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CAPÍTULO 3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E EDUCAÇÃO NA

3.1 Origens da UFSCar e de sua extensão universitária

3.1.4 A década de 2010

A presente década tem sido momento de novas configurações da universidade, sobretudo nos últimos anos, em decorrência das transformações políticas do país, com a retomada e aceleração das normativas neoliberais. Os processos de globalização das

instituições universitárias, organizadas conforme as diretrizes das World Class

Universities, voltam a ser percebidos sem nunca terem deixado de estar presentes.

Queremos destacar que alguns princípios do novo modelo universitário parecem ter sido incorporados também pela UFSCar, como foi possível verificar através da análise dos documentos institucionais.

O Estatuto da Universidade Federal de São Carlos foi renovado recentemente, incorporando resoluções de 2011 e 2013 (UFSCAR, s/d). As alterações implementadas desde a década precedente, com a estruturação de órgãos colegiados, buscam ampliar a representatividade da comunidade acadêmica nos processos de decisão da universidade. Ressaltamos, porém, do documento, a formulação dada à temática da extensão:

Art. 79. A Universidade contribuirá, através de atividades de extensão, para o desenvolvimento socioeconômico, científico e cultural da sociedade.

Art. 80. A extensão poderá alcançar o âmbito de toda a coletividade ou dirigir-se a pessoas e instituições públicas ou privadas, abrangendo diversas atividades que serão realizadas no cumprimento de projetos específicos.

Art. 81. As atividades de extensão serão desenvolvidas tendo em conta o previsto no Regimento Geral das Atividades de Extensão da UFSCar.

Art. 82. No orçamento interno da Universidade será consignado, dentro das disponibilidades, dotação para a extensão, bem como para fundo especial, regulamentado pelo Conselho de Extensão, que lhe assegure continuidade e expansão (UFSCAR, s/d).

Como podemos observar, as atividades extensionistas contribuem com o desenvolvimento socioeconômico, científico e cultural da sociedade, que, por sua vez, pode ser entendida como coletividade, indivíduos ou instituições. A universidade deve provisionar recursos de seu orçamento para tais atividades, inclusive estabelecendo um

fundo especial exclusivo para essa área. Trata-se, sem dúvida, de uma grande mudança

no tratamento da extensão desde sua implementação, na década de 1990.

Paralelamente ao Estatuto, o Plano de Desenvolvimento Institucional – PDI da UFSCar foi também renovado no final de 2013, e apresenta a missão universitária da seguinte forma:

A missão desta universidade pública está associada às suas atividades-fim: o ensino, a pesquisa e a extensão. São estes três grandes focos de atividades que, de forma indissociada, dão concretude à missão desta universidade de ensinar, pesquisar, produzir e tornar acessível o conhecimento. Em síntese, a missão da UFSCar envolve tanto a formação, a pesquisa, bem como a interação com os diferentes segmentos da sociedade para o compartilhamento e (re) construção do conhecimento. (UFSCAR, 2013, p.7).

A missão institucional, portanto, volta-se à produção e divulgação do conhecimento; missão esta implementada por meio do Projeto Pedagógico Institucional, alicerçado nos princípios fundamentais que orientam a atuação da universidade. Sobre este aspecto, o PDI afirma:

O projeto pedagógico institucional apresenta os princípios orientadores das políticas para as atividades de ensino pesquisa, extensão e gestão acadêmica a partir do processo de construção coletiva do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI). [...]

A atualização desse PDI, no período 2011-2013, confirmou esses princípios e é com base neles que o Projeto Pedagógico da Instituição é elaborado. São eles: Indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; Universidade compromissada com a sociedade; Gratuidade do ensino público de graduação e pós-graduação; Excelência acadêmica; Valorização da dedicação integral ao ensino, pesquisa e extensão; Gestão democrática, participativa e transparente; Universidade promotora de valores democráticos e da cidadania; Livre acesso ao conhecimento, Universidade ambientalmente responsável e sustentável; Universidade integrada ao Sistema Nacional de Ensino (UFSCAR, 2013, p.12). Os princípios orientadores das atividades acadêmicas estão em conformidade com as diretrizes estabelecidas pela Constituição Federal ao tratar da Educação Nacional, nos artigos 205 a 214. Ocorre que, no detalhamento das funções pedagógicas, o documento introduz conceitos reformulados pelo pensamento neoliberal, suscitando outras percepções acerca da formação que se planeja realizar. Ele afirma:

A política implantada nessa perspectiva propõe a produção, sistematização e difusão, com qualidade e em todas as áreas de atuação de Universidade, de um conhecimento viabilizador de ações coletivas e transformadoras entre a Universidade e sociedade. No processo formativo dos (as) estudantes, a busca é

por um equilíbrio entre a aquisição de conhecimentos, habilidades, competências e valores, na qual se utiliza a pesquisa como processo fundamental de ensino e de aprendizagem e a extensão como caminho básico da interação com a sociedade e da formação para a sociedade. (UFSCAR, 2013, p.12 – grifo nosso)

O PDI da UFSCar afirma que a formação comprometida com uma atuação social transformadora depende de um equilíbrio entre a aquisição de conhecimentos,

habilidades, competências e valores. Ora, essas categorias não são novas, mas adquiriram

uma significação especial dentro do neoliberalismo, que as trouxe para a educação carregadas de um enfoque individualista. Scott B. Parry, em sua obra The quest for

a cluster of related knowledge, skills, and attitudes that affects a major part of one's job (a role or responsibility), that correlates with performance on the job, that can be measured against well-accepted standards, and that can be improved via training and development21.

Nesse sentido, quando o PDI da UFSCar defende uma educação pautada pelo equilíbrio entre aquisição de conhecimentos, habilidades, competências e valores, a perspectiva vigente é de que fala de certos conhecimentos, aliados ao desenvolvimento de determinadas habilidades e valores específicos, capazes de realizar a transformação

da universidade e da sociedade. Ao nosso ver, trata-se de um saber instrumental que

capacita os estudantes desenvolvendo suas habilidades técnicas a partir da valorização de uma racionalidade administrativa. Na realidade, a perspectiva neoliberal projeta uma formação centrada na capacitação técnica dos estudantes, pensando no seu desempenho profissional em contextos de rápidas mudanças. Assim, conhecimentos, habilidades e

atitudes desenvolvidos a partir de uma pesquisa e extensão centrados na produção e no

consumo se tornam conteúdos apropriados à reprodução do sistema, pois são os que melhor dispõem os indivíduos a ajustar-se às organizações.

Com o novo Estatuto da UFSCar entrando em vigor, a reformulação do PDI e também outras normativas federais implementadas, houve a necessidade de uma revisão do Regimento Geral da Extensão Universitária da UFSCar. O novo Regimento da Extensão foi aprovado em 2016 e define as ações de extensão da seguinte forma:

São consideradas ações de extensão universitária aquelas voltadas para o objetivo de tornar acessível à sociedade o conhecimento de domínio da UFSCar, seja de sua própria produção, seja pela sistematização do conhecimento universal disponível em um processo acadêmico, interdisciplinar, educativo, cultural, científico-político, que promove a interação transformadora da Universidade e da sociedade (UFSCAR-COEX, Resolução 3/2016, Cap. I, art. 2o).

São condições essenciais para caracterizar uma ação de extensão universitária, levando-se em conta a natureza e os objetivos da UFSCar:
I - a sua relação com a produção ou sistematização do conhecimento;
II - a sua contribuição com atividades de caráter educacional e de capacitação ao uso do conhecimento existente. (UFSCAR-COEX, Resolução 3/2016, Cap. I, art. 5o).

A Resolução, portanto, caracteriza a universidade enquanto espaço de produção e/ou sistematização de conhecimentos, os quais, na extensão, são compartilhados com a

21 Competência é um agrupamento de conhecimentos, habilidades e atitudes correlacionados, que afeta parte considerável da atividade de alguém, que se relaciona com o desempenho, que pode ser medido segundo padrões pré-estabelecidos e que pode ser melhorado por meio de treinamento e desenvolvimento (tradução livre).

sociedade. Essa é uma perspectiva tradicional, que valoriza o conhecimento sistematizado pela instituição. Por outro lado, logo em seguida, reconhece que a produção e/ou sistematização de conhecimentos também acontece por meio da atividade extensionista, com um caráter essencialmente educativo. E, nesse momento, retoma a perspectiva de diálogo com os saberes existentes fora da universidade. O documento ainda afirma: “as ações de extensão são consideradas parte ou etapa integrante dos processos de produção do conhecimento e não como algo separado desses processos” (UFSCAR-COEX, Resolução 3/2016, Cap. I, art. 3o). Percebe-se, dessa forma, certa ambiguidade de discursos, ora sinalizando uma perspectiva tradicional, mais elitista, legitimadora de saberes hegemônicos, ora apresentando orientações mais democráticas.

