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3 DIREITO À MORADIA COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA

3.2 Direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à propriedade

3.2.4 Direito à propriedade

O direito à propriedade, na busca da sua origem, conduz a idéia dominial a uma concepção religiosa. No decorrer dos anos, tem-se ora a propriedade privada, ora a grupal, oras as duas simultaneamente, quando certos bens são apropriados individualmente e outros, como terras, rios são da coletividade e guardados pelos deuses ou mortos.

A civilização ocidental acompanhou esse movimento, passando a ter a consciência jurídica de um direito individual de propriedade. O certo é que, a cada tipo de organização jurídica, corresponde um tipo de propriedade, cuja concepção jurídica se reflete no período em que se insere. O surgimento de “direitos coletivos e o seu reconhecimento pelos ordenamentos jurídicos trouxe à discussão a essência do direito individual de propriedade”, afirma Marés (2003, p. 234).

No Brasil, a Constituição de 1946 traçou a linha mestra do direito de propriedade com feição socializada e a Constituição Federal vigente consolidou a sua função social, deixando de referendar a relação entre a pessoa e a coisa, em caráter absoluto. O evolver da sociedade, e seu regime jurídico centrado em preceitos democráticos, sobrelevando os direitos humanos, consolidou a concepção de propriedade, como a faculdade de usar, gozar e dispor dos bens, mas na conformidade da disciplina constitucional, que lhe agregou a função social.

A propriedade, tanto quanto os demais direitos fundamentais, se sujeita às limitações do direito coletivo e Estado pode dela se apropriar, quando o interesse público assim o exigir. A Constituição Federal de 1988 reconhece a propriedade no seu artigo 5º e condiciona a sua utilização ao bem-estar social, resguardando-a da expropriação arbitrária e, embora a tenha como um direito fundamental, não o caracteriza como incondicional e absoluto.

Utilizar a propriedade, considerada a sua função social, significa aceitar e respeitar, como superiores aos individuais, os interesses da coletividade.

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O direito de propriedade expõe o anteparo constitucional entre o domínio privado e o público e, por isso, há a tutela constitucional, prevendo limitações ao Poder público para suprimir esse direito privado, a fim de que não haja o arbítrio. A mutação subjetiva da propriedade privada para o Poder público somente pode ocorrer por meio de desapropriação, nos termos da lei, conforme determinem a utilidade pública ou o interesse social, mediante prévia indenização (artigo 5º, XXIV).

A proteção constitucional ao direito de propriedade, subjugado a sua função social, não extinguiu a propriedade privada. O direito de propriedade particular exercido dentro dos padrões normais sem ferir, obviamente, direitos da coletividade, é protegido constitucionalmente, inclusive, do Poder público, que, só pode transferir a propriedade para si ou para entidades de interesse público, em caráter de excepcionalidade e, sempre com indenização pelo justo valor. A indenização é jurídica para que o titular do bem expropriado não tenha decréscimo em seu patrimônio, com a perda de um bem em beneficio da coletividade.

A introdução de uma função social no exercício do direito de propriedade privada determinou um reestudo do instituto da desapropriação, que se coloca como instrumento à disposição do Poder público para realçar a justiça social, nos casos em que a propriedade perde o absolutismo e a exclusividade, em favor do bem-estar coletivo, promovendo-se a utilização da propriedade em benefício de todos.

A intervenção na propriedade privada tem que obedecer às normas e só é justificada em casos especiais, quando não atende à sua função social e se constata interesse social ou utilidade pública a exigi-la. A garantia emprestada pelo princípio da função social ao direito de propriedade visa, substancialmente, assegurar o exercício pleno e efetivo de outro princípio estrutural do Estado democrático, inserido no artigo 1º da Constituição Federal, qual seja o da dignidade da pessoa humana.

Ao ser humano, em respeito aos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal, é garantido tratamento igualitário entre si e o Estado, e daquele para com seu semelhante; o exercício regular do direito de propriedade, com fim social, é um dos meios de se alcançar parte desse objetivo.

O Código Civil em vigor dispõe, em seu artigo 1.228, § 1º, que “o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais”, denotando uma mudança no posicionamento da norma em relação ao direito de propriedade, em

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decorrência de uma leitura das normas civis, conforme as concepções apresentadas na Constituição de 1988, a fim de dar validade ao direito privado.

O resgate da função social da propriedade urbana é, também, uma exigência do Estatuto da Cidade, que, no seu artigo 1º, estabelece normas de ordem pública e interesse social, regulando o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e do equilíbrio ambiental.

No artigo 2º, o Estatuto da Cidade estabelece que a “A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: XII – [...] desapropriação [...]” Como instrumento de política urbana, o Estatuto da Cidade (artigo 4º, V, letra “d”) prevê a desapropriação. A Lei nº. 4.132 de 10 de setembro de 1962 regulamenta a desapropriação por interesse social, autorizando o Poder público a intervir na propriedade privada para preservar a sua função social.

Como forma de realizar o fim social previsto na norma, o Poder público não deve ter receios em desapropriar e permitir a prevalência do interesse público sobre o particular, atendendo à exigência constitucional de preservação da função social da propriedade. Os direitos de usar, gozar e dispor dos bens não se sobrepõem aos direitos fundamentais do ser humano; estes sim, transindividuais e alçados à proteção da Lei Magna, acima dos demais direitos, pois a livre destinação dos bens privados está obstada pelo interesse público, que, para tanto, utiliza o instituto jurídico da desapropriação para resgatar a verdadeira função da propriedade