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Capítulo I Partidos e Sistemas Partidários na Europa do pós guerra

2. A formação do Partido Republicano Nacionalista

2.3. O I Congresso do Partido Republicano Nacionalista

O I Congresso do PRN começou a ser preparado em meados de Fevereiro de 1923 pela comissão organizadora constituída por Vasco Gonçalves Marques, António Ginestal Machado e João Rodrigues372. Nesta comissão mantinha-se a proporção (um para dois) e um certo equilíbrio entre o peso que tinham os dois partidos que deram lugar à formação do PRN. O primeiro membro da comissão tinha sido dirigente do PRRN e os restantes eram antigos membros do PRL373. Esta comissão começou por enviar circulares no dia 16 de Fevereiro aos centros políticos e comissões partidárias locais para estas enviarem pareceres sobre alguns detalhes organizativos do Congresso374. Numa carta circular datada de 19 de Fevereiro a Comissão Organizadora do Congresso deu instruções aos correligionários sobre a forma como deveria proceder- se para a representação dos dois antigos partidos no Congresso do PRN. Assim, nas localidades onde os dois partidos tivessem comissões políticas organizadas deveriam 368 Cf., República, 21-6-1923, p. 1; O Bejense, 24-6-1923, pp. 1-2. 369 Cf., República, 24-6-1923, p. 2; 29-6-1923, p. 2. 370 Cf., República, 29-6-1923, p. 2. 371 Cf., República, 23-6-1923, p. 2. 372

Cf., Carta datada em Lisboa em 19 de Fevereiro de 1923, enviada a todos os correligionários pela Comissão Organizadora do Congresso, Espólio António Ginestal Machado, Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio E55/1438.

373

Cf., O Século, 16-2-1923, p. 2.

reunir-se e constituir uma comissão mista provisória que se faria representar no Congresso, acrescida com algum recente correligionário do novo partido. Nas localidades onde apenas um partido estivesse organizado, a representação ao Congresso estaria a cargo dessa Comissão acrescida de elementos do outro partido e de novos correligionários. Já nas localidades onde nem um, nem outro partido tivessem organização, deveriam os nacionalistas escolher uma comissão, que poderia ter apenas 3 membros. Nos distritos onde também não houvesse organização efectiva regional dos dois partidos, “está a Comissão [organizadora do Congresso] autorizada a, de acordo com os parlamentares do distrito, [a] nomear uma comissão provisória, ou a escolher apenas um correligionário para seu representante distrital”375

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Posteriormente foram enviadas novas circulares para os indivíduos e entidades que tinham qualidade para serem admitidos no referido Congresso. Os lugares por inerência relativos a cargos desempenhados tinham um peso superior aos cargos electivos. Havia assim, uma maioria de congressistas não sufragados pelas estruturas partidárias de base376. Nalguns centros políticos e comissões políticas houve uma verdadeira eleição dos delegados ao Congresso, caso de Oeiras377, freguesia de Santa Isabel e Pena em Lisboa378 e Centros Ribeiro de Carvalho e Dr. Manuel de Arriaga379. Noutros locais foram nomeados delegados sem qualquer eleição, casos do representante da comissão política de Santos e dos Restauradores em Lisboa380. Em Valongo dado que até ao dia 9 de Março ainda não estava organizado o novo partido no concelho, reuniram as estruturas do Partido Republicano Liberal e foram estas que nomearam os seus representantes ao congresso do Partido Republicano Nacionalista381.

O I Congresso do Partido Republicano Nacionalista teve lugar no ginásio do Liceu Camões em Lisboa nos dias 17, 18 e 19 de Março de 1923. Os órgãos de informação do partido informaram os leitores que tinham sido emitidos 2100 bilhetes para o Congresso382.

A sessão inaugural do Congresso estava marcada para as 14 horas do dia 17 de Março, mas os trabalhos só se iniciaram pelas 15 horas, estando presentes cerca de 1000 pessoas383, entre as quais se contava a maioria da elite nacionalista. António Ginestal Machado subiu ao estrado e tocando uma campainha solicitou a atenção e o silêncio dos presentes. Informou que o Dr. Jacinto Nunes tinha sido convidado para presidir à primeira sessão do Congresso, mas não pode aceitar devido à falta de saúde resultante da sua avançada idade. Em seu lugar ocupou a presidência o Dr. Ramiro Guedes, outro

375 Circular do PRN datada em Lisboa a 19 de Fevereiro de 1923, enviada aos correligionários pela

Comissão Organizadora do Congresso. Espólio António Ginestal Machado, Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio E55/1438.

