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Quadro II Comissão Administrativa do PRN após o I Congresso

11. O Ministério Álvaro de Castro

O Presidente da República depois de ouvir todas as forças políticas decidiu encarregar Álvaro de Castro para formar governo. Álvaro de Castro pretendia formar um governo nacional que integrasse nacionalistas, democráticos e independentes, mas tinha a oposição da maioria dos nacionalistas794. Novamente o Parlamento dividido, não conseguia assegurar um apoio seguro a uma única força partidária. A estratégia do PRP passava pela entrega da chefia do novo executivo a um elemento não democrático que pudesse congregar apoios para construir um governo com apoio maioritário no Congresso795.

O governo de Álvaro de Castro tomou posse no Ministério do Interior no dia 18 de Dezembro de 1923, tendo o apoio dos democráticos, do grupo Seara Nova796 e dos dissidentes do PRN, que continuavam a intitular-se os verdadeiros membros do PRN797. Durante a formação do novo governo houve algumas mudanças de última hora, o general Pereira Bastos foi substituído pelo major Ribeiro de Carvalho na pasta da Guerra e Jaime Cortesão foi substituído por António Sérgio na pasta da educação798.

António Ginestal Machado referiu-se publicamente sobre a atitude que o PRN iria tomar na recepção ao governo de Álvaro de Castro: sabendo “ a maneira como se organizou o actual governo compreende-se que a nossa atitude não pode ser amistosa, temos de apreciar os seus actos, sem favor. Só com Justiça”. Em relação ao impacto que a cisão tinha tido no PRN, achava que tinha sido “insignificante, pois a grande massa eleitoral partidária ficou connosco. Apenas no círculo de Leiria, perdemos terreno”799

. No dia 21 de Dezembro Álvaro de Castro apresentou a declaração ministerial na Câmara dos Deputados, tendo defendido, “o princípio da autoridade”, a “política de respeito das leis”, a colaboração com o parlamento e a defesa do “equilíbrio orçamental”800

. O debate sobre a apresentação do governo só se realizou no dia 8 de Janeiro de 1924, tendo tido o apoio do PRP, pois segundo Almeida Ribeiro (PRP) o governo de Álvaro de Castro pretendia “manter a sua autoridade como base da estabilidade das instituições republicanas” e da Constituição. E por isso, “este lado da Câmara dará ao Governo a cooperação que for indispensável para que ele consiga realizar a obra de restauração económica que na sua declaração julga indispensável e urgente”801

. Carlos Olavo, do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, demonstrou o

792

João de Sacadura Freire Cabral, Diário de Lisboa, 21-12-1923, p. 2.

793 Amâncio de Alpoim, Diário de Lisboa, 26-12-1923, p. 2-3; Diário de Lisboa, 2-1-1924, pp. 2-3. 794 República, 15-12-1923, p. 1.

795 Cf., entrevista ao deputado democrático, Jaime de Sousa, Diário de Lisboa, 15-12-1923, p. 8. 796

Jaime Cortesão foi convidado por Álvaro de Castro para Ministro da Instrução, mas declinou o convite por motivos pessoais. Porém, a Seara Nova indicou o nome de António Sérgio para esse lugar e outros dois homens próximos da revista, Ribeiro de Carvalho e Ezequiel de Campos ocuparam as pastas da Guerra e da Agricultura. Cf., entrevista a Jaime Cortesão, Diário de Lisboa, 19-12-1923, p. 5.

797 Diário de Lisboa, 18-12-1923, p. 8. 798

Diário de Lisboa, 18-12-1923, p. 8.

799 António Ginestal Machado, Diário de Lisboa, 10-1-1924, p. 5.

800 Álvaro de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 21-12-1923, pp. 7-8. Cf., Diário de Lisboa, 21-

12-1923, p. 8.

apoio ao governo na medida em que este se tinha comprometido a defender a “constituição e o prestígio do Parlamento”. Realçou ainda mais a valia deste governo, que se relacionava com o facto de “ser um Governo que se formou fora de combinações de partidos, isto é fora das conveniências e interesses estritamente partidários. É um Governo Nacional, entendendo-se por esta expressão que a sua mais profunda aspiração ‘e resolver a grave crise que nos asfixia e mata”. Não deixou também de apresentar uma crítica velada ao PRN, uma vez que faziam parte do governo várias figuras de diversos partidos republicanos, “mas, se estes não estão mais representados no Governo, a culpa não é do Sr. Álvaro de Castro”802

