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O Ministério Vitorino Guimarães e o abandono do Parlamento pelos nacionalistas

Quadro VI Comissão Administrativa do PRN após o II Congresso

16. O Ministério Vitorino Guimarães e o abandono do Parlamento pelos nacionalistas

O Presidente da República iniciou as tradicionais consultas prévias a várias personalidades políticas antes de indicar o nome do novo presidente do ministério. Após a queda do governo de José Domingues dos Santos havia duas possibilidades de formação de governo. A primeira era a constituição de um gabinete formado por elementos nacionalistas e democráticos, do grupo de António Maria da Silva, e alguns independentes. A segunda era a formação de um gabinete do bloco (democráticos, accionistas e independentes). Colocava-se como hipótese para chefiar o primeiro, António Ginestal Machado ou Tomé de Barros Queirós, tendo António Maria da Silva como ministro das finanças e o segundo, chefiado por Vitorino Guimarães, apoiado pelo bloco (democráticos, accionistas e independentes). A primeira hipótese era mais difícil de se concretizar1002, pois os nacionalistas, aparentemente, davam mostras de não querer fazer parte de um governo de concentração1003, embora algumas fontes jornalistas tenham dado informações de que esta possibilidade foi bem acolhida por alguns nacionalistas e por homens próximos de António Maria da Silva, e que se iniciaram contactos1004. O grupo parlamentar do PRP, muito dividido, debateu intensamente as várias possibilidades, acabando por indicar ao Presidente da República, o nome de Vitorino Guimarães para a chefia do ministério1005. Os accionistas pela voz de Carlos Olavo e Álvaro de Castro declararam o seu apoio ao governo de Vitorino Guimarães desde que continuasse a obra financeira iniciada pelo governo de Álvaro de Castro e

1001 Teixeira Gomes, Diário de Lisboa, 13-2-1925, p. 8. Cf., António José Sousa Monteiro de Queirós, A

Esquerda Democrática e o final da Primeira República, volume I, Tese de Doutoramento, Faculdade de

Letras da Universidade do Porto, 2006, pp. 126-129.

1002 Questionado sobre se a sucessão do governo de José Domingues dos Santos recairia nos nacionalistas,

Pina de Morais (ala esquerdista do PRP) disse o seguinte:

“- Custa-me a acreditar. Os nacionalistas têm cometido grandes erros. É um partido pouco robusto... - Uma situação nacionalista-democrática...

- Talvez” Embora tivesse reiterado que nesse caso teriam a oposição de uma parte dos democráticos. Pina de Morais, Diário de Lisboa, 11-2-1925, p. 5.

1003 Os nacionalistas pela voz de Pedro Pitta defenderam que o poder lhe devia ser atribuído. Mas apenas

“por inteiro. Nada de governos de concentração” [Diário de Lisboa, 11-2-1925, p. 8]. Facto reafirmado por António Ginestal Machado, que no dia em que decorriam as negociações para a formação do governo, afirmou o seguinte: estamos “prontos para tomar conta do poder”, mas “sozinhos” [idem, 12-2-1925, p. 8].

1004

Cf., Diário de Lisboa, 12-2-1925, p. 8; idem, 19-2-1925, p. 8.

concedesse como era habitual, duas pastas aos accionistas. Assim poderia continuar a obra do “bloco”1006

.

A constituição do novo governo foi demorada e difícil, especialmente no tocante a garantir o apoio dos «bonzos» do PRP1007. Chegou-se a temer que Vitorino Guimarães não conseguisse formar governo, mas no dia 15 de Fevereiro, depois de cinco dias de crise ministerial, constitui-se o quarto «governo do bloco», agora numa versão intermédia entre o governo «bonzo» de Rodrigues Gaspar e o governo «esquerdista» de José Domingues dos Santos. A distribuição de forças mantinha-se, ficando os accionistas com duas pastas1008, os independentes com uma1009 e os democráticos com as restantes. O governo de Vitorino Guimarães pretendia “aproveitar os materiais que os seus antecessores com energia, êxito e fé laboriosamente prepararam e lhe legaram”1010