376 Tinham qualidade para admissão no referido Congresso:

“Antigos ministros; Membros do Directório; Antigos Membros do Directório; Senadores; Deputados; Antigos parlamentares; Governadores do Ultramar; Antigos Governadores do Ultramar; Antigos Governadores Civis; Vogais efectivos e substitutos da Comissão administrativa do PRN; 1 representante por cada comissão paroquial do PRN; 1 representante por cada comissão municipal do PRN; 2 representante por cada jornal diário do PRN; 1 representante por cada jornal semanário do PRN; 1 representante por cada centro político”. República, 23-2-1923, p. 1.

377 Anúncio da eleição dos delegados bem reunião a realizar em 3-3-1923, República, 3-3-1923, p. 2. 378 República, 7-3-1923, p. 2; 10-3-1923, p. 1; 11-3-1923, p. 1.

379 República, 14-3-1923, p. 2.

380 República, 11-3-1923, p. 1; 14-3-1923, p. 2. 381

República, 11-3-1923, p. 1.

382 Cf., República, 16-3-1923, p. 2; 18-3-1923, p.1; 20-3-1923, p. 2; Democracia do Sul, 20-3-1923, p. 1;

Diário de Lisboa, 17-3-1923, p. 4.

383

Diário de Lisboa, 17-3-1923, p. 4; República, 18-3-1923, pp. 1-2; O Século, 18-3-1923, p. 2.

republicano histórico do período da monarquia. O discurso inaugural deste congressista centrou-se na necessidade de “acabar com as velhas designações partidárias” que apenas podem levar à desordem e à anarquia. É necessário que “todos nos consideremos inabalavelmente nacionalistas”384

. António Ginestal Machado, na mesma linha, referiu- se à união dos partidos reconstituinte e liberal como um instrumento ao serviço da República. Referiu que este novo agrupamento começou a dar os primeiros passos no Parlamento com a formação do bloco das direitas que conseguiu eleger Sá Cardoso como Presidente da Câmara dos Deputados no dia 2 de Dezembro de 1922. Este novo agrupamento necessitava porém, do aval do Congresso para continuar a sua acção em prol do país. Termina solicitando que os congressistas indiquem claramente o que pretendem do novo directório que iria ser eleito. Porém, na sua opinião o partido nacionalista “não deve confundir-se com qualquer força partidária” e não necessita de “pedir licença a ninguém para ser republicano”. Necessita sim de estar coeso com as resoluções adaptadas no Congresso, dado que é nele que se “consubstancia a soberania do partido. No poder, no parlamento, onde quer que seja, todos os nacionalistas têm de seguir os ditames do seu Congresso partidário”385

.

Após ter discursado o representante do antigo Partido Republicano Liberal tomou a palavra a “outra” ala do partido na pessoa do líder do extinto Partido Republicano de Reconstituição Nacional, Álvaro de Castro, o que contrariava a ideia expressa inicialmente pelo presidente da mesa. No entanto, este orador reafirmou novamente a necessidade de se unirem em torno do novo partido e embora tenham trilhado caminhos diferentes, representam agora a vontade da Nação. Dado que este Congresso “não é um Congresso de partido; é um Congresso da Nação inteira”. E incita a audiência ao proclamar que “a República vai deixar de ser o campo de exploração de uma minoria”386

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Vários oradores relembraram os acontecimentos de 19 de Outubro e Costa Santos propôs uma moção na qual nenhum dos implicados nesses sucessos fosse admitido no Partido Republicano Nacionalista387. Esta moção acabou por não passar dado que a direcção do partido, pela voz de Álvaro de Castro, defendeu que só “aos corpos dirigentes do novo partido deverá competir a selecção das pessoas que pretendam aderir”388

, o que provocou larga discussão e alguma irritação de alguns congressistas próximos dos assassinados a 19 de Outubro. No entanto, acabou por ser aprovada uma proposta de consenso: “O Partido Republicano Nacionalista resolve não aceitar a filiação de qualquer elementos que em virtude do movimento revolucionário de 19 de Outubro tenham sido ou venham a ser condenados pelos tribunais da República”389

.

Outro tema que causou algum debate foi a posição do partido face à questão religiosa. Carlos Castro Pereira Lopes e António Correia advogaram “a maior e mais clara tolerância em matéria religiosa” e uma efectiva “aproximação às justas e legítimas aspirações dos católicos portugueses”. A ala esquerdista do partido, que conviveu durante alguns anos com o radicalismo do partido democrático em matéria religiosa, não queria ir tão longe e pela voz de Álvaro de Castro defendeu que o poder civil não podia nunca submeter-se ao poder religioso. Os primeiros contrapuseram o facto de o Partido Republicano Nacionalista, como partido nascente e que pretendia defender

384 Ramiro Guedes, República, 18-3-1923, p. 1. Cf., O Século, 18-3-1923, p. 2. 385

Ginestal Machado, República, 18-3-1923, p. 1. Cf., Diário de Lisboa, 17-3-1923, p. 4.

