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Diversificação das instituições e alinhamento com o capital

CAPÍTULO 1 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE: A EXTENSÃO

1.3   O modelo de ensino superior brasileiro

1.3.1   Trajetória do ensino superior brasileiro na economia globalizada

1.3.1.1 Diversificação das instituições e alinhamento com o capital

O novo modelo de educação de nível superior adotado pelo país buscava atender diferentes interesses e, por isso, estruturou-se a partir da criação de diferentes instituições de ensino. Reservou à universidade um papel especial, segundo suas expectativas, e ao mesmo tempo atendeu tanto à pressão internacional pela abertura do mercado educativo quanto às exigências do mercado produtivo interno que ansiava por profissionais de nível técnico com capacidade de adaptação frente às constantes inovações tecnológicas.

Segundo alguns autores (Cunha, 1991; Sampaio, 2000; Durham e Sampaio, 2001), desenvolveu-se uma política educacional com ênfase na qualificação profissional, através da proliferação de instituições isoladas, sem qualquer interesse pela pesquisa, mas fundamentalmente restrita à função do ensino e formação profissionalizante. Foi criada a figura do Centro Universitário, entidade também sem compromisso com pesquisa e pós- graduação stricto sensu, mas com relativa autonomia frente ao Ministério da Educação. As universidades, por sua vez, continuaram atendendo ao artigo 207 da Constituição Federal que dispõe: "As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão"4.

A autonomia didático-científica significa que a universidade tem liberdade para definir seus currículos, abrir novos cursos e mesmo deixar de ofertar algum (tanto na graduação como na pós-graduação e na extensão), além de estabelecer suas linhas prioritárias de pesquisa e os meios que serão utilizados para financiá-las. A autonomia

administrativa refere-se à liberdade de se organizar internamente, aprovando os próprios

estatutos e as formas de estruturação pedagógica (adotando ou não o sistema de departamentos, créditos, etc.), além de estabelecer os sistemas de promoção de pessoal, regime de trabalho e níveis salariais máximos. Já a autonomia de gestão financeira diz respeito à liberdade para alocar e remanejar os recursos disponíveis entre as despesas com pessoal, custeio e capital, enquanto que a autonomia patrimonial se refere à liberdade para constituir patrimônio próprio e obter recursos de diferentes formas, utilizando-os

também segundo suas próprias determinações. São prerrogativas que asseguram um lugar de destaque às universidades e podem garantir um desempenho de excelência em suas atribuições, embora no momento presente a situação seja bem outra.

Defensores do modelo neoliberal, como Castro (2003), justificaram a diversificação das instituições para que a universidade se tornasse, essencialmente, espaço para a preparação das elites que iriam assumir os postos de liderança, enquanto que as demais instituições, em maior número, preocupavam-se com a capacitação profissional ou técnica, podendo desenvolver, segundo sua especificidade, uma linguagem mais apropriada a essa formação.

Na perspectiva de Silva Junior e Spears (2012, p.4), o que realmente aconteceu na sequência das novas orientações governamentais é que “a educação superior entrou em uma era em que foram iniciados processos para transformá-la de um setor público estruturado e regulado pelo governo para um setor semipúblico, a fim de responder à demanda e à competição econômica”.

A responsabilidade pela educação em nível superior, portanto, foi transferida do

Estado para o mercado, de maneira que o primeiro se desobrigou de uma tarefa que, em

verdade, nunca deixou de ser a mesma da que agora o mercado assume, e isso desde os tempos coloniais. A diferença é que agora, em conformidade com essa política, intensificou-se o processo de mercadorização do ensino e mudou o papel do Estado.

O próprio Estado, como empresa que também deve se guiar por critérios de eficiência e eficácia, estabelece os indicadores para avaliar a produtividade e a lucratividade de suas organizações, de maneira que as universidades passam a seguir as metas administrativas instituídas para impulsionar seu êxito. Nesse sentido, atendendo suas novas competências de regulação e avaliação, a União estabeleceu as metas para o ensino superior através do atual Plano Nacional da Educação (PNE), que tem vigência de 10 anos e foi regulamentado pela Lei No.13.005, de 25 de junho de 2014 (Brasil, 2014)5. As novas metas são as de número 12, 13 e 146 e tratam da expansão do acesso à academia, da melhoria da qualidade relacionada com a ampliação de mestres e doutores ao índice de 75% dos docentes e, consequentemente, da expansão de vagas para a formação desses mestres e doutores. São regulamentações essencialmente

5 Fonte: <www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2011-2014/Lei/L13005.htm#meta20> Acesso em 20.08.2014.

administrativas, em que mais uma vez se fala em expansão do acesso e de vagas – como é interesse do mercado –, mas não se abordam outras questões relativas ao trabalho dos professores, às condições de ensino, aos objetivos da aprendizagem. Sem dúvida, são aspectos importantes, porém, não representam o essencial, pois, na verdade, o espaço educativo continua sendo instrumentalizado para reproduzir a sociedade binária dos proprietários e trabalhadores.

A partir dos esforços dessa política, houve uma grande expansão do setor privado. O Censo da Educação Superior Brasileira – MEC/INEP de 20167 afirma que 87,7% das instituições de ensino superior no país são privadas e, dentre elas, 88,4% são faculdades. As universidades, por sua vez, correspondem a pouco mais de 8% do total de instituições e, dentre elas, 54,8% são públicas. O setor privado, portanto, abrange predominantemente instituições sem interesse por pesquisa, mais voltadas ao ensino e à qualificação profissional, em que os investimentos são menores e as taxas de lucro, mais altas.