. Este facto deixava desesperados os nacionalistas, em particular no tocante às opções políticas do último governo, que tinha considerado os nacionalistas como estando ao lado dos exploradores. Cunha Leal esclareceu que os nacionalistas não podem ser acusados de estarem vendidos às forças económicas: “Nós não queremos predomínio de uma classe sobre as outras. O que o partido nacionalista defende e defenderá, [...] [consciente] dos seus deveres e da justa interpretação da palavra democrática [...] é o equilíbrio social. [...] Defendemos no Parlamento o país contra os processos violentos e ilegais por que um governo se julgou ligado à causa da República e do Povo. Somos contra qualquer predomínio, e folgo em o dizer em público: contra o predomínio das forças económicas, contra o predomínio das forças exaltadas do operariado”. E realçou o facto de quando o PRN saiu em defesa das forças económicas estava a defender a própria democracia, uma vez que estava a defender os direitos que as leis e os contratos consagram. O PRN defendeu os seus direitos “que são os direitos dos portugueses”. Quanto à opção do Presidente da República entregar novamente a chefia do ministério a um democrático, Cunha Leal não podia ser mais claro: “Até aqui Teixeira Gomes era presidente do partido democrático. Agora é presidente de uma facção deste partido. [...] O Chefe de Estado segue servilmente as indicações do grupo do jornal O Mundo”1011. Os nacionalistas sentiam-se especialmente ofendidos por ao fim de três reveses da política do «bloco», materializada em três claras posições da Câmara dos Deputados contra essa política, o Presidente da República voltasse a insistir na mesma solução, não incluindo nela os nacionalistas. Sentiam-se, por isso, traídos pelo Presidente da República, uma vez que a minoria vencida pela moção do deputado «democrático independente», Agatão Lança, foi chamada novamente ao Poder. Um membro do Directório do PRN, não identificado, disse o seguinte a um jornal da capital: “Estamos em presença de uma ditadura do Parlamento, favorecida e defendida publicamente pelo Presidente da República”. O grupo parlamentar do PRN sentia-se esmagado pela “força do número” do Parlamento e “pela força das tendências expressas pelo Sr. Teixeira Gomes”1012. Os nacionalistas consideravam que lhe tinham sido “vedados os meios

1006 Carlos Olavo, Diário de Lisboa, 13-2-1925, p. 8; Álvaro de Castro, Diário de Lisboa, 14-2-1925, p. 5. 1007 Cf., Diário de Lisboa, 13-2-1925, p. 5; idem, 14-2-1925, p. 8.

1008

Ministros do Grupo Parlamentar de Acção Republicana: Ângelo de Sá Couto da Cunha Sampaio Maia, Ministro do Trabalho e Rodolfo Xavier da Silva, Ministro da Instrução. Vejam-se as declarações de Carlos Olavo e de Álvaro de Castro sobre a participação do Grupo Parlamentar de Acção Republicana no governo Vitorino Guimarães: Diário de Lisboa, 13-2-1925, p. 5 idem, 14-2-1925, p. 5.

1009 Fernando Augusto Pereira da Silva assumiu a pasta da Marinha, enquanto ministro independente. 1010

Vitorino Guimarães, Diário da Câmara dos Deputados, 18-2-1925, p. 5. Vejam-se as declarações de Vitorino Guimarães na tomada de posse como Ministro das Finanças, reafirmando que iria continuar a obra do ministro anterior: Diário de Lisboa, 16-2-1925, p. 4.

1011

Cunha Leal, Diário de Lisboa, 13-2-1925, p. 4.

constitucionais, não só de governo, como de intervir com isenção e elevado espírito republicano na vida do parlamento”1013

.

