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Projeto: “Tertúlias literárias dialógicas” – Ensino, pesquisa e extensão integradas

CAPÍTULO 3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E EDUCAÇÃO NA

3.4   Os três projetos analisados na pesquisa

3.4.2 Projeto: “Tertúlias literárias dialógicas” – Ensino, pesquisa e extensão integradas

O Projeto Tertúlias Literárias Dialógicas é uma das atividades que compõe o Programa de Extensão Democratização do Conhecimento e do Acesso à Educação, do

Departamento de Teorias e Práticas Pedagógicas – DTPP. O projeto existe desde 2002.

De acordo com o relatório da Avaliação dos Programas de Extensão da UFSCar 2009-

2010, “as atividades de ensino pesquisa e extensão foram desenvolvidas de forma

indissociável por um grupo que tem tradição na área, com captação de recursos externos por diferentes órgãos e agências de fomento” (UFSCAR-PROEX, 2012, p.150). O programa está classificado como Exemplar e Consolidado. Ademais, o referido programa concretiza, através de extensão, as atividades do NIASE – Núcleo de Investigação e Ação

Social e Educativa – que congrega professores, pesquisadores, estudantes de graduação

e pós-graduação do referido departamento acadêmico.

De acordo com o texto apresentado no 2o Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, ocorrido em 2004, na UFMG,

O NIASE foi criado a partir e com base nos estudos realizados junto ao Centro de Investigação Social e Educativa (CREA), da Universidade de Barcelona/ Espanha. No NIASE, são desenvolvidas ações de pesquisa, ensino e extensão considerando-se diferentes práticas sociais e educativas, com o objetivo de contribuir para a superação de exclusão social, cultural e educacional.

Na extensão universitária, as ações do NIASE se dão por meio do Programa de Extensão "Democratização do conhecimento e do acesso à escolarização", da Universidade Federal de São Carlos. A Tertúlia Literária Dialógica é um dos projetos desenvolvidos pelo NIASE, em tal programa de extensão e na linha de pesquisa "aprendizagem dialógica e ações comunicativas", do diretório de grupo do CNPq. (UFMG, 2004)25

Segundo a página do NIASE na internet, o Núcleo

busca identificar fatores transformadores e exclusores que ocorrem em diferentes espaços (investigação) e coopera com os grupos que produzem as práticas, para potencializar aspectos transformadores e transformar os exclusores (extensão). [...]

Nos cursos de graduação nos quais atuam os pesquisadores e pesquisadoras do NIASE, os conhecimentos gerados nas pesquisas e nas ações de extensão enriquecem o ensino. Na pós-graduação, pesquisadoras e pesquisadores estimulam a formação de novos investigadores e a geração de teses e dissertações vinculadas aos temas estudados pelo NIASE.26

Assim, Tertúlia Literária Dialógica é um dos projetos que integra um programa de extensão voltado para a democratização do conhecimento e acesso à escolarização. Nesse sentido, trata-se de atividade educativa e cultural que se realiza a partir da leitura de clássicos da literatura universal. É aberto a todas as pessoas, inclusive àquelas recém alfabetizadas.

O projeto foi apresentado durante o 2o Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, acima citado. Nos anais do evento, seus objetivos estão assim explicitados: 1. Promover o encontro de pessoas distintas entre si (diferentes gerações, regiões de origem, descendências, etc.) com obras da literatura clássica, internacional ou nacional.

2. Promover o diálogo e a reflexão entre diferentes pessoas em torno das obras lidas e dos temas que elas suscitam.

3. Estimular o acesso a diferentes conhecimentos e modos de vida, como ampliação da solidariedade e da possibilidade de convívio entre as pessoas. 4. Explicitar a existência da inteligência cultural como capacidade de se aprender diferentes coisas ao longo de toda a vida.

5. Auxiliar na criação de sentido para a leitura como atividade cultural, de direito de todos. (UFMG, 2004)27

Atualmente, existem três grupos de Tertúlias Literárias em atividade, orientados por professores e estudantes vinculados ao NIASE, que se reúnem semanalmente. O objetivo dos encontros é estimular o diálogo igualitário e possibilitar uma transformação pessoal e do entorno social. Isso se faz pela leitura das obras, definidas em conjunto, e pela partilha de trechos destacados, os quais, de alguma forma, afetaram os leitores.

Um estudante de graduação do curso de Pedagogia, bolsista e moderador em um desses grupos, concedeu-nos entrevista em que discorre sobre o projeto (Entrevista, Apêndice B). Seu grupo é formado por pessoas inscritas na Universidade Aberta à

Terceira Idade – UATI, em que os participantes devem ter, necessariamente, o mínimo

26 Disponível em: <http://www.niase.ufscar.br/> - Acesso em 16.12.2017.

de 50 anos de idade. Eles se reúnem todas as quintas-feiras, das 08:00 às 10:00 horas da manhã, em uma das salas da Fundação Educacional de São Carlos – FESC, da Prefeitura Municipal de São Carlos.

