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THAXTON; BRADLEY; OLSEN, 194.

No documento Embates em torno do Estado laico (páginas 135-138)

O CRIACIONISMO BRASILEIRO SE INSTITUCIONALIZA

8 THAXTON; BRADLEY; OLSEN, 194.

Foundation for Thought and Ethics (FTE) – o livro enfoca os supostos problemas

teóricos da evolução e a impossibilidade da origem de algumas estruturas biológicas poderem ser explicadas por meio de causas naturais. Estruturas biológicas extremamente complexas não poderiam aparecer a partir de processos unicamente materiais, mas deveriam ser o resultado da ação de alguma “inteligência” ou “força”, cuja natureza evitava-se mencionar.

Na verdade, não se trata de nenhum argumento novo, sendo uma reedição do argumento do teólogo do século XIX, William Paley, que afirmava que a existência de Deus poderia ser comprovada através da complexidade encontrada na natureza (SOUZA, 2009). Paley explicava tal fato usando a analogia de um relógio encontrado em um descampado. Claramente a sua existência era uma prova – através de sua intrincada estrutura de inúmeros componentes funcionais interligados de modo ordenado – da existência de um

design (desenho), e por consequência, de um designer (projetista, arquiteto), o

relojoeiro que o havia montado. Do mesmo modo, a presença de uma estrutura com tamanha complexidade como o olho humano não poderia ser explicada recorrendo-se apenas a processos naturais.

Buscando uma vez mais entrar no sistema de educação pública norte-americano, os criacionistas, capitaneados agora pelos proponentes do desenho inteligente, não demoraram a preparar seu próprio livro didático, desta vez recomendado para ser usado como livro texto suplementar para alunos do Ensino Médio. Lançado em 1989, Of Pandas and People: The Central Question of Biological

Origins9 (Sobre Pandas e Pessoas: A Questão Central das Origens Biológicas),

também sob a égide da FTE, foi o primeiro livro a empregar explicitamente o termo “desenho inteligente” em suas versões finais. Todas as versões originais que continham referências ao criacionismo foram substituídas em edições posteriores pela nova designação logo após uma nova derrota jurídica em 1987 (Edwards v

Aguillard)10, demonstrando claramente a vinculação entre o Desenho Inteligente e o Criacionismo Científico (BRANCH; SCOTT, 2009). Em algumas páginas essa substituição ficou claramente evidente em virtude de uma falha. Nessas páginas, ao substituir a palavra “creationists” (criacionistas) por “design proponents” (proponentes do desenho), apareceu a designação “cdesign proponentsists”, um híbrido sem qualquer sentido que certamente escapou ao revisor mas que demonstra inequivocamente a operação realizada (FORREST; GROSS, 2004). Embora o uso do livro tenha sido em um primeiro momento aprovado em alguns estados como resultado da ação de grupos de pressão sobre os comitês escolares 9 DAVIS, KENYON, 1989.

10 CORNELL. Supreme Court. Edwards v. Aguillard, No. 85-1513, 10 dec. 1986. Disponível em: <https://www.law.cornell.edu/supremecourt/text/482/578>. Acesso em: 03 jun. 2018.

locais, após sucessivas batalhas jurídicas seu destino não foi muito diferente do de seus antecessores (SCOTT; MATZKE, 2007; BRANCH; SCOTT, 2009). A maior de todas essas ações e a primeira a chegar à Suprema Corte Federal de Justiça envolvendo o Desenho Inteligente, ocorreu em 2005 na Pensilvânia. Nela, Tammy Kitzmiller e dez outros pais moveram uma ação contra o Conselho Escolar de Dover, (Tammy Kitzmiller et al vs Dover Area School District)11 diante da sua decisão de obrigar as escolas do distrito a lerem uma declaração de quatro parágrafos antes das aulas de Biologia. Essa declaração afirmava que a evolução era apenas uma teoria que deveria ser criticamente analisada e introduzia o desenho inteligente como teoria alternativa, recomendando a leitura de Of Pandas and People para maiores esclarecimentos a respeito do desenho inteligente e das falhas na teoria evolutiva (MCCARTHY, 2006; BRANCH; SCOTT, 2009). John Jones III, o juiz do caso, proferiu a sentença na qual considerou o desenho inteligente como uma forma de criacionismo que, por essa razão, não merecia espaço nas salas de aula das escolas públicas norte-americanas (SCOTT, 2006). O movimento ganhou novo impulso com a publicação em 1991 da obra Darwin on Trial (Darwin no Banco dos Réus), pelo advogado Phillip Johnson, que viria a ser um dos maiores ideólogos do movimento, seguida em 1996 pelo livro Darwin’s Black Box: The Biochemical

Challenge to Evolution (A Caixa Preta de Darwin: o Desafio Bioquímico à

Evolução), do bioquímico Michael Behe12. Ambos foram publicados no Brasil, o primeiro dos quais por uma editora evangélica.

