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A Redenção em Relação ao Pecado

Coisas Realizadas por Cristo em seu Sofrimento e Morte

III. A Redenção em Relação ao Pecado

Isto está intimamente relacionado com as divisões W, sobre a reconciliação, e V, sobre a propiciação, que se seguem. Estas são as três doutrinas nas quais o valor da morte de Cristo é reconhecido como algo que alcança os não-salvos. Outras doutrinas relacionadas ao valor da morte de Cnsto para os homens - perdão, regeneração, justificação, santificação - são restntas no sentido em que elas contemplam a morte somente em sua relação aos que crêem. Contudo, a tnlogia - redenção, reconciliação e propiciação — é singular no sentido em que estas partes, pelas quais ela é constituída, se estendem aos benefícios tanto para os salvos quanto para os não-salvos. Os benefícios essenciais que resultam dessas realidades para o cristãos, serão considerados à medida que as doutrinas forem estudadas separadamente.

Por outro lado, quando a verdade em cada uma dessas três doutrinas é relacionada aos não-salvos e é examinada e separada, e essas três porções separadas são combinadas em um conjunto inter-relacionado de verdade, o resultado é uma declaração de tudo que faz parte daquilo que é chamado de a obra consumada de

Cristo. Este termo é derivado das palavras de Cristo sobre a cruz, a saber: "está consumado" (Jo 19.30). Não há uma referência da parte de Cristo de que essas

palavras significavam que sua própria vida, serviço ou sofrimento chegavam à sua consumação. Ao contrário, um empreendimento específico entregue a Ele pelo Pai, que não poderia ter começado até que Ele estivesse na cruz, foi consumado. É verdade que o Pai lhe havia dado uma obra para fazer em seus três anos e meio de ministério. A isto é feita uma referência nas palavras: "Disse-lhes Jesus: A minha comida é fazer a vontade daquele que me enviou, e completar a sua obra" (Jo 4.34); "Mas o testemunho que eu tenho é maior do que o de João; porque as obras que o Pai me deu para realizar, as mesmas obras que faço, dão testemunho de mim que o Pai me enviou" (Jo 5.36).

Em contraste a isto, uma obra específica foi confiada ao Salvador que começou com os sofrimentos da sua cruz e terminou com a sua morte. E a isto que as palavras "está consumado" se referem. Dessda mesma obra salvadora da cruz o Salvador, em sua oração sacerdotal falou, quando disse: "completando a obra que me deste para fazer" (Jo 17.4). Que Ele podia falar assim de uma

obra que não tinha ainda começado naquela altura, é explicado pelo fato de que o discurso total do Cenáculo, inclusive a oração sacerdotal, foi datado por Cristo na sua relação com a cruz, com a ressurreição, ascensão, e o advento do Espírito Santo, como se esses eventos importantes já fossem alguma coisa realizada. O que foi operado na cruz, e terminou quando Ele morreu, será descoberto somente através de uma investigação daquilo que estava incluso em sua redenção, reconciliação e propiciação.

A redenção é um aspecto da morte de Cristo sobre a cruz, que é ligado ao pecado e restrito em seu significado. Neste trabalho, a redenção será tratada nesse significado bíblico e específico e não como os modernos teólogos têm empregado o termo, como uma representação de tudo que Cristo operou em seu sofrimento e morte. A obra de Cristo sobre a cruz é muitíssimo grande para ser estudada sob qualquer ângulo dela. Essa obra em sua totalidade poderia bem ser apresentada tanto pelo ter reconciliação quanto propiciação ou redenção. Nenhuma dessas ideias, ou as três juntas, poderia servir para indicar em sua plenitude um tema tão vasto. Talvez, o uso livre da palavra

redenção, para representar a obra total da salvação de Cristo, seja devido, muito

frequentemente, a uma falha em compreender tudo o que Ele operou.

Tal restrição é manifesta quando os homens falam de uma redenção limitada, como se a obra de Cristo sobre a cruz fosse restnta e exaurida com relação ao seu valor, e sua morte pelos eleitos que compõem a Igreja. Não somente é o valor de sua morte ilimitado para a Igreja ou mesmo para a humanidade, visto que ela alcança as esferas angelicais, mas seria tão razoável falar de sua obra como uma reconciliação

limitada, ou uma propiciação limitada, ou chamá-la de redenção limitada. O

estudante deve se precaver contra qualquer suposição de limitação relativa ao valor da morte de Cristo. Será visto que, conquanto Cristo tenha morrido pelos eleitos que compõem a Igreja — e ao menos cinco aspectos do valor de sua morte estão relacionados ao Seu corpo — é dito muito claramente que Ele morreu por Israel como um povo distinto, por um julgamento sobre os anjos caídos, por uma purificação do céu, e pelo cosmos todo. A falácia da chamada redenção limitada será ainda examinada em divisões posteriores desse tema geral.

A redenção é u m ato de Deus ter pago, Ele próprio, um resgate pelo pecado humano que a santidade e o governo ultrajados de Deus requerem. A redenção ocupa-se da solução do problema do pecado, como a reconciliação ocupa-se da solução do problema do pecador, e a propiciação ocupa-se do problema do Deus ofendido. Todas são infinitamente importantes e todas são requisitos para a análise da totalidade da doutrina da obra consumada de Cristo - uma obra consumada, na verdade, a ponto da perfeição divina. Embora as partes de uma completem o todo, esses grandes temas nunca são tratados como sinónimos. O caráter específico de cada u m é óbvio.