. Cunha Leal, o líder parlamentar do PRN iniciou a sua intervenção lembrando que fora “um dos mais íntimos confidentes do Sr. Álvaro de Castro” até ao “dia preciso da chegada do Sr. Afonso Costa” a Lisboa para formar governo. Acusou Álvaro de Castro de ter tomado várias iniciativas golpistas contra o governo de António Maria da Silva e contra a Constituição, “entidades que depois se veio a constituir no mais feroz defensor”. Virou a sua espada também na direcção do Presidente da República, acusando-o de ter aliciado oficiais contra o Governo de António Maria da Silva e de não ter apoiado o governo de António Ginestal Machado na noite da revolta. Segundo Cunha Leal o governo nacionalista “estava condenado a morrer por uma de duas forças: ou por uma revolta, ou pelo Parlamento. E, assim, não tendo sido derrubado pela revolta, foi-o naturalmente pelo Parlamento”. Criticou também a forma como Álvaro de Castro tinha sido indicado para formar governo. Perguntando à Câmara quem o tinha indicado. Teria sido “pelo Partido a que S. Ex.ª pertencia, como era natural? Não, Sr. Presidente, mas sim indicado pelo Partido adverso àquele a que S. Ex.ª pertencia – o que mostra bem os entendimentos que havia entre o Sr. Álvaro de Castro e aquele partido”. Culpou o Presidente da República de ser o causador da queda do governo e da cisão do PRN. Quanto às propostas financeiras já apresentadas pelo governo de Álvaro de Castro, considerou que muitas delas já existiam no trabalho do Ministro das Finanças que o precedeu”803. Nos dias seguintes, os deputados nacionalistas continuaram a atacar duramente a constituição do ministério Álvaro de Castro, chegando Jorge Nunes a classificá-lo de “cabala”. Álvaro de Castro defendeu-se sem deitar mais achas para a fogueira: “quanto àquelas palavras que directamente pretendem atingir-me, eu cinjo-me ao silêncio absoluto que costumo usar quando entendo que a minha defesa para ser a minha defesa pode ser um ataque à República”804

.

Para culminar, o debate sobre a apresentação do Governo foram apresentadas duas moções de ordem. Jorge Nunes, do Partido Republicano Nacionalista, apresentou uma moção de desconfiança805 e Carlos Olavo, do Grupo Parlamentar de Acção Republicana, apresentou uma moção de confiança806. Esta última acabou por ter prioridade de votação, sendo a moção nacionalista prejudicada. A moção de Carlos Olavo foi aprovada por 56 votos a favor e 27 votos contra. Apenas votaram desfavoravelmente os deputados nacionalistas, monárquicos e alguns independentes. Os deputados democráticos, accionistas, católicos e alguns independentes votaram

802

Carlos Olavo, Diário da Câmara dos Deputados, 8-1-1924, pp. 9-10.

803 Cunha Leal, Diário da Câmara dos Deputados, 8-1-1924, pp. 10-16. 804 Álvaro de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 10-1-1924, p. 16.

805 “A Câmara considerando que a crise não foi resolvida segundo os melhores preceitos constitucionais,

faz votos para que se forme um governo que possa merecer verdadeira confiança ao País, único modo de terem solução os graves problemas de administração que estão pendentes, e passa à ordem do dia. – Jorge Nunes”, Diário da Câmara dos Deputados, 9-1-1924, p. 18.

806 “A Câmara dos Deputados, reconhecendo que o Governo foi constituído segundo os preceitos

constitucionais e corresponde às necessidades e aspirações da Nação continua na ordem do dia. – Carlos Olavo”, Diário da Câmara dos Deputados, 10-1-1924, pp. 17.

favoravelmente807, embora alguns deputados democráticos tivessem abandonado a sala das sessões aquando da votação808. O PRN, como era de esperar, mostrava-se inflexível perante este governo, ainda que defendesse muitas medidas propostas pelo novo governo809. Durante a apresentação do governo no Senado, o líder do PRN disse que já há algum tempo previa que Álvaro de Castro iria presidir a um “ministério que se chamaria «Nacional» com a colaboração do Partido Democrático. Não mudou o Partido Democrático a sua orientação, que vem marcando nos 13 anos da constituição da República: ou governa ele, ou se governa com ele. Sem ele não”810.

O governo tentou munir-se de autorizações parlamentares latas que lhe permitissem não estar sempre dependente da bonomia do Parlamento.