Com a participação de outras figuras acadêmicas, o movimento cresceu, transferindo sua sede para uma nova instituição não vinculada diretamente a atividades religiosas, o Discovery Institute, uma organização conservadora voltada à promoção de ideias relacionadas ao livre mercado e às liberdades individuais. No interior dessa organização, em 1996, a partir de doações que chegaram a cerca de US$ 1 milhão, feitas principalmente por lideranças fundamentalistas, o movimento iniciou o que viria a ser o seu projeto mais ambicioso, a partir da fundação do Center for Renewal of Science and Culture (CRSC): realizar o que designou como uma verdadeira “renovação cultural” na sociedade norte-americana, substituindo o que consideram como o seu materialismo filosófico por uma orientação religiosa teísta, especialmente cristã (SCOTT, 2004). Em 2002 a palavra “renewal” foi retirada do seu nome, que assim passou a ser Center for Science and Culture (CSC), provavelmente para assumir um aspecto mais secular (SCOTT; MATZKE, 2007).

11 PENNSYLVANIA. COURT. Kitzmiller v. Dover Area School Dist., 400 F. Supp. 2d 707 (M.D. Pa. 2005), 20 dez. 2005. Disponível em: <https://law.justia.com/cases/federal/ district-courts/FSupp2/400/707/2414073/>. Acesso em: 03 jun. 2018.

No Brasil, apostando na “pluralidade de pontos de vista”, a Universidade Presbiteriana Mackenzie iniciou em 2008 a realização do evento “Simpósio Internacional Darwinismo Hoje”13 com sua quarta edição realizada em 2012. Em todas as edições do simpósio a organização do evento optou por apresentar como distintos os pontos de vista evolutivo, criacionista e do desenho inteligente, procurando simultaneamente contestar a explicação evolutiva e se distanciar do criacionismo convencional. Todas as edições contaram com a participação de figuras internacionais de destaque do Desenho Inteligente, como o Prof. Dr. Paul Nelson, filósofo pela Universidade de Chicago e membro da instituição conservadora cristã Center for Science and Culture (CSC), bem como da International Society for Complexity, Information and Design e representante da vertente do Criacionismo da Terra Jovem no interior do Desenho Inteligente; do Prof. Dr. Stephen C. Meyer, filósofo da ciência que foi um dos fundadores do Discovery Institute e do CSC e, na mais recente edição do evento, que ocorreu de 22 a 24 de outubro de 2012, do Prof. Dr. Michael Behe. Essa parceria com os membros do Desenho Inteligente resultou na criação em 2018 do Núcleo de Pesquisa em Ciência, Fé e Sociedade Discovery-

Mackenzie que, de acordo com sua página na internet,

[...] promove estudos científicos focados em complexidade e informação na busca de evidências que apontem para a ação de processos naturais ou design inteligente na natureza, explorando as implicações dessas descobertas para a relação entre ciência e sociedade, incluindo a fé.14

Palestras sobre o desenho inteligente ou outras formas de criacionismo também foram ministradas em universidades públicas estaduais e federais ao longo dos últimos anos. Em alguns casos as mesmas foram canceladas diante de protestos de parte da comunidade acadêmica. Uma pequena lista é apresentada a seguir: Universidade Federal de Viçosa (“I Ciclo de Palestras sobre Criacionismo”, 2001); Universidade Estadual do Norte Fluminense (“Teoria do Desenho Inteligente”, Prof. Adauto Lourenço); Universidade Federal de Minas Gerais (“A Vida e o Universo: Um Grande Acidente ou Design Inteligente?”, Prof. Marcos Eberlin); Universidade Federal do Rio Grande do Norte (“Como Tudo Começou?”, Prof. Adauto Lourenço, 2009); Universidade Federal de Minas Gerais (“A Origem da Vida”, Prof. Marcos Eberlin; Universidade Federal de Mato Grosso (“Design- Inteligente x Darwinismo”, Marcos Eberlin, 2013); Universidade Federal do Ceará (“Design Inteligente: Ciência ou Religião?”, Jonathan Wells, membro 13 ULTIMATO ONLINE. Simpósio Internacional Darwinismo Hoje. 10 mar. 2008. Disponível em: <http://www.ultimato.com.br/conteudo/simposio-internacional-darwinismo- hoje>. Acesso em: 03 jun. 2018.

No documento Embates em torno do Estado laico (páginas 135-138)