A estratégia a seguir foi intensamente debatida pelo grupo parlamentar e pelo directório nos dias 16 e 17 de Fevereiro de 19251014. Os nacionalistas reuniram no edifício da Lucta para decidiu o que fazer. Em cima da mesa estava a continuação da política de oposição violenta, sistematicamente obstrucionista, que tinha contribuído para a queda do anterior governo, ou o abandono do Parlamento pelos deputados e senadores nacionalistas. Alguns parlamentares chegaram a lançar a ideia de o PRN convidar o Chefe de Estado a resignar, mas esta moção não foi aprovada1015. Os nacionalistas acusaram também o Presidente da República por não ter cumprido todos os preceitos constitucionais, pois segundo eles, Vitorino Guimarães teria sido convidado a formar governo antes de serem ouvidos todos os grupos parlamentares1016. A posição de abandonar o Parlamento foi defendida numa moção apresentada por Cunha Leal que acabaria por sair vencedora1017. A decisão tomada pelas mais altas instâncias do PRN foi colocada em prática durante a apresentação do governo Vitorino Guimarães na Câmara dos Deputados. Cunha Leal foi o porta-voz da indignação dos nacionalistas. Para o líder parlamentar do PRN não havia justificação para a constituição daquele governo, tanto mais que se sustentava na política do governo anterior, que tinha merecido a censura do Parlamento, pelo que apresentou nova moção de desconfiança. O outro enfoque da crítica nacionalista dirigia-se ao Presidente da República, por este não ter indagado “se da maioria, que triunfara contra o governo, poderia sair um novo Ministério” e se o Partido Republicano Nacionalista “queria ir para uma concentração”. Por isso, considerava que a chamada deste governo era uma bofetada do Presidente da República ao PRN, por este partido ter votado o seu nome com listas brancas, durante a última eleição presidencial. Teixeira Gomes estava a empurrar o PRN para a arruaça ou até para uma revolução. Mas o PRN, enquanto partido de ordem, iria “manter-se dentro do critério estrito da legalidade”, ainda que isso levasse ao “seu próprio achincalhamento”1018

. Por último, informou os deputados que os nacionalistas iriam abandonar os trabalhos parlamentares, uma vez que “não queremos intervir na vida dum parlamento, cujos votos são superiormente desrespeitados. Está-se a viver numa ditadura disfarçada”1019

. Às dezoito horas do dia 18 de Fevereiro de 1925 os deputados nacionalistas abandonam a sala da Câmara dos Deputados, enquanto o deputado democrático, Almeida Ribeiro apresentava uma moção de confiança ao governo. Os

1013 Diário de Lisboa, 17-2-1925, p. 5.

1014 Cf., Diário de Lisboa, 16-2-1925, p. 8; idem, Diário de Lisboa, 17-2-1925, p. 5 e 8. 1015

Diário de Lisboa, 16-2-1925, p. 5; idem, 17-2-1925, p. 5.

1016

Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães escreveu a António Ginestal Machado para esclarecer esta acusação e para lamentar o abandono do Parlamento por parte do PRN. Veja-se a versão dos factos apresentada pelo Presidente do Ministério: “Quando com o Sr. Dr. Catanho de Meneses estive na Presidência da República, pelas 17 horas no dia 13 do corrente, fizemo-lo num simples dever de cortesia, informando o Sr. Presidente da República que aguardávamos o fim da reunião do agrupamento político que representávamos para formularmos a opinião a apresentar de harmonia com o que resolvido fosse. Quando pelas dez horas daquele mesmo dia, ouvidas já os Srs. Presidentes das duas Câmaras do Congresso e os representantes de todos os agrupamentos políticos republicanos com uma representação parlamentar, de novo voltamos à Presidência da República, então e só então é que o Exmo. Sr. Presidente da República manifestou o desejo de me encarregar de presidir ao novo Ministério, o que seguidamente vim declara ao grupo político a que pertenço” […] Gostaria de esclarecer o mal entendido para diminuir as razões que presidiram às resoluções tomadas pelo PRN. Vitorino Guimarães”. Carta de Vitorino Máximo de Carvalho Guimarães para António Ginestal Machado, datada em Lisboa em 24-2-1925, Espólio António Ginestal Machado, Biblioteca Nacional de Portugal, Espólio E55/884

1017 Diário de Lisboa, 17-2-1925, p. 8. 1018

Cunha Leal, Diário da Câmara dos Deputados, 18-2-1925, pp. 5-12.

senadores nacionalistas seguiram a mesma estratégia, abandonando o Senado no dia 3 de Março, após a apresentação da declaração ministerial de Vitorino Guimarães. Coube a Augusto de Vasconcelos, líder nacionalista no Senado, a defesa da posição do seu partido1020.

