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2.9 Plano diretor

2.9.3 Implementação do plano diretor

O artigo 39 do Estatuto da Cidade55 apropria-se do texto constitucional, e não poderia ser diferente, e prevê o cumprimento da função social da propriedade urbana quando atende às exigências previstas no plano diretor, acrescendo que os cidadãos devem ter, também, assegurados a qualidade de vida, a justiça social e o desenvolvimento das atividades econômicas.

Segundo a Constituição Federal de 1988, o plano diretor é obrigatório para cidades com população acima de 20 mil habitantes e, no caso de cidades com mais de 500 mil habitantes, deve ser acompanhado de um plano de transporte urbano integrado.

O Estatuto da Cidade reafirma essa diretriz, estabelecendo o plano diretor (artigos 39 a 42) como instrumento básico da política urbana de desenvolvimento e expansão, tornando-o obrigatório (artigo 41, I a V) para as cidades com mais de 20 mil habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, onde o Poder público municipal pretenda utilizar os instrumentos previstos no capítulo de Reforma Urbana da Constituição de 1988 (parcelamento ou edificação compulsória; imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo; desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública, com prazo de resgate de até 10 anos); integrantes de áreas de especial interesse turístico, inseridas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional.

As áreas onde poderá ser exigida a utilização compulsória de imóvel urbano devem ser delimitadas pelo plano diretor, com a finalidade de preservar a sua função social, pois “deverá englobar o território do Município como um todo”, na forma do § 2° do artigo 40 do Estatuto da Cidade.

O plano diretor estabelece as metas e diretrizes da política urbana como normas imperativas para verificar se a propriedade atende a sua função social e garante vida digna aos cidadãos. É um requisito obrigatório para que o poder público municipal possa aplicar, de forma sucessiva, o parcelamento ou edificação compulsórios, imposto sobre a propriedade predial e territorial progressivo no tempo e a desapropriação para fins de reforma urbana.

55 Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2° desta Lei.

Cabe ao plano diretor fixar os critérios para o manejo dos instrumentos estabelecidos no Estatuto da Cidade, na defesa da função social da cidade e da propriedade urbana, tais como a outorga onerosa do direito de construir, as operações urbanas consorciadas, o direito de preempção, a transferência do direito de construir e as zonas especiais de interesse social. O plano diretor contém normas e diretrizes imperativas para a coletividade que deve respeitá-las e cumpri-las, sob pena de sofrer as sanções previstas na norma. Como princípios constitucionais norteadores, o plano diretor deve observar a função social da propriedade, o desenvolvimento sustentável, a função social da cidade, a igualdade, a justiça social e a participação popular.

Para cumprir os princípios constitucionais estabelecidos para o plano diretor, o município deve realizar as diretrizes gerais da política urbana estabelecidas no artigo 2° do Estatuto da Cidade, antes expostas. A realização do plano diretor requer ações equilibradas entre o desenvolvimento econômico, necessário para as cidades, e o desenvolvimento social e humano que deve ser assegurado à população.

A concretização das diretrizes gerais da política urbana é responsabilidade dos municípios, observadas as especificidades e a realidade local, o que requer uma lei orgânica municipal e um plano diretor afeitos à cidade, desconsideradas as razões e particularidades de outras, pois não se podem implementar diretrizes e princípios urbanos sem se observarem e se conhecerem os problemas de cada cidade, o que significa dizer que os planos não podem ser estandardizados, devendo cada qual retratar as necessidades da sua cidade.

O uso dos instrumentos legais contidos no Estatuto da Cidade de forma contrária às diretrizes da política urbana resulta em lesão às ordens urbanística e econômica, pela inadequada aplicação de recursos públicos, o que possibilita a utilização da ação civil pública, para responsabilizar os agentes públicos e privados causadores do prejuízo.

De acordo com o Estatuto da Cidade, artigo 40, § 1º, por ser o plano diretor parte do processo de planejamento municipal, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual devem incorporar suas determinações. A prescrição contida no § 2º do mesmo Estatuto determina, como já referido linhas atrás, que o plano diretor deve englobar o território do município como um todo.