386 Álvaro de Castro, República, 18-3-1923, pp. 1-2. Cf., Diário de Lisboa, 17-3-1923, p. 4. 387 Costa Santos, República, 18-3-1923, p. 2; República, 20-3-1923, p. 2.

388

Álvaro de Castro, República, 20-3-1923, p. 2.

princípios de ordem, de respeito à lei, de liberdade e de tolerância, não podia esquecer os justos desejos da consciência religiosa da Nação390. Esta questão nunca ficará totalmente resolvida entre estes grupos com percursos políticos diferentes e marcará de futuro novas tensões internas.

Cerca das 22 horas iniciou-se a segunda sessão do Congresso entrando-se pela primeira vez na “ordem do dia” com a discussão da lei orgânica do partido. O Dr. Paulo Menano fez a apresentação do documento informando que este tinha já sofrido alterações por uma comissão parlamentar e pelo Directório391. Eugénio Aresta disse que o Congresso não podia discutir conscientemente a lei orgânica por falta de conhecimento dela. De facto, como reconheceu Álvaro de Castro, não foi possível fazer distribuir pelos congressistas os necessários exemplares do estatuto partidário. Este facto contribuiu para uma exígua discussão sobre este importante documento partidário. No entanto, ainda soaram algumas críticas à lei orgânica apresentada. Troncho de Melo atacou o caciquismo e não concordava com o facto de o Directório indicar às comissões políticas locais os nomes dos candidatos a parlamentares a eleger pelo partido (alínea 5.º do artigo 27.º)392. Na sua opinião a escolha dos candidatos ao Parlamento devia “ser feita directamente pelas comissões políticas, fora do despotismo do Directório”393. No entanto, estas como outras apreciações realizadas nas sessões seguintes do Congresso não foram atendidas, ficando a lei orgânica quase inalterada394. Apenas foi introduzida uma leve emenda proposta pelo Dr. Jaime Vieira no Capítulo VII, dedicado à Representação Parlamentar395.

No dia 18 de Março de 1923, realizou-se a eleição do Directório e da Comissão Administrativa. A eleição neste dia causou alguma surpresa, dado que esta estava marcada para o dia seguinte. Este facto conjugado com o aparecimento de uma única lista impressa, com a designação de lista oficial, mereceu leves reparos por parte de alguns notáveis que não faziam parte dela, como era o caso de Ribeiro de Carvalho, director do República396. Esta falta transparência também foi notada na discussão da Lei Orgânica do partido, dado que quando surgiram algumas críticas mais contundentes passou-se imediatamente à votação397. O Directório e a Comissão Administrativa do PRN tomaram posse no dia 19 de Março, tendo os antigos liberais, enquanto partido maioritário na aliança, contado com quatro membros no órgão máximo do partido e os reconstituintes com três398. As negociações entre as várias sensibilidades políticas conduziram a que a proporção de antigos membros do PRE e da UR fosse igual nos membros efectivos e substitutos do Directório do PRN, contando o primeiro partido dois elementos e o segundo um. Conforme se pode observar no Quadro I,votaram 1210

390

República, 21-3-1923, p. 1.

391 O «Estatuto ou Lei Orgânica» do partido foi aprovado na reunião do directório do dia 1-3-1923, cf., O

Século, 2-3-1923, p. 2.

392

Cf., Estatuto ou Lei Orgânica do Partido Republicano Nacionalista, Lisboa, Tipografia e Papelaria Pires & CT.ª, 1923.

393 Troncho de Melo, O Século, 18-3-1923, p. 2. 394 República, 18-3-1923, p. 2; idem, 20-3-1923, p. 2. 395

Cf., República, 20-3-1923, p. 2; O Século, 20-3-1923, p. 1.

