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2.7.1 Historicidade da Lei nº. 10.257/2001 - Estatuto da Cidade

Em 10 de julho de 2001, foi promulgado o Estatuto da Cidade – Lei nº. 10.257, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal e estabelece as diretrizes gerais da política urbana brasileira. Antes da Constituição de 1988, o legislador brasileiro já havia tentado normatizar o desenvolvimento urbano, mas os projetos não lograram êxito.

A fim de regulamentar os artigos constitucionais de 1988, o então senador Pompeu de Souza, já falecido, filiado, à época, ao PMDB-DF, propôs o Projeto de Lei n° 181/1989, elaborado com a colaboração de alguns urbanistas para a primeira formatação do Estatuto. O Senado aprovou esse projeto em 1990, quando foi remetido à Câmara Federal, onde permaneceu praticamente esquecido até 1999, quando foi retomado, com a designação, para relator, do deputado Inácio Arruda do PC do B-CE.

Com a colaboração do deputado Ronaldo César Coelho, do PSDB-RJ, Inácio Arruda sistematizou as emendas, consultou movimentos e entidades ligadas aos problemas urbanos, elaborando, então, o substitutivo n° 5.788, aprovado em novembro de 2000 pela Câmara. Devido às mudanças, retornou ao Senado, onde a relatoria coube ao senador Mauro Miranda, do PMDB-GO. Em julho de 2001, o projeto foi transformado em lei e encaminhado à sanção presidencial.

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BENTHAM, Jeremy (Grã-Bretanha, 1748-1831). Filósofo utilitarista, economista e jurista. O advogado preferiu o estudo da teoria do Direito em lugar de praticá-lo no Foro.

O texto recebeu alguns vetos, destacando-se os dos artigos 15 a 20, relativos à concessão de uso de imóvel público para fins de moradia, cuja matéria veio a ser disciplinada, ao depois, pela Medida Provisória n° 2.220 em 04 de setembro de 2001.

A sociedade houvera incorporado a discussão em torno do Estatuto, no bojo do debate pela reforma urbana, “reacendendo o desejo coletivo do direito à cidadania, expresso em práticas políticas e ações mobilizadoras, na busca insistente pelo direito de morar e aí viver dignamente, fazendo da cidade um território mais justo e democrático.” (SILVA, 2003, p. 29). O Estatuto da Cidade disciplina e reitera várias figuras e institutos de direito urbanístico, alguns já presentes na Constituição de 1988, fornecendo farto instrumental em prol da melhor ordenação do espaço urbano, com observância ao meio ambiente e aos graves problemas sociais, como moradia, saneamento básico, incidentes sobre a população mais carente.

A Lei nº. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) fez ressurgir o interesse pela questão urbana, pouco lembrada, desde as décadas de 60 e 70 do século XX, quando floresceram estudos, livros e projetos sobre o tema. Os governantes municipais e o setor privado passaram a cuidar com mais atenção da matéria, até porque a ordem urbanística foi inserida no rol de itens que autorizam a propositura de ação civil pública52 para apurar responsabilidades por danos que eventualmente causarem.

O Estatuto da Cidade – denominação oficial da Lei nº. 10.257/2001 – está estruturado em cinco capítulos. O capítulo I, com os artigos 1° a 3°, elabora as Diretrizes Gerais; o capítulo II, com os artigos 4°. a 38, trata Dos Instrumentos da Política Urbana, em 12 seções; o capítulo III, com os artigos 39 a 42, aborda o plano diretor; o capítulo IV, com os artigos 43 a 45, cuida Da Gestão Democrática da Cidade e o capítulo V, com os artigos 46 a 58, estabelece as Disposições Gerais.

As inovações do Estatuto estão em três pontos: um conjunto de instrumentos de natureza urbanística, para induzir, mais do que normatizar, as formas de uso e ocupação do solo; uma concepção de gestão democrática das cidades, que incorpora a idéia de participação direta do cidadão nos processos decisórios sobre seus destinos e a ampliação das possibilidades de regularização da posse urbana, ainda situada no limite entre o legal e o ilegal.

52 Ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados ao meio ambiente; ao consumidor; a bens

e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; a qualquer outro interesse difuso ou coletivo; por infração da ordem econômica e da economia popular; à ordem urbanística (conforme artigo 1º da Lei nº. 7.347/85).

O Estatuto tem como base os artigos 182 e 183 da Constituição de 1988 e estabelece normas de ordem pública de interesse social, que não podem ser revogadas, derrogadas, ab- rogadas ou modificadas pela vontade das partes, pois são imperativas, cogentes e regulam o uso da propriedade em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos e, também, do equilíbrio ambiental.

Serve-lhe, também, de fundamento o princípio da função social da propriedade, estampado no inciso XXIII do artigo 5° da CF/1988, como um dos direitos e garantias fundamentais; o inciso III do artigo 170 da CF/1988, como um dos princípios da ordem econômica e o artigo 6° da CF/1988, que menciona o direito à moradia, como um dos direitos sociais.

O Estatuto, além de regulamentar os artigos constitucionais 182 e 183, estabelece as diretrizes gerais da política urbana e fixa como seu objetivo o pleno desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana. Na função social da cidade, entrevê-se um lugar, não apenas geográfico e de reunião de pessoas, mas um espaço para habitação, trabalho, circulação, lazer, integração entre os seres humanos e o crescimento educacional e cultural.

Quanto à função social da propriedade, explicita-se a sua utilização com base no interesse geral e não individual. A política urbana deverá observar diretrizes que levem ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade.

O Estatuto da Cidade renovou a “crença da possibilidade de uma sociedade mais justa, portadora de direitos sociais inerentes à dignidade humana.” (SILVA, 2003, p. 31), fundamental para resgatar as cidades, fortalecendo-lhes a identidade e cultura brasileiras, com um crescimento econômico que não implique exclusão de classes sociais.

O Estatuto pretende seja alcançada a plenitude das políticas públicas direcionadas ao cidadão e, nesse objetivo, integrar transporte, habitação, planejamento urbano, meio ambiente, saúde, educação, saneamento básico, patrimônios histórico e arquitetônico, todos trabalhados com gestão democrática.

É um objetivo ousado, mas não impossível, desde que implementadas todas as medidas previstas na lei, cuja finalidade maior é a conquista da cidadania, pois, os cidadãos, diz Rolnik (2001), têm “o direito e o dever de exigir que seus governantes encarem o desafio de intervir, concretamente, sobre o território, na perspectiva de construir cidades mais justas e belas.” (ROLNIK, 2001, p. 9). É o que se espera com o Estatuto da Cidade.