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CAPÍTULO 3 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA E EDUCAÇÃO NA

3.1 Origens da UFSCar e de sua extensão universitária

3.1.2 A década de 1990

No final da década de 1980, a UFSCar contava com 15 cursos de graduação e 10 cursos de pós-graduação, alcançando destaque e reconhecimento pela excelência do ensino e da pesquisa realizados. Porém, a instituição percebia a ausência de uma extensão universitária capaz de aproximá-la das demandas sociais.

Se lembrarmos o momento histórico do final dos anos 1980, com os avanços no processo de redemocratização do país, a elaboração da nova Constituição Federal, a movimentação popular pelo restabelecimento dos direitos sociais, além da criação do FORPROEX, em 1987, podemos entender o surgimento dessa preocupação no interior da universidade. No site da FAI-UFSCar encontramos aspectos importantes dessa história:

[A universidade] já era reconhecida como a “pequena notável” pelo destaque nacional que alcançava nas atividades de ensino e pesquisa. Faltava desenvolver a atividade de extensão, um dos pilares de aproximação com a sociedade. Para isso, era necessário criar uma fundação de apoio, cuja exigência passava pela participação de uma empresa ou associação que a apoiasse institucionalmente. A solução encontrada foi junto à Associação Brasileira de Polímeros (ABPol), entidade fundada por pesquisadores da área de Materiais da própria UFSCar em 1988. A primeira versão do estatuto da Fundação de Apoio Institucional (FAI), como era chamada, foi analisada por uma comissão do Conselho Universitário (ConsUni) em 27 de setembro de 1991 e estabeleceu os princípios que norteariam as ações da FAI.UFSCar, dando-lhe características peculiares com relação às demais fundações do País, a saber: ser a única fundação de apoio da UFSCar; estar incorporada à Administração Superior por meio do Conselho Deliberativo tendo o reitor como seu presidente; e fazer a gestão somente de projetos aprovados no âmbito acadêmico (grifos do autor)17.

Dessa forma, a UFSCar aproximava-se do pensamento neoliberal com a criação de uma entidade de direito privado, sem fins lucrativos, capaz de amparar a universidade na captação de recursos para a pesquisa, o ensino e a extensão, além do próprio

desenvolvimento institucional, científico e tecnológico. A Fundação de Apoio

Institucional ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico da Universidade Federal de São Carlos – FAI-UFSCar – nasceu, em 1992, projetando esse modelo de inserção da

universidade na sociedade. Tal inserção seria possível mediante o apoio de outra instituição, também sem fins lucrativos, a Associação Brasileira de Polímeros (ABPol) – entidade fundada, em 1988, pelos próprios professores do curso de Engenharia de

Materiais da UFSCar – esta, sim, patrocinada pelo setor empresarial. Portanto, a extensão

planejada vinculava-se primordialmente ao setor produtivo e em conformidade com os processos de privatização do ensino superior. Aliás, o primeiro projeto gerenciado pela FAI-UFSCar foi o Centro de Caracterização e Desenvolvimento de Materiais, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como indica o site da FAI-UFSCar.

De acordo com o website da instituição, a missão da FAI-UFSCar é “apoiar a comunidade acadêmica na realização das atividades de ensino, pesquisa e extensão, com o objetivo de promover o desenvolvimento científico, tecnológico e de estímulo à inovação”. Nesse sentido, ela desenvolve os seguintes serviços:

Gestão administrativa e financeira de projetos de pesquisa, extensão, desenvolvimento institucional, científico, tecnológico e de estímulo à inovação; Atua na prospecção de novas oportunidades e linhas de financiamento para projetos de pesquisa e na sua disseminação junto à comunidade acadêmica; Suporte operacional para cursos, seminários, congressos e outros eventos de capacitação, informação e difusão de conhecimentos científicos, culturais, artísticos e de aperfeiçoamento profissional;

Consultoria e assessoria nas áreas jurídica, financeira, contábil, importação, gestão de pessoas, comunicação institucional, planejamento e gestão, engenharia e arquitetura;