Englobar o território do município significa que o perímetro urbano, as áreas de expansão e seus arredores devem ser planejados, para que os assentos urbanos que tendem a se constituir na periferia, não prejudiquem o crescimento e desenvolvimento da cidade.

Essa determinação – englobar o município como um todo – leva a pensar, ao primeiro exame, que a área rural também está inserida na exegese do parágrafo, haja vista integrar o município como um todo. Todavia, esse não parece ser o espírito da norma, pois o Estatuto da Cidade é, segundo a lei, indispensável para as cidades com mais de 20 mil habitantes, com a submissão de todos os núcleos urbanos existentes no município às suas determinações, o que afasta a zona rural da sua inclusão no plano diretor, que “é obrigatório para a sede do Município, pois somente essa tem o qualificativo de cidade”. (GASPARINI, 2002, p. 202). Controvérsias à parte, é necessário compreender que a abrangência é, mesmo, do município todo com vocação de desenvolvimento urbano sustentável e planejado, sem, com isso, transformar a área rural em urbana, pois o que importa não é a definição do imóvel, nem a sua localização geográfica e sim a destinação que lhe é dada.

Importante compreender, porém, que, para atender ao contido no inciso VII do artigo 2° do Estatuto da Cidade56, não se pode agir e planejar a política urbana, com separação absoluta e rígida entre as áreas urbana e rural, pois as fronteiras se flexibilizam e as atividades se integram e complementam, porquanto ambas integram o território do município.

A normatização da política urbana deixa claro que não mais se admite o improviso da atividade administrativa, que, para atender à norma infraconstitucional e à própria Constituição Federal de 1988, deve ser dimensionada e planejada, sob pena de incorrer em sanções advindas do Estatuto da Cidade, da Lei de Improbidade Administrativa (8.429 de 2 de junho de 1992) e a da Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101 de 04 de maio de 2000).

As cidades com mais de 20 mil habitantes, e aquelas integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, que, ao tempo da entrada em vigor do Estatuto da cidade (09 de outubro de 2001) não tinham plano diretor, ficaram incumbidas de aprová-lo no prazo de cinco anos (artigo 50, do Estatuto da Cidade), sem o que o prefeito municipal incorreria em improbidade administrativa (artigo 52, VII, do Estatuto da Cidade).

O crescimento das cidades e, por conseqüência, o envelhecimento do plano diretor foi antevisto pelo Estatuto da Cidade, ao exigir a sua revisão a cada 10 anos, pelo menos. A medida tem o propósito evidente de não deixar uma lei ultrapassada em vigor, completamente

56 Art. 2º. [...]

VII Integração e complementaridade entre as atividades urbanas e rurais, tendo em vista o desenvolvimento socioeconômico do Município e do território sob sua área de influência; [...]

inaplicável diante do crescimento das cidades, podendo o prazo de 10 anos ser interpretado como o período de vigência do plano diretor.

O plano diretor, no seu processo de elaboração, deve passar por audiências públicas e debates com a população e associações dos vários segmentos da comunidade, dar publicidade aos documentos e informações produzidos, permitindo o acesso a qualquer interessado. Na sua realização, precisa cumprir a função social da propriedade urbana, exigindo do proprietário que não sobreponha o seu interesse individual ao coletivo e exerça o seu direito em benefício da coletividade, tudo para que sejam respeitadas as diretrizes gerais da política urbana.

Prefeitos ou o governador do distrito federal podem sofrer sanções por improbidade administrativa, como conseqüências da irrealização do plano diretor, quando deixar, por exemplo, de promover o adequado aproveitamento de imóvel incorporado ao patrimônio público pela desapropriação, em decorrência do débito de IPTU progressivo durante cinco anos.

O plano diretor não é produto legislativo para servir de modelo de gestão. Ele deve ser aplicado, a fim de que as cidades possam cumprir a sua função social, proporcionando vida digna, ou um pouco mais digna, aos seus habitantes, responsabilizando-se o governante quando descumprir as disposições legais nele inseridas. A participação popular na sua elaboração e na fiscalização de sua implantação e gestão é importante, para que o plano diretor não seja mais um adereço legislativo aos tantos já existentes.