Quanto à classificação das atividades extensionistas, a Resolução retoma a antiga Portaria GR 664, de 1999, reelaborando partes ou incorporando novos elementos em sua formulação. O artigo 11o (UFSCAR-COEX, Resolução 3/2016, p.3) ao mesmo tempo que reconhece o caráter educacional dessas atividades, distingue sua dimensão pedagógica responsável pela formação, aperfeiçoamento ou especialização dos estudantes e aponta, ainda, aspectos formais a serem considerados.

De acordo com esse novo Regimento, a responsabilidade prioritária pela realização das atividades de extensão é dos Departamentos Acadêmicos, os quais devem organizá-las, preferentemente, a partir dos Programas de Extensão.

A perspectiva predominante, de acordo com esses excertos, é de uma universidade que produz e domina o conhecimento científico, cabendo-lhe capacitar os estudantes para utilizá-lo e, ao mesmo tempo, facultar o acesso da sociedade a ele de modo que, na interação universidade/sociedade, aconteça a transformação e aperfeiçoamento ansiados. A compreensão dessa formulação, no entanto, varia segundo os pressupostos (neoliberais ou não) sobre os quais se materializa. E esses pressupostos parecem se alinhar aos diferentes setores da universidade, confirmando certa fragmentação, apontada anteriormente, de maneira que a perspectiva neoliberal acompanha a área das ciências exatas e da tecnologia, enquanto que uma percepção menos neoliberal acompanha a área das ciências humanas e da Educação.

Cabe ainda notar a crescente complexificação da estrutura organizacional da Pró- Reitoria de Extensão da UFSCar, em decorrência do crescimento institucional e da política extensionista “comprometida com o fortalecimento da função da Universidade, isto é, produzir, sistematizar e difundir conhecimento, desenvolvendo suas atividades de

pesquisa e ensino interligadas com as demandas dos setores externos (vários segmentos da população) por meio de ações de extensão” (UFSCar, 2017, p.149). Nesse sentido, em 2014, surgiram novas unidades de apoio às atividades extensionistas e aos processos internos da Pró-Reitoria:

Ø   Núcleo de Extensão Educação, Tecnologia e Cultura, no campus Sorocaba (NETC-So);

Ø   Departamento de Administração, Finanças e Contratos (DeAFC/Ex), Ø   Serviço de Convênios, Cooperações e Contratos (SerC);

Ø   Serviço de Acompanhamento de Processos e Certificações (SerAPC). Ø   Escritório de Apoio Institucional ao Extensionista (EAIE);

Ø   Secretaria de Apoio às Coordenadorias de Núcleos de Extensão (SACNE).

Destacamos a criação do Departamento de Administração, Finanças e Contratos (DeAFC/Ex), diretamente ligado à Pró-Reitoria de Extensão, com o objetivo de “auxiliar os proponentes de atividades de extensão na elaboração de projetos e, quando necessário, de contratos, acordos de cooperação e convênios, assim como sua administração financeira”22, o que remete ao âmbito de existência da Fundação de Apoio Institucional

ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico da UFSCar (FAI). Ora, a necessidade de

segmentação dessa atividade na própria Pró-Reitoria indica a intensificação dos processos, mas, também, da fragmentação dos setores institucionais.

