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A política de extensão universitária proposta para o país

CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EXTENSÃO

2.2 Políticas de extensão universitária para as universidades públicas brasileiras

2.2.2 A política de extensão universitária proposta para o país

Desde sua criação, o Fórum dos Pró-Reitores se debruçou sobre três tarefas fundamentais:

1.   O estabelecimento de um conceito mais adequado e unificador da extensão universitária, dada a diversidade de experiências que as distintas instituições de ensino superior apresentavam com essa nomenclatura e seu perfil essencialmente assistencialista ou reducionista do fazer universitário;

2.   O processo de sua institucionalização, considerando que as ações extensionistas possuem um caráter muitas vezes não-formal, se comparada à pesquisa ou ao ensino. Por causa disso, enfrentam uma certa discriminação quanto à sua relevância na formação acadêmica;

3.   Os meios para o seu financiamento, tendo em vista que, mesmo considerada uma função da universidade, nunca contou com um aporte financeiro específico que garantisse sua qualificação e continuidade.

Portanto, uma das primeiras preocupações do FORPROEX foi a questão do

conceito de extensão, uma vez que sem clareza a esse respeito, não seria possível propor

caminhos para sua institucionalização ou financiamento. Quanto ao entendimento da extensão, já em sua origem, o Fórum definiu a extensão da seguinte forma:

A extensão universitária é o processo educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. A extensão é uma via de mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele conhecimento.

Esse fluxo, que estabelece a troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, terá como consequências a produção do conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e regional, a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade.

Além de instrumentalizadora desse processo dialético de teoria/prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social (FORPROEX, 2012, p.8 – grifo do autor).

O que chama a atenção nessa formulação, primeiramente, é a retomada da trajetória histórica da extensão e o reconhecimento que se trata de um recurso formativo, sobretudo ao afirmar que ela representa um processo educativo, cultural e científico que viabiliza a relação transformadora entre universidade e sociedade. O conceito também

desenvolve a ideia de que a extensão é concebida no âmbito do processo dialético de

teoria/prática, além de representar um trabalho interdisciplinar. São aspectos distintos

que refinam o entendimento através da conjugação de diferentes representações. Senão vejamos: a primeira representação é a de processo educativo, o que também identifica o ensino e a pesquisa. Nesse sentido, o conceito aproxima a extensão das outras duas funções historicamente reconhecidas como constituidoras da universidade. Ao fazer isso, a definição as coloca em pé de igualdade. Porém, da extensão também se diz que é

instrumento articulador da dialética teoria/prática, o que já se constitui outra

representação distinta: não se trata apenas de um processo, mas também de um

instrumento, uma ferramenta capaz de operacionalizar o processo, capaz de articular sua

ordenação. E, por fim, é ainda um trabalho interdisciplinar – representação que indica seu caráter intrínseco de desenvolver distintas perspectivas teóricas acerca de uma mesma situação, ampliando as possibilidades de compreensão e intervenção.

Assim, essa primeira formulação apresentada pelo Fórum de Pró-Reitores de Extensão ao mesmo tempo que defende a extensão, situando-a no processo educativo em sua indissociabilidade com o ensino e a pesquisa, distingue sua existência como instrumento viabilizador da função social da universidade, visto que articula o ensino e a pesquisa através de suas ações. A articulação das noções de processo, instrumento e

trabalho demonstram a polissemia do conceito, as variadas formas de se falar acerca de

e de se exercitar atividades de extensão.

Esse conceito de extensão prevaleceu até recentemente, pois os debates sobre a temática fazem com que o entendimento seja continuamente revisto. Assim, surgiu outra formulação de extensão universitária, explicitada no documento Extensão Universitária,

organização e sistematização (FORPROEX, 2007b, p.17): “A Extensão Universitária é

o processo educativo, cultural e científico que articula o Ensino e a Pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a Universidade e a Sociedade”. E uma nova redação apareceu no documento Política nacional de extensão universitária, de 2012:

A Extensão Universitária, sob o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é um processo interdisciplinar, educativo, cultural, científico e político que promove a interação transformadora entre universidade e outros setores da sociedade”. (Fórum, 2012, p. 16).

Na verdade, cada nova formulação não invalida a anterior, antes, a completa, ressaltando aspectos que parecem ganhar relevância. Desse modo, a última percepção evidencia que a extensão deve ser compreendida tanto como elemento identificador da universidade, ao lado do ensino e da pesquisa, quanto por seu caráter formativo em sentido amplo – interdisciplinar, cultural, científico e político – de modo que as interações estabelecidas são capazes de promover transformações no meio social e na própria instituição.

