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CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EXTENSÃO

2.1 Extensão Universitária: diferentes entendimentos ao longo da história

2.1.3 A extensão segundo a própria universidade

Finalmente, a percepção que as próprias instituições de ensino superior do país tiveram da extensão universitária também sofreu várias transformações ao longo do tempo. Ainda inspirados em Souza (2010), podemos analisar essa história em quatro períodos: o primeiro integra a época colonial, quando o ensino superior era dirigido pelos Jesuítas, até o surgimento das primeiras universidades, na década de 1910; o segundo, a partir das primeiras instituições universitárias até o golpe militar de 1964; o terceiro período, desde o golpe militar até a redemocratização, em 1985; e o quarto e último período, desde a redemocratização e criação do FORPROEX, em 1987, até os dias atuais. No período colonial, a educação jesuítica oferecia cursos de artes abertos à população com o objetivo de desenvolver vocações eclesiásticas. Depois da vinda da família real para o Brasil, em 1808, foram criadas instituições de ensino para equipar a colônia a fim de atender a corte portuguesa. Tais instituições preparavam os profissionais

que iriam atuar junto à população, de modo que também estabeleciam uma relação com a sociedade. Em 1827, foram criados cursos de Direito em São Paulo e em Olinda e, por meio deles, surge uma primeira crítica da realidade social brasileira e do Estado monárquico. Tais reflexões guardam, sem dúvida, ressonâncias extensionistas, embora não tenham sido assim reconhecidas pelas instituições.

O segundo período compreende as primeiras ações extensionistas propriamente ditas até o golpe militar de 1964. A Universidade Livre de São Paulo surgiu em 1912. A Universidade de Manaus, em 1913, e a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920. A partir da criação dessas instituições é que nasceu também a preocupação de se exercitar uma função distinta da prática do ensino e da pesquisa.

A Universidade Livre de São Paulo, pela primeira vez, desenvolveu uma atividade extensionista, através da criação da Universidade Popular, a ela ligada. Na verdade, a ideia de universidade popular nasceu na Europa no século XIX e tinha como objetivo a educação de adultos através de uma formação continuada. Sua principal característica era a de não constituir um corpo discente e docente formais, mas atuar através da oferta de cursos e conferências gratuitos, abertos à população. O modelo importado, porém, não teve êxito aqui, pois não conseguia atingir o interesse das classes trabalhadoras com seus cursos. A Universidade Livre de São Paulo foi extinta no ano de 1917.

Outro modelo de ação extensionista surgido nesse período foi a Escola Superior

de Agricultura e Veterinária de Viçosa, criada em 1926, segundo o modelo norte-

americano dos Land Grant Colleges – o programa de extensão rural norte-americano, cuja existência promoveu grandemente o setor agrícola daquele país. Por meio desse modelo, a instituição de ensino oferecia assistência técnica aos agricultores, além de programas de economia doméstica e organização da juventude. Souza (2010, p.88) afirma que “por um certo tempo as ações rurais foram as que caracterizaram mais fortemente a extensão no Brasil”. Foi a partir dessa experiência que surgiram os primeiros Campi fora das sedes das universidades – o que depois seria incorporado pelos militares, pós-1964.

Porém, a experiência brasileira não logrou o mesmo êxito que nos Estados Unidos. Enquanto lá o governo dava terras à universidade com o desafio de cultivá-las, desenvolvendo com os produtores formas para superar os problemas que surgiam, aqui a universidade apenas dava suporte técnico aos agricultores, não sendo corresponsável pela produção, não assumindo riscos. Esse fato demonstra que, entre nós, a extensão “não era orgânica, não pertencia ao corpo das instituições de ensino superior de forma institucional” (Souza, 2010, p.88).

Depois, em 1931, o governo de Getúlio Vargas publicou o Estatuto das

Universidades Brasileiras, através do qual a extensão universitária passou a ser uma

função do ensino superior legalmente instituída. Porém, o modelo importado da Europa e dos Estados Unidos foi reduzido à oferta de cursos para ilustração das massas e prestação de serviços. As instituições não desenvolveram qualquer reflexão no sentido de reformular essa perspectiva. Assim, o que caracteriza esse segundo período é a incorporação da extensão a partir dos modelos importados, de cunho assistencialista sem interlocução com o movimento estudantil – que desenvolvia outra perspectiva.