Segundo o estudante, a leitura dos clássicos abre um amplo horizonte de aprendizagens entre os participantes. Comentando sobre os trechos destacados pelos leitores, ele afirma:

Esses destaques podem ser dúvidas: que palavras não compreendi... – podem ser referências: o autor, quando fala disso aqui, eu lembrei que ele tirou daqui... – pode ser exploração de um conceito, que na literatura clássica aparece, ou pode ser... coisas que acontecem muito também, é muito bonito de se ver, que é a retomada da própria vida: a pessoa lê e fala “essa situação aqui já aconteceu comigo”... que é a compreensão plena de que a literatura clássica e a vida dela não são tão distantes assim (Entrevista – Apêndice B).

Desse modo as dúvidas acerca de palavras desconhecidas, ou as referências a outras obras e situações, além da exploração de um conceito sugestivo ou a retomada da própria vida, tudo concorre para que se estabeleça uma experiência pessoal significativa que, ao ser compartilhada, atinge a todos.

Segundo o texto apresentado no 2o Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, da UFMG,

A tertúlia literária se reúne em sessão semanal de duas horas. Decide-se conjuntamente o livro e a parte a comentar em cada próxima reunião. Todas as pessoas leem, reflexionam e conversam com familiares e amigos durante a semana. Cada uma traz um fragmento eleito para ler em voz alta e explicar por quê lhe há resultado especialmente significativo. O diálogo se vai construindo a partir dessas contribuições. Os debates entre diferentes opiniões se resolvem apenas através de argumentos. Se todo o grupo chega a um acordo, ele se estabelece como a interpretação provisoriamente verdadeira. Caso não se chegue a um consenso, cada pessoa ou subgrupo mantém sua própria postura; não há ninguém que, por sua posição de poder, explique a concepção certa e a errônea. Tanto a dinâmica como elementos de estabilidade da atividade devem ser respeitados para garantir a efetiva participação e a aprendizagem dialógica. (UFMG, 2004)28

O papel do moderador, segundo o estudante é garantir que os princípios da

aprendizagem dialógica sejam seguidos:

Qual que é o nosso papel como moderador? Garantir que alguns princípios sejam estabelecidos, que, de modo geral... eu posso encaminhar referências depois pra

falar melhor do projeto... mas, de modo geral, são dois grandes pilares: primeiro pilar é a literatura clássica universal, nós lemos obrigatoriamente literatura clássica universal, isso envolve livros que já são considerados clássicos brasileiros e livros que são considerados clássicos do mundo todo. E nós... o outro pilar, são os princípios de aprendizagem dialógica, que é a perspectiva teórica desenvolvida no CREA... (Entrevista, Apêndice B).

A aprendizagem dialógica é a perspectiva teórica desenvolvida pelo Centro de

Investigação Social e Educativa – CREA, da Universidade de Barcelona, e que incorporou

a atividade das Tertúlias, surgidas anteriormente. A aprendizagem dialógica articula sete princípios que são indissociáveis: diálogo igualitário, inteligência cultural,

transformação, dimensão instrumental, criação de sentido, solidariedade e igualdade de diferenças.

O quadro, a seguir, esquematiza a identidade da Tertúlia Literária Dialógica29:

TERTÚLIAS LITERÁRIAS DIALÓGICAS

O que é O que não é

1. Permitem a construção coletiva de significado e conhecimento, com todas as pessoas participantes, baseada na aprendizagem dialógica

1. Não é uma roda de leitura

2. Baseiam-se na Leitura Dialógica e implicam um processo de leitura e interpretação coletiva e dialógica de textos num contexto onde prevalece a validade dos argumentos no lugar das pretensões de poder das e dos participantes. Através deste procedimento dialógico cada pessoa e o grupo dão um novo sentido à leitura dos clássicos e se alcançam compreensões muito profundas e críticas que seriam impossíveis de serem alcançados solitariamente

2. Não é palestra ou roda de conversa com um especialista sobre qualquer tema ou livro.

3. Leem-se livros da Literatura Clássica Universal 3. Não é Tertúlia Literária Dialógica se não se lê livro da literatura clássica universal

4. A compreensão coletiva dos textos produz-se por meio de um processo de interpretação coletiva que está mediado pelo diálogo igualitário entre todas as pessoas participantes.

4. Não é uma Tertúlia Literária Dialógica se o diálogo está baseado em pretensões de poder e não de validade, sendo as pessoas com maior

5. As pessoas participantes na tertúlia já vão com a leitura realizada das páginas que foram combinadas. Durante a tertúlia, expõe-se um parágrafo que chamou a atenção, que gostou especialmente, e compartilha com os demais o sentido desse parágrafo e qual reflexão ele proporcionou. Posteriormente, abre-se um turno de palavras onde os demais participantes dizem suas opiniões a respeito desse parágrafo ou elaboram sobre as interpretações realizadas previamente, construindo assim de forma dialógica um novo sentido.

status acadêmico as que monopolizam o debate e impõem ao grupo suas interpretações.

6. Tem um moderador que tem a função de favorecer a participação igualitária de todos e todas participantes. 7. O diálogo igualitário promove o desenvolvimento de valores como a convivência, o respeito e a solidariedade 8. Podem ser realizadas com familiares, membros da comunidade, professorado, voluntariado e estudantes desde a Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior até a educação de pessoas adultas.

