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Desdobramentos da participação nacional no novo ensino superior

CAPÍTULO 1 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE: A EXTENSÃO

1.3   O modelo de ensino superior brasileiro

1.3.2   Desdobramentos da participação nacional no novo ensino superior

subsequente declínio do Estado de Bem-Estar Social, que nunca chegou a existir de fato entre nós, as transformações do modelo econômico desencadearam o surgimento do capitalismo financeiro, aperfeiçoado graças ao desenvolvimento da ciência e o surgimento de novas tecnologias em várias áreas. Impôs-se a circulação sem fronteiras do capital, em busca dos investimentos mais rentáveis.

Nesse contexto, a Educação se tornou horizonte favorável com promessa de grandes lucros devido à explosão da demanda por mão de obra qualificada, conduzindo as distintas instituições a se organizarem segundo certo perfil mercadológico, e a se constituírem de forma a atender novos princípios norteadores, traçados pela racionalidade neoliberal. A teoria do Estado mínimo, lançado pelo Consenso de Washington, tirando do Estado a responsabilidade pelo provimento de uma educação pública gratuita, forçou o país a deixar com a iniciativa privada a tarefa de capacitar tecnicamente as novas gerações e a alinhar suas instituições universitárias ao novo modelo acadêmico de

transnacionalização da pesquisa, exploração comercial do trabalho intelectual e

concentração do conhecimento em certas instituições centrais do sistema, postergando o compromisso com uma formação clássica humanista que, em verdade, só existiu enquanto a instituição esteve essencialmente vinculada às elites. Atualmente, 82,3% dos estudantes do ensino superior brasileiro estão matriculados no setor privado e as universidades públicas vão se reorganizando conforme o modelo imposto pelas World

Class Universities. Inseridas cada vez mais no modelo norte-americano, elas seguem as

diretivas das instituições matrizes, como o desenvolvimento de pesquisas em âmbito global articuladas à produção e comercialização do conhecimento matéria-prima.

Entretanto, outros setores da sociedade também exercem pressão sobre as instituições universitárias, exigindo um maior compromisso dos educadores e pesquisadores com as demandas da população, interessados em promover uma ciência mais atenta às necessidades locais, capaz de impulsionar o desenvolvimento regional.

Essa realidade pode ser interpretada como uma espécie de reação contra hegemônica, desencadeada pelo próprio movimento de integração das classes populares ao ensino superior para qualificação de mão de obra.

E qual o resultado das tensões que tal realidade suscita? Quais as consequências do ingresso das instituições de ensino superior federais nas World Class Universities?

Observa-se a existência de um duplo movimento: em determinado momento, a partir de 2003, o governo passou a investir na expansão da rede pública de ensino superior: criou a Universidade Aberta do Brasil – UAB, para ofertar cursos na modalidade a distância (EAD), vinculada às universidades federais; criou o Programa de Apoio a

Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, para

abertura de novos campi pelo interior do país; expandiu a oferta dos cursos de extensão promovidos pelo Ministério da Educação. Dessa forma, ainda que momentaneamente, o Estado retomou a responsabilidade pela formação em nível superior investindo, sobretudo, no desenvolvimento de cursos e programas nas áreas do conhecimento mais sensíveis às demandas da sociedade. Em função disso, vem sofrendo forte pressão internacional pelo fim da gratuidade do ensino superior.11

Por outro lado, os governos também permitiram maior participação do setor empresarial nas universidades, através da criação de convênios com alocação de recursos para a construção e aparelhamento de laboratórios e o desenvolvimento de pesquisas que resultassem em novos processos ou produtos. Assim, as universidades desenvolveram espaços de aprendizagem a partir de diferentes perspectivas ideológicas:

Os cursos mais concorridos e competitivos são determinados pelo mercado. Em seus programas de graduação e pós-graduação, encontra-se a produção do conhecimento matéria-prima mais elevado. A estes cursos acorrem somente os alunos com expressiva cultura geral, que, em geral, passaram por boas escolas privadas no ensino médio e que pertencem aos estratos sociais mais abastados da sociedade. Estes alunos são os que geralmente aproveitam o programa Ciências

sem Fronteiras, fazem seus doutorados, estágios fora do país e pós-

doutoramentos. Além da divisão internacional do trabalho acadêmico, há uma divisão nacional da oferta da educação superior que reproduz as desigualdades sociais e regionais do país (Silva Junior, 2017, p.251 – grifos do autor).