O terceiro período tem início com o golpe militar de 1964. A partir desse acontecimento uma nova ordem política e social se estabelece no país, com um regime repressivo de controle das instituições e implantação de um projeto nacionalista para estabelecer o desenvolvimento com segurança. O Estado assumiu, como vimos, a condução de todas as atividades extensionistas, através do Ministério do Interior (MINTER), com o Projeto Rondon, e só aos poucos as instituições de ensino superior foram incorporadas ao programa, ainda que apenas reproduzindo as orientações do regime. Só mais tarde, os Campi avançados das universidades passaram a concentrar a ação extensionista comandada pelos militares.

Ainda em 1965, no entanto, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte institucionalizou uma nova iniciativa: o Centro Rural Universitário de Treinamento e

Ação Comunitária – CRUTAC, que depois iria se difundir para todo o país, representando

uma ação da própria universidade com o objetivo de realizar o treinamento dos estudantes e assistência às comunidades rurais carentes. Os CRUTAC importavam o modelo norte- americano de extensão rural e foram incorporados pelas universidades em vários pontos do país competindo com o Projeto Rondon, dirigido pelos militares.

O processo de disseminação dos CRUTAC, por sua vez, estava ligado à criação, em 1966, do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras – CRUB, constituído com a finalidade de organizar a atuação das instituições e estabelecer seu posicionamento diante do novo regime. Na verdade, o Conselho assumiu uma posição ambígua no cenário nacional, por um lado alinhado aos interesses governamentais – com a função de executar os acordos firmados entre Ministério da Educação e USAID, ou colaborar com o MEC na expansão do ensino superior do país – e, por outro lado, representando os interesses do meio universitário junto às instâncias do governo.

A atuação do Conselho de Reitores visava a autonomia universitária, com a instituição integrada ao seu meio, o que permitiu que incorporassem o conceito de

extensão universitária como função inerente à instituição, através da qual ela atende à sociedade por meio da prestação de serviços, recebendo em troca recursos para seu permanente desenvolvimento. Tal percepção, no entanto, não diferia daquela do governo, de modo que a atuação do CRUB confirmou as práticas extensionistas vigentes, alinhadas ao projeto do Estado e integrando os CRUTAC ao Projeto Rondon e aos campi avançados.

Porém, essa percepção da extensão, de caráter assistencialista, era também alvo de críticas nessa época. Desde o exílio, Paulo Freire (2002), por exemplo, investigou a temática demonstrando como era possível utilizá-la em um processo colonizador disfarçado de programa humanitário. Quando seu estudo foi publicado no Chile, em 1969, o Conselho de Reitores encomendou uma pesquisa sobre a extensão universitária brasileira. O resultado do trabalho da chilena Maria de Molina Garcia Valenzuela apresentava a extensão universitária como uma ponte entre universidade e sociedade, através da qual a instituição leva, de forma programada e sistemática, cultura e

conhecimento aos setores da sociedade que dela necessitam (Souza, 2010).

Portanto, a percepção que a instituição universitária desenvolveu acerca da extensão, nesse período, não avançou além da prestação de serviços, segundo os modelos importados das universidades europeias e norte-americanas e alinhada às diretrizes do Estado. Um ponto de inflexão só viria em 1975, através do Plano de Trabalho da

Extensão Universitária, criado pela Coordenação de Atividades de Extensão - CODAE,

quando, como já dissemos, pela primeira vez se reconheceu que, nas atividades de extensão, também a sociedade exerce alguma influência sobre o ensino e a pesquisa das universidades.

O quarto período tem início com o processo de redemocratização do país, em meados dos anos 1980. Trata-se de um contexto diferente, com o surgimento de novas forças políticas no cenário nacional e o crescimento de um discurso de participação democrática e de compromisso com a população do país. Em função disso, a direção das universidades passou a ser escolhida pelo voto direto, o que possibilitou a ocupação desses cargos por ativistas do movimento docente que já vinham debatendo o papel da universidade e da extensão universitária. Um dos resultados desse movimento foi a criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras

– FORPROEX, em 1987.