O deputado Almeida Ribeiro apresentou uma proposta de Lei autorizando o Governo a regulamentar os câmbios. O Partido Republicano Nacionalista concordava com a atribuição de maiores poderes ao executivo para controlar a desvalorização do escudo, mas não podia “votar estas medidas porque elas envolvem uma autorização tão lata ao Governo, que, se houvesse lógica na nossa atitude, havia apenas uma coisa a fazer: cumprimentar muito afectuosamente os seus membros e sair por aquela porta”. Jorge Nunes foi muito claro ao perguntar o seguinte: “Para que conservar o Parlamento aberto? Porque não acabar com esta ficção? Então se vamos dizer ao Governo que é sua exclusiva atribuição tratar dos problemas financeiros, para que conservamos aberta esta casa e nos arrogamos direitos que a todo o momento alienamos”811

. Barros Queirós esclareceu a posição do PRN dizendo que defendiam a tomada de medidas para melhorar os câmbios e reprimir as especulações, mas não iriam deixar que a Câmara adoptasse providências “inconvenientes e inconstitucionais”, permitindo a “mais larga ditadura, o que se não fará com o nosso aplauso”812.

Álvaro de Castro pediu autorização ao parlamento para suspender as leis aprovadas pelo Poder Legislativo de que resulte aumento de despesa ou eliminar qualquer dotação inscrita no Orçamento813. Cunha Leal defendeu que a “proposta aqui apresentada é de tal forma lata, que se transforma na abdicação completa do Poder Legislativo”. E concluiu que o Governo queria implantar “uma ditadura, mas uma ditadura com o Parlamento aberto!”814

. Tomé de Barros Queiroz disse que este pedido era inconstitucional815, à semelhança do que opinou o deputado monárquico Carvalho da Silva816. O deputado nacionalista, Paulo Menano era da mesma opinião, na medida em que “dispondo o artigo 26.º, n.º 1.º, da Constituição, que só ao Parlamento compete privativamente fazer leis, interpretá-las e suspendê-las, a verdade é que, com a autorização” o governo quer “que o Poder Legislativo delegue no Executivo essas funções...”. Diferençou ainda as autorizações anteriormente concedidas do Poder

807 Cf., Diário da Câmara dos Deputados, 11-1-1924, pp. 21-22. 808 O Rebate, 15-1-1924, p. 1.

809

O Conselho de Ministros tomou várias resoluções ao abrigo das autorizações parlamentares (Lei 1433), no sentido de diminuir as despesas de vários ministérios e aumentar as receitas (Diário de Lisboa, 3-1-1924, p. 8; idem, 10-1-1924, p. 8). O novo governo apresentou uma proposta orçamental no Parlamento, onde o deficit era reduzido à custa do corte nas despesas e na actualização de alguns impostos. Previa-se que deficit ficasse extinto no final do ano pela estabilização da despesa e pela criação de novas fontes de receita. Cf., Álvaro de Castro, Diário da Câmara dos Deputados, 15-1-1924, pp. 5-8; Diário de Lisboa, 15-1-1924, p. 8.

810 Augusto de Vasconcelos, O Jornal, 16-1-1924, p. 1.

811 Jorge Nunes, Diário da Câmara dos Deputados, 18-1-1924, pp. 12-13. 812

Barros Queirós, Diário da Câmara dos Deputados, 18-1-1924, p. 17.

813 Cf., Diário da Câmara dos Deputados, 25-1-1924.

814 Cunha Leal, Diário da Câmara dos Deputados, 7-2-1924, p. 14. 815

Diário de Lisboa, 25-1-1924, p. 5.

Legislativo ao Poder Executivo, uma vez que estas estavam restringidas “a certas leis e períodos de tempo. Portanto o Poder Legislativo, dentro da sua própria função, nos termos do n.º 1.º do artigo 26.º da Constituição é que suspendeu aquelas atribuições que indicava ao Executivo”. Paulo Menano considerava que “o País dirá de que lado está a razão, se do lado do fervoroso constitucionalista que, uma vez no Poder, tão depressa procura atropelar a Constituição, se do lado do Partido Nacionalista que, embora acoimado de anti-constitucionalista, se mantém isolado, mas firme na defesa dos bons princípios constitucionais”817

. Depois das várias partes terem esgrimido os seus argumentos, passou-se à votação da proposta na generalidade. Votaram apenas 51 deputados, 28 a favor e 23 contra, pelo que a votação não foi válida. A maioria dos democráticos saiu da sala na hora da votação. Votaram a favor os deputados do Grupo Parlamentar de Acção Republicana e diversos democráticos e independentes. Votaram contra os nacionalistas e alguns independentes e democráticos818. Na sessão seguinte procedeu-se a nova votação, sendo desta vez aprovado o pedido de autorização parlamentar com os votos favoráveis do Grupo Parlamentar de Acção Republicana e de diversos deputados democráticos, católicos e independentes. Saíram da sala alguns deputados democráticos que não votaram, entre os quais, Vitorino Guimarães e António Maria da Silva. Alguns democráticos votaram contra, nomeadamente Alfredo Pinto de Sousa, António Tavares Ferreira, Custódio de Paiva, José Nunes Loureiro, Lourenço Correia Gomes e Pedro Sá Pereira. Os nacionalistas votaram novamente contra, mas o pedido foi aprovado por 52 votos a favor e 25 contra819. A imprensa nacionalista começou a acusar Álvaro de Castro de querer instalar uma ditadura, “saltando […] por cima da constituição”, procurando obter as “mais latas autorizações para governar”820.