Em 2016, a UFSCar apresentou o documento UFSCar Parceria: programas de

extensão para a cooperação com a sociedade (UFSCAR-PROEX, 2016), em que faz um

balanço de suas atividades extensionistas nos últimos tempos. Em seu prefácio, o documento afirma que a partir do processo de redemocratização do país, a universidade se viu instada a engajar-se mais diretamente nas demandas sociais por saúde, educação básica, cultura e tecnologia, procurando atende-las através de novos programas e projetos institucionais. Entretanto, nem sempre suas iniciativas lograram êxito frente às expectativas da sociedade. Especificamente, “o crescimento dos investimentos necessários à ampliação do acesso ao ensino superior e os crescentes custos da pesquisa científica moderna têm gerado forte cobrança e, em certa medida, a incompreensão da sociedade como um todo, e da classe política em particular, em relação à Universidade e

22 Fonte: <http://www.cartadeservicos.ufscar.br/estrutura-organizacional/pro-reitorias/pro-reitoria-de- extensao-proex/estrutura-organizacional/pro-reitorias/pro-reitoria-de-extensao-proex/departamento-de- administracao-financas-e-contratos-deafc-ex> - Acesso em 20.06.2018.

suas missões” (UFSCAR-PROEX, 2016, p.VI). O documento analisa que uma nova consciência acerca da responsabilidade social da universidade, em contrapartida aos investimentos obtidos por meio de recursos públicos, fez com que a sociedade exigisse dela um compromisso ainda maior com suas múltiplas demandas. Considera a existência de certo descaso social e político em relação à ciência e tecnologia e atribui isso ao fato de que a própria universidade não foi capaz de demonstrar a importância do conhecimento para o desenvolvimento econômico e social. E acredita que nesse aspecto particular a extensão ganha relevância:

Para a Universidade brasileira, é questão de sobrevivência interagir permanentemente com a sociedade, de forma indissociável com a pesquisa e o ensino, por meio de programas de extensão universitária, bem como atividades e produtos culturais, dirigidos a todos os segmentos da sociedade, disponibilizando de forma rápida e eficiente o conhecimento e a prática gerados, fertilizando-se com as demandas e expectativas externas e assim consolidando sua relação com o povo brasileiro pelo cumprimento de sua missão educacional, científica e cultural. (UFSCAR-PROEX, 2016, p.VII)

Portanto, o documento explicita um entendimento acerca da extensão universitária, integrada ao ensino e à pesquisa, como âmbito de articulação e divulgação que, uma vez disponibilizados, fertiliza os fazeres acadêmicos. Nesses termos, a comunidade científica e universitária desenvolve, por meio da pesquisa, o conhecimento que poderá desencadear o crescimento econômico e social. Cabe a ela – universidade – conquistar o apoio da sociedade no sentido de legitimar sua atuação.

O prefácio do documento conclui que a UFSCar realizou uma verdadeira mudança de paradigma, no sentido de que a extensão teria deixado de ser uma atitude paternalista, unilateral da universidade, uma vez que ela agora se nutre “das demandas externas da sociedade como fonte e motivação para suas atividades de ensino e pesquisa” (UFSCAR- PROEX, 2016, p.VII). Trata-se de uma reformulação da extensão universitária, entendida, agora, como resposta às demandas sociais propulsoras de novas expectativas de pesquisa e serviço por parte da instituição. Pelo que pudemos observar, essa afirmação é legítima, sobretudo se reconhecermos que tais demandas têm origem, basicamente, no setor produtivo e em instâncias governamentais, para o estabelecimento de parcerias na implementação de políticas públicas.

Recentemente23, a UFSCar figurou como a 15a colocada no ranking da revista

Times Higher Education. O periódico é responsável por um dos mais importantes

rankings internacionais de universidades e confirma a preocupação da UFSCar de incluir- se entre as primeiras no rol das universidades mundializadas. Essa avaliação contemplou 129 instituições de ensino superior da América Latina. De acordo com o periódico, entre os critérios utilizados na seleção das universidades estão: o investimento em pesquisa, as publicações de artigos científicos em coautoria com pesquisadores internacionais, os docentes e discentes estrangeiros, a transferência de tecnologia para o setor produtivo, entre outras.

O interesse de integrar-se ao novo modelo, no entanto, realiza-se de distintas maneiras no interior da UFSCar. Com efeito, a universidade é constituída por uma multiplicidade de sujeitos, diversidade de interesses e pluralidade epistêmica, os quais se refletem no desenvolvimento das pesquisas, na produção do conhecimento e na participação dos resultados, de maneira que os distintos setores da universidade consolidam essa integração a partir de seus contornos próprios.

3.2 Números e dados gerais da extensão na Universidade Federal de São Carlos

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