A surgimento do FORPROEX, num momento em que o Estado não atuava mais nesse âmbito extensionista e nem o movimento estudantil estava articulado, foi decisivo

para que a temática da extensão voltasse a ocupar espaço, integrando as discussões sobre a reformulação da instituição universitária. A indissociabilidade ensino, pesquisa, extensão e a função social da universidade eram bandeiras do movimento docente. A extensão passou a ser compreendida como articuladora do ensino e da pesquisa, que por sua vez são fundamentais para a transformação da sociedade.

Desde seu surgimento, o FORPROEX influenciou as ações governamentais, até mesmo porque, como já vimos acima, membros das IES também assumiram postos estratégicos no Ministério da Educação. Como resultado dessa articulação, nas décadas seguintes, as diretrizes para a extensão universitária, ditadas pelo MEC, incorporaram as discussões promovidas pelo Fórum de Pró-Reitores, que se reúne anualmente.

Em 1993, o MEC, em parceria com o FORPROEX, realizou uma pesquisa para avaliar a situação da extensão junto às instituições de ensino superior, numa tentativa de estabelecer o perfil da extensão universitária no Brasil (FORPROEX, 2007a). O conceito de extensão mais reconhecido pelas instituições de ensino superior foi o de articular a

universidade com a sociedade (98,4%), seguido de levar a instituição ao cumprimento de

sua função social (88,7%). Também se reconheceu a extensão com a função de prestação

de serviços à comunidade (64,5%) e sua politização (54,8%). Quanto às formas de operacionalização da extensão, em sua maioria acontecia através de projetos (91,9%),

depois os programas (72,6%), atividades (71,0%) e processos (21,0%). A duração das ações extensionistas, em metade nas instituições de ensino, era inferior a seis meses, atendendo a população geral (26,2%) e os próprios universitários (21,9%). O maior problema enfrentado era a falta de recursos financeiros (67,7%). Nesse sentido, as instituições de ensino não consideravam a extensão uma fonte de divisas, e estabeleciam parcerias principalmente com organizações públicas (46,8%) e instituições de ensino (27,4%), sendo que os principais agentes dessas ações eram docentes (84,2%) e discentes (13,8%).

Como resultado dessa pesquisa, o MEC passou a exigir, para fins de alocação de recursos, que as instituições de ensino superior criassem programas contemplando os projetos e demais ações em andamento.

Uma nova pesquisa foi realizada em 2004, mostrando que a extensão adquiriu uma densidade maior. Por outro lado, se reconheceu que “as práticas avaliativas de programas e projetos, contudo, ainda não se capilarizaram por toda a extensão brasileira, o que indica a necessidade premente de se fortalecer os espaços de debate e troca de

experiências entre as instituições com maior experiência na avaliação da extensão e as que se iniciam no tema” (FORPROEX, 2007a, p.35).

Como contraponto ao trabalho realizado pelo FORPROEX ao longo da década de 1990, é preciso dizer que foi também um período de reformas institucionais, com a universidade incorporando, cada vez mais, princípios da gestão administrativa em suas atividades-fim, adotando as ideias de eficiência, produtividade e competitividade, de maneira que o modelo empresarial passou a determinar o fluxo de suas atividades.

Resumindo, no princípio, as ações extensionistas cujo interlocutor foi a própria instituição universitária reproduziram os modelos europeu e norte-americano, como, por exemplo, a oferta de cursos e conferências de caráter cultural e a prestação de serviços às comunidades rurais. Mais recentemente, com a criação do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras – FORPROEX, é que as ações extensionistas voltaram a ser discutidas e floresceu a noção de extensão como processo

educativo, instrumento articulador do ensino e da pesquisa, e trabalho interdisciplinar

dentro da universidade e desta com a sociedade, capaz de promover a transformação de ambas. Desde essa retomada, porém, tais princípios são confrontados com o surgimento de um novo modelo universitário, que na verdade transforma a universidade em organização social voltada à prestação de serviços, capacitação de mão de obra para o mercado e produção de conhecimento matéria-prima para a produção. Teremos que analisar com mais cuidado esse novo perfil institucional e as mudanças que ele acarreta.

2.2 Políticas de extensão universitária para as universidades públicas brasileiras

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