Goergen (2010) já havia observado que as políticas relacionadas ao ensino superior, implantadas no Brasil na década de 1990, em consonância com as perspectivas

11Fonte: <http://documents.worldbank.org/curated/en/884871511196609355/pdf/121480-REVISED- PORTUGUESE-Brazil-Public-Expenditure-Review-Overview-Portuguese-Final-revised.pdf> - Acesso em 23.04.2018.

neoliberais adotadas naquele momento, não sofreram grandes alterações nos anos seguintes, “embora tenham sido feitos investimentos na criação de novas universidades federais e na geração de programas democratizantes de acesso e permanência na educação superior” (idem, p.906).

Tais considerações, articuladas com as análises de Silva Junior (2017), nos permitiram concluir que a solução brasileira permaneceu fiel à perspectiva de fundo, neoliberal, garantindo os investimentos externos no país, incentivando o alinhamento das universidades federais ao modelo norte-americano, ao mesmo tempo em que aproveitou a fragmentação da universidade, decorrente dessas transformações, para terceirizar ações de caráter social e assistencial, pautando-se na antiga perspectiva de sociedade cindida entre possuidores e despossuídos em que o Estado, sem transformar as situações, atende paliativamente a população marginalizada. Em outras palavras, o país adotou uma solução que acentuou a desigualdade social preexistente ao permitir a estratificação dos cursos de nível superior. Ao mesmo tempo em que queria atender às demandas da economia globalizada, pretendia controlar outros setores da universidade mais sensíveis às reivindicações da sociedade, e o fez vinculando esses setores às suas políticas de assistência. Desse modo, perpetua-se a desigualdade e intensifica-se a estratificação que a universidade talvez não tivesse intenção de sustentar.

Temos um modelo, portanto, que fomentou a inserção das instituições universitárias, com ampla tradição em pesquisa e inovação, nas World Class Universities, ao mesmo tempo em que impulsionou setores internos, com experiência de alavancar políticas públicas, para o atendimento das demandas sociais mais urgentes. As ações sociais da universidade – ações extensionistas, sobretudo – estão associadas ao ensino e à pesquisa, não tendo caráter assistencialista nem propósito de substituir as instâncias normais de atendimento à população. Mas são, muitas vezes, instrumentalizadas pelo poder público, acostumado a desenvolver políticas clientelistas.

Ao submeter-se voluntariamente a esse modelo organizacional de cunho empresarial, a universidade se homogeneíza, as tensões são desfeitas e fragmentadas em microproblemas circunscritos aos setores específicos que devem abordá-los desde os indicadores propostos pela avaliação institucional. A racionalidade que comanda tais processos é eminentemente técnica e instrumental, circunscrita à resolução mecânica dos problemas e ao aperfeiçoamento do sistema.

Nesse sentido, a diversificação dos espaços de aprendizagem e a diferenciação do valor educativo do ensino, da pesquisa e da extensão alteram também o entendimento

acerca dos propósitos de cada uma dessas funções. Ganha força a percepção de que o conhecimento desenvolvido pela pesquisa deve ter uma aplicação imediata, sobretudo voltado às demandas do setor produtivo. O ensino, por sua vez, deve ter um caráter utilitário e promover uma rápida capacitação para o mercado de trabalho. E a extensão torna-se eminentemente espaço de prestação de serviços à comunidade, tanto na implementação de políticas públicas quanto na atenção às demandas do setor produtivo. E qual é a implicação dessas mudanças no âmbito da formação profissional dos estudantes de graduação? Para responder a essa questão, teremos que investigar a extensão universitária implementada no país, a forma como os diferentes atores a consolidaram e as mutações decorrentes de uma variada percepção acerca de sua identidade.

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