Outro aspecto marcante do trabalho, também descrito na apresentação para o 2o

Congresso Brasileiro de Extensão Universitária (UFMG, 2004), é que a Tertúlia se

destina, preferencialmente, a pessoas que sofrem algum tipo de exclusão social ou educativa. O estudante citou uma tertúlia realizada com pessoas dependentes de drogas e álcool, e pontuou que a atividade com idosos representa uma verdadeira inclusão social, uma vez que eles tendem a ser isolados por pessoas mais jovens. Recuperando os princípios da aprendizagem dialógica, respondendo sobre o caráter político do projeto, o estudante afirmou que a maior atuação política do projeto é a transformação social que ele realiza.

É, ele tem um caráter político pleno, pra mim... eu não tenho dúvida disso. Ele não é partidário... eu... não que não possa... que as pessoas integrantes não possam ter... eu tenho meu partido, né... que eu voto... e as pessoas de lá também têm, os que frequentam a Tertúlia também têm... mas nós não discutimos política desse jeito e a atuação política também não é entendida desse jeito, né... a atuação política maior pra nós é a transformação social... então, a partir do momento que nós integramos essas pessoas na sociedade, nós entendemos que isso é uma participação política... é... eu falo que nós integramos as pessoas na sociedade porque, apesar da grande formação e de terem cargos de prestígio quando trabalhavam... eles deixam isso muito claro... depois de aposentados, eles viram o problema das famílias, mesmo aqueles que têm total autonomia de sua vida, eles ainda são vistos como o problema das famílias... (Entrevista, Apêndice B).

Portanto, o projeto integra os idosos à sociedade criando um espaço no qual suas experiências e reflexões são ouvidas e respeitadas, o que parece não acontecer mais depois da aposentadoria, quando se tornam uma espécie de acessório importuno para suas famílias; mesmo aqueles que têm plena autonomia são considerados, muitas vezes, um problema. Além disso, o número de amigos reduz muito, de maneira que o encontro semanal da Tertúlia representa uma verdadeira transformação social em suas vidas.

As Tertúlias, desse modo, se constituem em um valioso espaço de aprendizagem tanto para os destinatários, pessoas em situação de vulnerabilidade social, como para estudantes e professores que implementam suas atividades. Nesse sentido, o NIASE atua como espaço de articulação entre as atividades de extensão e as de ensino e pesquisa. Segundo sua página, na internet,

Desde 2003, o NIASE recebe pesquisadores e estudantes da Universidade Federal de São Carlos e de outras universidades para desenvolvimento de estágios formativos. Recebe, ainda, profissionais atuantes em diferentes áreas para realização de estágio formativo em extensão universitária. Tais estágios se dão no âmbito da pesquisa e/ou da extensão universitária.

Na pesquisa, os estagiários realizam trabalho de conclusão de curso, monografias, dissertações e/ou teses, e pesquisa de pós-doutorado sob a orientação de docente do NIASE, desenvolvendo pesquisa na perspectiva dialógica e comunicativa. Na extensão, estudantes universitários ou profissionais de diferentes áreas participam de grupos de estudos referentes aos projetos de extensão universitária que o NIASE desenvolve e de orientações para o trabalho em campo.30

Portanto, o Núcleo reconhece a importância da pesquisa e a situa no âmbito teórico da perspectiva dialógica e comunicativa, enquanto que, na extensão, direciona os pesquisadores e estudantes para os grupos de estudo referentes aos projetos. Essa

delimitação dos espaços também foi comentada pelo estudante em sua entrevista. Para

ele, os projetos de extensão são atividades que não podem ser instrumentalizadas, isto é, não são espaços para coleta de dados e nem os participantes podem ser tratados como experimentos:

As pessoas começam se sentir que elas estão ali pra ser estudadas e começam a enxergar o moderador... que o moderador é isso, ele garante a moderação, mas ele é um participante... ele tem que participar com a Tertúlia... inclusive eu sou visto como participante... e... eu paro de ser participante e começo a ser pesquisador... e aí as relações mudam drasticamente, porque o diálogo já não vai ser mais igualitário... (Entrevista, Apêndice B).

Assim, quando o moderador faz pesquisa, segundo ele, não pode ser em seu próprio grupo – ele deve investigar outros grupos diferentes, e ser apresentado como alguém que está desenvolvendo pesquisa. O estudante afirmou que, para a realização de um texto a ser apresentado em um evento de extensão universitária, as discussões acerca do processo de sua realização foram intensas, e ao final optou-se pelo formato relato de

experiência, porém com dados genéricos, sem muitos pormenores.

Segundo o relatório de Avaliação dos Programas de Extensão da UFSCar 2009-

2010 (UFSCAR-PROEX, 2012), o Programa Democratização do Conhecimento e do Acesso à Educação, do DTPP, contou com recursos na ordem de R$ 23.558,62. Foram

utilizados R$ 19.560,60 no período, sendo 52,11% em benefícios, 25,02% na execução, e 22,87% em investimentos.

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