Outro tema de discórdia foi o pedido de alteração das cláusulas do empréstimo interno efectuado em 1923, pelo facto de se deixar de pagar os juros em ouro, com o objectivo de baixar o deficit. Vitorino Guimarães, do PRP, criticou esta medida uma vez que se estava a faltar a um compromisso assumido pelo governo português821. Pelos nacionalistas intervieram Barros Queirós, António Ginestal Machado822 e Cunha Leal823. Com a aprovação desta medida o Estado perdia credibilidade para lançar novos créditos, pelo que era como que declarar a bancarrota. Barros Queiroz referiu-se a este decreto dizendo o seguinte: “O Estado no momento paga menos uns tantos escudos do que pagava antes, é verdade, mas o decreto provoca a fuga de todos os capitais portugueses para o estrangeiro”. Além disso, “provoca o agravamento do câmbio, e consequentemente, o agravamento de todas as despesas do Estado”824

.

O governo negociava antes com a maioria democrática e só depois levava os diplomas ao Parlamento, o que levava um deputado independente a clamar o seguinte: “Mas isto é imoral! É escandaloso! O governo, depois de mutilar o Parlamento, liquida- o definitivamente com estes conchavos. Essas reuniões equivalem a um segundo Parlamento – sem oposições”. Outro deputado nacionalista indignado dizia: “E a função das oposições fica reduzida à mais completa inutilidade. Não há possibilidade de qualquer fiscalização a sério”. No entanto, dentro do PRP a unidade não era tão sólida. “Quando da votação na generalidade das autorizações saíram da sala os Srs. António

817 Paulo Menano, Diário da Câmara dos Deputados, 8-2-1924, p. 10.

818 Cf., Diário da Câmara dos Deputados, 8-2-1924; Diário de Lisboa, 9-2-1924, p. 5. 819 Cf., Diário da Câmara dos Deputados, 11-2-1924; Diário de Lisboa, 11-2-1924, p. 8. 820

O Jornal, 4-2-1924, p. 1.

821 Cf., Vitorino Guimarães, Diário da Câmara dos Deputados, 11-2-1924, p. 27. 822 Diário de Lisboa, 12-2-1924, p. 4.

823

Diário de Lisboa, 13-2-1924, p. 5.

Maria da Silva e o Sr. Vitorino Guimarães «líderes partidários» e rejeito-as o Sr. Nunes Loureiro pessoa preeminente nos organismos democráticos”825

.

As medidas tomadas pelo governo provocaram a reacção das forças radicais de esquerda que se manifestaram no Terreiro do Paço contra a carestia de vida no dia 22 de Fevereiro. A manifestação, que contou com mais de cem mil pessoas, foi organizada pelo conselho geral das juntas de freguesia, tendo os manifestantes deslocando-se posteriormente para o Parlamento. Durante o percurso houve várias agressões e gritos de “morras ao Parlamento e vivas à Revolução Social”826

e avisos aos moageiros, banqueiros e exploradores para arrepiarem caminho827. O funcionalismo público também reagiu à obra legislativa do governo, tendo o executivo de Álvaro de Castro mandado prender alguns líderes que estavam a incitar os colegas a insubordinarem-se e a fazer greve de zelo, o chamado movimento de “braços caídos”828. Reagindo a esta situação o deputado Carlos Olavo apresentou uma moção de apoio ao governo. Esta moção acabaria por ter o voto favorável de quase toda a câmara, incluindo os nacionalistas829. Jorge Nunes disse que embora o executivo não merecesse a confiança política dos nacionalistas “em questões de ordem pública, o partido nacionalista não regateará o seu apoio ao governo”830

.

Cumprindo a tradição foi aprovada a prorrogação dos trabalhos parlamentares até ao dia 30 de Junho com os votos dos democráticos e dos nacionalistas, embora estes, pela voz do deputado Jorge Nunes tivessem dito que o atraso nos trabalhos era responsabilidade dos democráticos831.

12. O II Congresso do Partido Republicano Nacionalista e o

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