396 Cf., República, 20-3-1923, p. 1. 397 Cf., O Século, 18-3-1923, p. 2.

398 Antigos Liberais eleitos para o Directório do PRN: António Ginestal Machado; Francisco Pinto Cunha

Leal; Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá; Raul Lelo Portela. Antigos reconstituintes eleitos para o Directório do PRN: Pedro Góis Pita; Álvaro Xavier de Castro; Júlio Dantas. Em relação aos membros substitutos do Directório do PRN a proporção de liberais e de reconstituintes mantêm-se. Antigos liberais: António Alves de Oliveira Júnior; Belchior de Figueiredo; Júlio Ernesto de Lima Duque; Paulo da Costa Menano. Antigos reconstituintes: Alberto Jordão Marques da Costa; Hélder Armando dos Santos Ribeiro; César Justino de Lima Alves. Cf., Democracia do Sul, 20-3-1923, p. 1.

congressistas, tendo António Ginestal Machado sido o mais votado, com 1209 votos logo seguido por Francisco Pinto Cunha Leal com 1202 votos. Com uma votação intermédia situaram-se Júlio Dantas com 1192 votos, Pedro Góis Pita e Raul Lelo Portela com 1152 e Álvaro Xavier de Castro com 1126 votos. O membro do Directório que viu o seu nome mais vezes cortado nas listas colocadas na urna foi Alexandre José Botelho de Vasconcelos e Sá, que obteve 1095 votos. O seu passado enquanto ministro de Sidónio Pais deverá ter influenciado alguns congressistas a não sufragar o seu nome para o Directório.

Com a união entre liberais e reconstituintes não se conseguiu fazer um simples somatório das elites e dos apoios das duas estruturas partidárias, dado que muitas personalidades se recusaram a ingressar neste novo agrupamento político. Este facto levou António Pinto Figueira e Amacio de Queiroz a proporem, no decorrer do Congresso, que se convidassem a aderir ao PRN todos os elementos de valor dos extintos partidos liberal e reconstituinte, entre os quais destacaram Carlos Olavo, Américo Olavo, Torres Garcia, Álvaro Poppe e António da Fonseca399.

Na segunda parte da ordem dos trabalhos realizou-se uma breve discussão sobre o programa partidário, dado não haver tempo suficiente para o apreciar convenientemente. António Ginestal Machado propôs apenas a análise das bases gerais do programa e que a redacção definitiva do mesmo fosse entregue ao Directório, tendo o acordo da Assembleia Consultiva e a posterior sanção duma assembleia magna. Das bases gerais do programa podemos destacar a preconização da representação de classes no Senado, a obrigatoriedade do Chefe de Estado residir num Palácio Nacional, a atribuição ao Presidente da República de um subsídio de harmonia com os interesses da sua representação e o estabelecimento do princípio da dissolução do Congresso da República como prerrogativa sua400.

No encerramento do Congresso António Ginestal Machado lançou um dos temas que se tornaram um selo de identidade do PRN: a procura de atrair para a República elementos desavindos, ou pelo menos, que estes não se coibissem de colaborar com ela, procurando assim que a «República fosse de facto para todos os portugueses»401. Júlio Dantas que elaborou a parte do programa referente ao problema pedagógico e às relações com o estrangeiro apresentou à assembleia uma síntese sobre estes dois temas. Em relação ao primeiro defendeu a “criação em bases modernas da instrução primária, secundária e superior, a autonomia universitária, a criação de museus pedagógicos, a necessidade de elevar o nível de cultura das camadas populares, o desenvolvimento do ensino técnico, agrícola e artístico, a protecção dos monumentos nacionais, o inventário do nosso património artístico, e enfim a entrega da direcção do ensino a um único ministério, com excepção das Escolas da Guerra e da Marinha”. Em relação à política externa preconizou “a permanência da aliança com a Inglaterra e o estreitamento de

399 Cf., República, 20-3-1923, p. 2; O Século, 20-3-1923, p. 1. 400 O Século, 20-3-1923, p. 1.

401 “Não concordo com a afirmação aqui feita de quem ainda não veio para a República já não virá mais.

A verdade é que se todos os que estão fora do regime, odiassem a República esta não existiria já (aplausos). Esperemos que eles confiarão em nós, republicanos, e virão coadjuvar-nos. Mal de nós se a República fosse um regime retrógrado! A missão do Directório é realizar o progresso das ideias através do campo belo da democracia. É preciso que os republicanos deixem de afirmar desde quando são republicanos, preferível será que afirmem como são partidários da República. É indispensável trazer a Nação sadia até à República. Isso é o que o Directório quer. A República tem de nacionalizar-se para n’ela caberem todos os bons portugueses. Não queremos uma República de importação; ambicionamos uma República nossa. Com o Congresso faço votos por que a República seja digna do passado da auréola sagrada que santificou a Nação e nos bendiz a todos” (António Ginestal Machado, O Século, 20-3-1923, p. 2).

relações com o Brasil e com as nações da Europa Latina”. O país deve quebrar o “isolamento em que tem vivido integrando-se nas correntes de interesse da Europa”. O PRN uma vez que esteja no poder deve encetar “uma política internacional caracteristicamente económica” e aproveitar a fatalidade da emigração para aprofundar a “nossa expansão comercial”402

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