A redenção proporcionada para o pecador, que é oferecida a ele, é uma redenção do pecado, cujo estado, de acordo com a Bíblia, é o de servidão concernente à libertação do preço a ser pago e do poder a ser exercido na libertação do escravo. A redenção divina é pelo sangue - o preço de resgate — u m tipo de escravidão ao pecado. Israel foi redimido pelo sangue do cordeiro

A REDENÇÃO EM RELAÇÃO AO PECADO

sacrificial, e, pelo poder todo-poderoso, foi retirado da escravidão e colocado em Uberdade. Esta ordem nunca é revertida no tipo ou no antítipo.

A doutrina da redenção do Antigo Testamento diz respeito, no seu uso principal, a uma nação redimida; portanto, o tema está sugerido em todas as Escrituras judaicas. Êxodo é o livro da redenção e Rute é uma descnção típica do Redentor-parente. A palavra hebraica gã 'ai serve para expressar o pensamento da redenção — o ato de libertar através de um pagamento de resgate. A coisa resgatada poderia ser uma pessoa ou uma terra (Lv 25.25, 47, 48). Certas exigências, que eram altamente típicas, foram impostas sobre aquele que redimiria:

(a) Ele deve ser u m parente. Este aspecto da verdade conduz ao significado do título Redentor-parente, e é uma exigência básica que o Filho de Deus trouxe do céu para a terra e tornou necessária a encarnação para que Ele pudesse ser um perfeito Redentor-parente.

(b) O gã'al individual deve também ser capaz de redimir. O preço, em qualquer que possa ser o caso, foi pago por aquele que redimiu. Essa exigência era imperativa no tipo, assim como no antítipo. Cristo sozinho pôde pagar o preço da redenção — o sangue de um Cordeiro santo, sem mancha e sem defeito. O sangue de u m homem, especialmente de uma raça caída, não seria suficiente. Ele deve ser o sangue de Deus (cf. At 20.28).

(c) O gã 'ai individual tinha de ser livre da calamidade que havia caído sobre o que estava para ser redimido. Neste particular, Cristo, o antítipo, estava livre tanto da natureza pecaminosa quanto da prática do pecado.

(d) Aquele que redimiria tinha de estar desejoso de redimir. Este aspecto Cristo cumpriu perfeitamente. Boaz no livro de Rute é assim u m ga 'ai individual e o tipo de Cristo divinamente providenciado para a redenção.32

No Novo Testamento, três palavras gregas diferentes são usadas para traduzir

redimir e redenção, e as distinções que elas estabelecem são naturalmente

perdidas para o leitor da Bíblia no vernáculo dele. Essas palavras são:

(1) àyopá^w, que significa comprar no mercado. Aqui, a verdade essencial aparece, a fim de mostrar que os não-salvos são escravos do pecado — "vendidos sob o pecado" (Rm 7.14), dominados por Satanás (1 Co 12.2; Ef 2.2), condenados (Jo 3.18; Rm 3.19; Gl 3.10). Seja quem for que os redima, deve tomar o lugar do escravo, deve ser feito maldição por ele, e derramar seu sangue como preço de resgate da redenção

(Mt 20.28).

2) è£ayopá£tú, que significa comprar no mercado. Esse é um avanço distinto sobre dyopá£w, que sugere não mais do que o pagamento do preço exigido. A adição de è£ supre o pensamento acrescentado de remover ou retirar. Assim, uma pessoa removida [do mercado] nunca mais retornará ao lugar de escravidão e exposta junto ao lote de escravos.

(3) XuTpów, que indica que o redimido é desatado e libertado. A redenção, em seu significado mais pleno, como é apresentado por essa palavra, é a segurança de que Cristo meramente não transferiu a escravidão de u m escravo de u m senhor para outro; Ele comprou com objetivo de torná-lo livre. Cristo nunca vai querer escravos indispostos como servos. Tudo isso é tipicamente

antecipado em Êxodo 21.1-6 (cf. Dt 15.16, 17). U m escravo liberto por seu senhor era totalmente liberto; mas ele podia voluntariamente permanecer com o seu senhor, a quem ele amava. O novo relacionamento voluntário era selado pelo furo que o senhor fazia na orelha do escravo. Assim, de acordo com o tipo, o cristão era liberto, mas era privilegiado de ligar-se totalmente ao que o redimira. Disto, o apóstolo disse: "Rogo-vos pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus" (Rm 12.1, 2).

De igual modo, Cristo, do seu lado humano, foi o perfeito exemplo de fazer voluntariamente a vontade de outro. De acordo com o Salmo 40, citado em Hebreus 10.5-7, e considerado o selo do escravo voluntário, Cristo disse: "Sacrifício e oferta não desejas; abriste-me os ouvidos; holocausto e oferta de expiação pelo pecado não reclamaste. Então disse eu: Eis aqui venho; no rolo do livro está escrito a meu respeito: Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua lei está dentro do meu coração" (SI 40.6-8). A frase "abriste- me os ouvidos" pode ser traduzida "meus ouvidos tu tens perfurado", e uma referência evidentemente é feita à provisão registrada em Êxodo 21.1-6. Ele é em cada aspecto — tipo e antítipo - o servo que cede.

Portanto, deve ser observado que a doutrina da redenção mostrada pelos termos usados no Novo Testamento é um cumprimento completo da verdade mostrada em sombras no Antigo Testamento, de que há u m sentido em que o preço é pago, mas o escravo não é necessariamente liberto - que é o estado de todos por quem Cristo morreu que ainda não são salvos — e que, por uma realização mais profunda e abundante da redenção, o escravo pode ,ser solto e liberto — que é o estado de todos que são salvos. A relação dos não-salvos com a verdade de que, pela sua morte, Cristo pagou o preço do resgate, é crer no que está declarado como verdadeiro. A relação dos salvos com a verdade de que, por sua morte, Cristo os liberta, é reconhecer essa liberdade maravilhosa e, então, pela rendição de si mesmo, tornarem-se escravos voluntários do Redentor.