A política de extensão universitária implementada no país decorre, sobretudo, dessas reflexões e orientações do FORPROEX. O documento que institui essa política, apresentado em 2012, chama a atenção para as crises da atualidade (crise ambiental e urbana, crise do Estado de Bem-Estar Social, crise da administração burocrática, crise energética, crise econômica, crise cultural), as quais exigem reformas por parte dos atores políticos e sociais. Desse modo, o FORPROEX associa a extensão universitária às principais temáticas da sociedade, indicando que, por meio dela, a universidade deve ocupar um lugar crítico-reflexivo, promovendo um diálogo com a sociedade e integrando os saberes acadêmicos e populares. A universidade deve encarar a realidade e atuar discutindo problemas e apontando soluções, de forma a superar a simples perplexidade e inércia. Deve produzir um conhecimento que possa subsidiar governos e lideranças nas escolhas e nos instrumentos capazes de superar as crises indicadas.

O documento afirma que a realidade brasileira incorpora as crises da atualidade desde seu modelo particular de modernização e redemocratização articuladas com um passado conservador e autoritário. A situação nacional, segundo a análise apresentada, é de um descompasso entre duas posturas antagônicas, produzindo a existência de dois

Brasis: um de alta tecnologia e desenvolvimento, outro de exploração e abandono. No

entanto, vê com bons olhos que, nos últimos anos, uma série de políticas afirmativas de distribuição direta de renda, acesso a bens e serviços, foi implantada e tem mudado um pouco esse quadro. Por outro lado, segundo o documento, “direitos civis e políticos têm o mérito de colocar na agenda dos governos os problemas sociais, mas é preciso mais que isso para que políticos e burocratas sejam capazes de decidir e implementar políticas públicas efetivas para sua solução” (FORPROEX, 2012, p.12). Nesse sentido, o papel da universidade é o de produzir conhecimento capaz de transformar essa situação.

Todavia, o próprio documento reconhece que, na realização de suas atribuições, a universidade pública brasileira se vê limitada por muitos fatores, dentre os quais a questão do financiamento instável, os referenciais jurídicos defasados, além da rigidez de suas

estruturas acadêmicas que a tornam elitista e conservadora. Mas, avalia de maneira positiva iniciativas governamentais como o Plano de Expansão com Interiorização das

IFES, de 2006, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais – REUNI, de 2007, a reorganização e expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (PRONATEC), além do Programa de Financiamento do Estudante (FIES). Acredita que são esforços produzidos no sentido

de democratizar o acesso ao nível superior, potencializando a entrada de jovens das classes operárias em um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e excludente.

Já no contexto específico da extensão universitária, o documento também fala de avanços, desafios e possibilidades. Em relação ao desafio que é a institucionalização da extensão, o documento destaca a existência de uma legislação incentivando esse processo: o artigo 207 da Constituição Federal (Brasil, 1988), que apresenta ensino, pesquisa e extensão como aspectos indissociáveis da ação universitária; o destaque que a

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei 9.394 (Brasil, 1996) confere às

atividades de extensão; e o Plano Nacional da Educação PNE (2001-2010) que destina 10% da creditação curricular às atividades extensionistas12. Mas, o documento lembra que os avanços da legislação ainda não foram implementados em muitas universidades. A extensão é vislumbrada como dinâmica capaz de transitar a instituição para fora dos ambientes conservadores e elitistas a que sempre esteve vinculada, abrindo espaços distintos daqueles comerciais propostos pelo capitalismo acadêmico.

A Política Nacional de Extensão Universitária apresenta, então, diretrizes a serem implementadas em todas as atividades extensionistas, afirmando que podem colaborar no enfrentamento das crises pelas quais passa a universidade (FORPROEX, 2012). São elas:

v   A diretriz Interação Dialógica diz respeito ao caráter comunicativo que deve prevalecer entre universidade e setores sociais envolvidos nessas ações. A troca de saberes, o respeito e a tentativa de compreensão das ações populares são exigências para que a universidade possa superar sua

12 O atual PNE 2014/2024 (Brasil, 2014) deu, na meta 12, estratégia 12.7, uma redação diferente daquela proposta pelo plano anterior, relativa à extensão universitária: “Assegurar, no mínimo, dez por cento do total de créditos curriculares exigidos para a graduação em programas e projetos de extensão universitária, orientando sua ação, prioritariamente, para áreas de grande pertinência social”. Diferente do que havia antes, a redação atual especifica que os créditos curriculares devem ser cumpridos em programas e projetos de extensão universitária; não mais simplesmente em “ações extensionistas” (cf. Brasil, 2001, pg.92).