Houve um crescimento da educação superior em direção às camadas da população antes afastadas desse nível de ensino, aqueles que puderam arcar com as despesas ou que conseguiram aporte governamental. Dentre os ingressantes em 2016, 82,3% foram em instituições privadas (75,3% dessas matrículas, viabilizadas por programas do governo para o financiamento estudantil, como o FIES e o PROUNI), de modo que, no Brasil, em cursos presenciais, há 2,5 alunos matriculados na rede privada para cada aluno matriculado na rede pública.

Entretanto, um movimento contrário a esse até aqui apresentado tem sido percebido na esfera universitária. O acesso e permanência de estudantes oriundos de classes populares nas universidades públicas vem crescendo, nos últimos anos, graças às várias políticas implementadas com essa finalidade, como reação dialética das classes sociais excluídas desse espaço. Segundo dados do IBGE, em 2004, apenas 1,4% dos estudantes do ensino superior pertencentes aos 20% com os menores rendimentos frequentavam universidades públicas; em 2013, essa proporção chegou a 7,2%8.

A chegada desses estudantes mudou bastante o perfil das universidades públicas brasileiras, como veremos adiante. O quadro geral da graduação em nível superior no

7Fonte:<http://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/documentos/2016/notas_sobre_o _censo_da_educacao_superior_2016.pdf> – Acesso em 02.01.2018.

8Fonte: <http://www.brasil.gov.br/editoria/educacao-e-ciencia/2014/12/alunos-mais-pobres-ampliam- presenca-em-universidades-publicas>- Acesso em 04.09.2017.

país, segundo os dados do censo 2016, revela que as universidades, agora, detêm 53,7% das matrículas dos cursos de graduação (86,7% delas, nas universidades públicas), indicando que a maioria dos estudantes escolhe a universidade pública não só pela gratuidade, mas também pensando na qualidade de sua formação.

Contudo, a maioria dos estudantes de graduação permanece no setor privado. Com efeito, a educação concretizou-se como horizonte de ampliação do capital. Grandes grupos internacionais já conhecem o potencial do mercado de serviços educacionais brasileiro. As cinco empresas de capital aberto do setor de Educação no país – Kroton,

Estácio Part, Somos Educa, Ser Educa e Anima – alcançaram um volume de 6 bilhões de

reais em receitas, ao longo do primeiro semestre de 20169. Considerando os dados da

Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio – PNAD/201610, segundo o qual apenas

32,8% dentre os jovens de 18 a 24 anos estavam frequentando escola e somente 23,8% cursavam o ensino superior, os números desse mercado podem crescer muito mais.

Assim, temos, de um lado, a expansão do ensino superior alinhada a uma dinâmica interna do país que explora a desigualdade social – e tais forças nem sempre são convergentes. E, de outro lado, temos uma expectativa de desenvolvimento social e econômico motivando as classes sociais historicamente excluídas do progresso nacional a ingressarem, cada vez mais, no ensino superior. Entretanto, o caráter eminentemente pragmático dessa educação, desconectado de uma formação cultural mais ampla, tende a não produzir o desenvolvimento social que, apesar de tudo, a expectativa dos estudantes alimenta. Como dissemos, essa parece nunca ter sido a perspectiva do ensino superior brasileiro.

Ainda na década de 1990, Frigoto (1995) alertava para uma falsa percepção envolvida na educação. Segundo ele, “essa concepção da educação como fator econômico vai constituir-se numa espécie de fetiche, um poder em si que, uma vez adquirido, independentemente das relações de força e de classe, é capaz de operar o milagre da equalização social, econômica e política entre indivíduos, grupos, classes e nações” (Frigoto, 1995, p. 18). A simples expansão do ensino superior, no entanto, não alcança a inclusão social ou o desenvolvimento esperado, pois trata-se de um projeto guiado pelos

9Fonte: <http://www.sabe.com.br/blog/detalhe/setor-de-educacao-crescimento-de-ebitda-e-resultado- liquido> - Acesso em 23.04.2018. 10Fonte: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2013-agencia-de-noticias/releases/18992- pnad-continua-2016-51-da-populacao-com-25-anos-ou-mais-do-brasil-possuiam-apenas-o-ensino- fundamental-completo.html> - Acesso em 23.04.2018.

interesses do capital. A situação piora se considerarmos as diferentes regiões do país:

De acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009 (PNAD, 2010), com referência à relação entre escolarização e renda familiar, as Regiões Norte e Nordeste apresentam os piores índices em termos de defasagem educacional de alunos pobres, com idade entre 15 e 24 anos – em termos percentuais, o total de alunos que cursam o ensino médio na Região Norte atinge a 45%, enquanto que na Região Nordeste, 41%. Estes índices, quando comparados à Região Sudeste, com aproximadamente 60,5% para a mesma faixa etária, indicam a desigualdade entre os estados da federação brasileira que se encontram distantes ou próximos dos centros econômico-político-sociais hegemônicos (Silva Junior e Spears, 2012, p.10).

Assim, o projeto nacional de inserção na economia globalizada, instrumentaliza o ensino superior do país para atender às demandas do mercado, e o faz perpetuando as desigualdades produzidas historicamente ao longo do desenvolvimento do capitalismo, sem contar o fato de que tais demandas do mercado não são ilimitadas e franqueadas a todos os que concluíram essa formação.

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