Os nacionalistas preocuparam-se em explicar ao país as razões da sua saída do Congresso, publicando um manifesto em vários jornais da sua confiança política, datado no dia em que os senadores abandonaram o Parlamento1021. Em primeiro lugar sublinharam o rol de queixas face à atitude do chefe de Estado na formação dos governos desde o 10 de Dezembro de 19231022. O Partido Republicano Nacionalista tinha dado um contributo decisivo para a queda dos últimos três governos, mas não tinha conseguido derrotar a política que os movia, uma vez que o Chefe de Estado chamava sempre a mesma linha política para o governo, esquecendo-se sistematicamente dos republicanos conservadores. Estando banido da governação e limitado na sua acção no Parlamento, ao PRN apenas lhe restava abandonar o Congresso: “Contra esta ditadura de facções – a pior das ditaduras! – apoiada na rua por toda a espécie de agitadores, favorecida em Belém pela condescendência do primeiro magistrado na Nação, não há – pelo menos nesta hora – maneira de lutar no campo constitucional. Por isso os deputados e senadores nacionalistas abandonaram o Parlamento. Porque verificaram, finalmente, que o seu partido tinha sido posto à margem do regime”. O país encontrava-se numa encruzilhada, tendo de decidir se era “pela desordem, ou pela ordem”. A Nação podia esperar dos nacionalistas uma política que defendia a legalidade, a justiça, “a boa e sã política republicana, que não especula com os ódios e com as paixões populares”. Fora do Parlamento o PRN aguardava “serenamente a sua hora!”1023

. Na semana seguinte, durante a apresentação do relatório do Directório ao Congresso do PRN, a saída dos deputados e senadores nacionalistas do Parlamento teve uma explicação ainda mais crua: “Os parlamentares do nosso partido abandonaram os trabalhos das suas Câmaras” devido à “ditadura parlamentar, a pior de todas as ditaduras, que há tempo vem sendo feita; e por outro lado, o afastamento do Poder, continuado e sistemático, do PRN – tornavam absolutamente inútil, na verdade, a acção dos nossos parlamentares. Com efeito, arrancada ao Parlamento uma autorização ao Poder Executivo para legislar sobre câmbios, dessa autorização têm usado e, abusado os governos que ultimamente se têm sucedido no Poder. Absolutamente esgotada, nos termos expressos da Constituição, essa autorização que o primeiro uso inutilizou; ela tem servido para legislar sobre câmbios e até sobre matéria que, com os câmbios, nada têm que ver. Sempre a voz dos representantes nacionalistas se ergueu a protestar contra os abusos praticados; mas sempre também o número vence a nossa razão”. O directório considerava que a luta que os deputados e senadores nacionalistas tinham travado era a maior luta parlamentar desde a implantação da República, uma vez que “os nossos parlamentares conseguiram derrubar sucessivamente três governos”. Assim sendo, consideravam que tinham o direito de governar quando derrubaram o primeiro; mas só

1020 Diário de Lisboa, 3-3-1925, p. 8. 1021

“Manifesto do Partido Nacionalista ao País”, O Figueirense, 5-3-1925, p. 2; Notícias de Viseu, 7-3- 1925, p. 1; O Marão, 8-3-1925, p. 1-2; O Debate, 8-3-1925, p. 1; Gazeta de Viana, 12-3-1925, p. 3. Este Manifesto foi datado a 3 de Março de 1925, na Sala das Sessões.

1022 “Desde 10 de Dezembro de 1923, dir-se-á que o Sr. Presidente da República tem tido a preocupação

de resolver todas as crises ministeriais, ou «contra o Partido Nacionalista», ou – o que equivale – como se este partido não existisse”, “Manifesto do Partido Nacionalista ao País”, O Figueirense, 5-3-1925, p. 2;

Notícias de Viseu, 7-3-1925, p. 1; O Marão, 8-3-1925, p. 1-2; O Debate, 8-3-1925, p. 1; Gazeta de Viana,

12-3-1925, p. 3.

1023

“Manifesto do Partido Nacionalista ao País”, O Figueirense, 5-3-1925, p. 2; Notícias de Viseu, 7-3- 1925, p. 1; O Marão, 8-3-1925, p. 1-2; O Debate, 8-3-1925, p. 1; Gazeta de Viana, 12-3-1925, p. 3.

viram “formar-se outro, para fazer a política que tinha sido condenada e derrubada! Sucedeu o mesmo com o segundo, e não foi diversa a situação quando” derrubaram o terceiro. Face ao exposto concluíam o seguinte: “a paciência esgotou-se. Os nossos esforços eram inúteis, a nossa acção era, pelo menos sem finalidade”1024.

17. O ingresso dos presidencialistas no Partido Republicano

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