crise de hegemonia. Uma vez que a crise se caracteriza por uma

dificuldade de se estabelecer, em termos absolutos, quais são os saberes que a universidade deve produzir: saberes exemplares, científicos e/ou humanísticos? Saberes instrumentais, segundo as necessidades do mercado de trabalho? Uma cultura mediana para adaptação do sujeito ao seu meio social? Quem deve estabelecer o que é o conhecimento? A interação dialógica, nesse sentido, propõe uma “aliança com movimentos, setores e organizações sociais”, de modo que a universidade possa “produzir, em interação com a sociedade, um conhecimento novo” (FORPROEX, 2012, p.17). Aqui se reconhece a existência de distintas perspectivas compondo o tecido social, com as quais a universidade deve dialogar, reconhecendo sua legitimidade.

v   As diretrizes Interdisciplinaridade e interprofissionalidade propõem uma religação de saberes e uma articulação produtiva entre diferentes conhecimentos, sem prevalência de uns sobre outros, mas de conectividade e complementariedade entre eles, “combinando especialização e consideração da complexidade inerente às comunidades, setores e grupos sociais, com as quais se envolvem as ações de extensão, ou os próprios objetivos e objetos dessa ação” (FORPROEX, 2012, p.17). Com essas diretrizes, se enfrenta a crise de legitimidade da universidade para estabelecer uma hierarquia de saberes, em face das contradições que tal hierarquia produz, e, ainda, em face das novas exigências sociais e políticas oriundas da democratização da instituição e das reinvindicações por igualdade de oportunidades das classes historicamente excluídas. É a valorização de um saber pluralizado.

v   A diretriz Indissociabilidade Ensino-Pesquisa-Extensão pretende conectar a extensão com o ensino e a pesquisa, de modo que as ações extensionistas sejam ações ligadas ao processo de formação de pessoas (ensino/extensão) e ações de produção de conhecimento (pesquisa/extensão). Trata-se de realizar atividades em que se prioriza a participação ativa dos estudantes, cuja ênfase está na aprendizagem com a qual o estudante e/ou os atores sociais, enquanto protagonistas da ação,

estão envolvidos. Nelas, o lugar da aprendizagem passa a ser o local onde se desenvolve a ação, para além da sala de aula, e o professor deixa de ser aquele que apenas transfere conteúdos, para ser aquele que apoia e conduz um processo de construção do conhecimento. “Apenas ações extensionistas com esses formatos permitem aos atores nelas envolvidos a apreensão de saberes e práticas ainda não sistematizados e a aproximação aos valores e princípios que orientam as comunidades” (FORPROEX, 2012, p.18). Tal diretriz, ainda, enfrenta a crise institucional, segundo a qual a universidade encontra dificuldade para definir seus valores e objetivos – ela se vê pressionada a desenvolver uma capacitação técnica de excelência, por um lado, a resolver as carências sociais, de outro, a desenvolver pesquisa e inovação, de outro, de modo que a diretriz da indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão estabelece sua competência e seus limites.

v   A diretriz Impacto na Formação do Estudante diz respeito ao resultado que a participação em ações extensionistas provoca na realidade dos estudantes (ampliação do horizonte conceitual, reflexão sobre as grandes temáticas contemporâneas, aumento da experiência técnica/metodológica, compromisso ético, solidariedade, etc.). Para isso, no entanto, as universidades devem realizar uma estruturação normativa e legal das práticas extensionistas: viabilizar a flexibilização curricular; incorporar créditos relativos à participação nos projetos; elaborar as ações de extensão designando professor orientador, explicitando os objetivos da ação e as competências a serem desenvolvidas, criando uma metodologia de avaliação.

v   Finalmente, a diretriz Impacto e Transformação Social refere-se ao papel social da universidade, de produzir e difundir um conhecimento capaz de contribuir com o aperfeiçoamento das condições de vida na sociedade. Trata-se do caráter político da extensão que, em sintonia com as diretrizes precedentes, pretende criar um impacto capaz de enfrentar a mercantilização das atividades universitárias e a alienação cultural.

Estes são os principais pontos da política de extensão proposta para o país. No entanto, ela parece feita tendo em vista um modelo universitário que está se transformando e incorporando princípios bastante distintos, projetando outra leitura das crises indicadas no início. O documento, no entanto, segue seu norte afirmando que a implementação dessa política está vinculada ao atendimento de outras exigências no interior das instituições de ensino. Para que as diretrizes alcancem o resultado esperado, as temáticas que descrevemos a seguir também devem ser priorizadas.

2.2.3 Sistematização e institucionalização, financiamento e avaliação da

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