadas pelo Estatuto da Cidade, não há dúvida de que o § 3° do artigo 25 da CF/1988 confirma que, em se tratando de política urbana, não há exclusividade da competência municipal.

O inciso III do artigo 4º do Estatuto da Cidade especifica o planejamento municipal, um instrumento mais restrito que os anteriores e indica o plano diretor; a disciplina do parcelamento, do uso e da ocupação do solo; o zoneamento ambiental; o plano plurianual; as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual; a gestão orçamentária participativa; os planos, programas e projetos setoriais; o plano de desenvolvimento econômico e social.

O Poder público municipal é o executor da política urbana, por determinação do artigo 182, da Constituição Federal de 1988. Planejamento é um processo técnico em que se prevêem instrumentos para que o administrador público os execute com a finalidade de alcançar o desenvolvimento econômico-social. As demandas da cidade são, junto com o conhecimento das potencialidades de cada área, a matéria-prima para o planejamento.

O inciso IV do artigo 4º do Estatuto da Cidade relaciona os institutos tributários e financeiros, quais sejam, imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU, contribuição de melhoria e os incentivos e benefícios fiscais e financeiros. No inciso V, estão os institutos jurídicos e políticos: desapropriação; servidão administrativa; limitações administrativas; tombamento de imóveis ou de mobiliário urbano; instituição de unidades de conservação; instituição de zonas especiais de interesse social; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial para fins de moradia (inaplicável, pois os dispositivos que a regulam - artigos 15 a 20 - do Estatuto foram vetados. Não obstante ter sido vetado como texto do Estatuto da Cidade, esse instituto foi recriado pela Medida Provisória 2.220 de 04 de setembro de 2001); parcelamento, edificação ou utilização compulsórios; usucapião especial de imóvel urbano; direito de superfície; direito de preempção; outorga onerosa do direito de construir e de alteração de uso; transferência do direito de construir; operações urbanas consorciadas; regularização fundiária; assistência técnica e jurídica gratuita para as comunidades e grupos sociais menos favorecidos; referendo popular e plebiscito; o inciso VI prevê estudo prévio de impacto ambiental (EIA) e estudo prévio de impacto de vizinhança (EIV).

O plano diretor, de acordo com o artigo 182, § 1°, da Constituição Federal de 1988, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.