Atua em cooperação com a UFSCar, outras instituições de ensino, órgãos de fomento, financiamento e governos – Prefeituras, Estados e União –, entidades e empresas públicas e privadas.18

Com a FAI-UFSCar preponderantemente vinculada aos interesses do setor produtivo, a década de 1990 foi um período em que a instituição ainda se ressentia da falta de equilíbrio entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão, esta última relegada à iniciativa pessoal de alguns docentes. Ao longo desses anos, se discutiam formas de expandi-la e institucionalizá-la por meio da sistematização das atividades. Em 1993,

surgiu a Portaria GR 220, dispondo regras para a extensão na universidade. O Documento afirma:

Art. 1°. As atividades de extensão universitária têm como referência que à Universidade cabe, enquanto atribuições específicas relativas à sua responsabilidade de promover o desenvolvimento do saber: produzir, sistematizar, criticar, proteger, integrar, divulgar e difundir o conhecimento humano.

Art. 2°. As atividades de extensão são consideradas como parte integrante dos três tipos de atividades-fim: pesquisa, ensino e extensão, que a instituição realiza para concretizar seus objetivos.

§ 1°. Através da pesquisa, a Universidade atende aos objetivos de produzir, sistematizar, criticar e integrar o conhecimento, tornando-o disponível.

§ 2°. Através do ensino de graduação, a Universidade garante a formação de pessoas para utilizar profissionalmente o conhecimento disponível nas diferentes áreas, capacitando-as para atuar nos campos de atuação profissional necessários à sociedade.

§3°. Através do ensino de mestrado e doutorado, a Universidade garante a formação profissional de professores universitários e de cientistas, preparando- os para desenvolver o conhecimento e formar novas gerações desses profissionais para toda a sociedade;

§ 4°. Através das atividades de extensão, a Universidade amplia o acesso ao conhecimento, capacitando pessoas a utilizar o conhecimento disponível (UFSCAR-PROEX, Portaria GR 220/1993).

A portaria estabelece 17 (dezessete) tipos de atividades de extensão, definidos em seu Anexo 1 (um) e representa a primeira normativa institucional nesse âmbito. No entanto, tratava-se, ainda, de um horizonte distante, um objetivo a ser alcançado, como afirma Souza (2007, p.88):

De uma forma geral, os objetivos e as ações realizadas nos primeiros 20 anos da UFSCar evidenciam a concepção de universidade pautada, prioritariamente, na produção do conhecimento científico, na formação de profissionais nas áreas tecnológica e educacional e na formação de pesquisadores (as). A extensão, embora existisse, era uma atividade ainda incipiente, estando mais atrelada à relação com as indústrias da cidade.

A relação com o setor produtivo, com efeito, sempre foi a perspectiva mais forte da extensão realizada pela UFSCar, o que tem favorecido sua identificação com o novo modelo universitário em curso. Porém, as discussões acerca dessa dimensão acadêmica evoluíram com a proposta de se criarem núcleos operacionais, por áreas temáticas, responsáveis por desenvolver atividades em articulação com a sociedade, de modo a expandir a perspectiva extensionista, evidenciando a existência de outras ideias acerca do assunto. O texto a seguir, extraído do documento Proposta de Criação dos Núcleos de

Extensão UFSCar – Sociedade (UFSCAR-PROEX, s/d), expõe o reduzido espaço dado

à extensão até aquele momento:

As atividades de extensão que vinham e vêm sendo realizadas dependem ainda, basicamente, de iniciativas de alguns docentes e departamentos e não foram de fato “institucionalizadas”; assumidas como uma das responsabilidades precípuas da UFSCar. Não contam com um efetivo apoio interno e tampouco com o suporte adequado de órgãos de financiamento ou de outras instituições. Não foi possível sequer se formular uma política de extensão para a universidade, estabelecendo prioridades para as atividades a serem criadas, fortalecidas, mantidas ou eliminadas, em função de uma avaliação global de seu papel junto à sociedade. (UFSCAR-PROEX, s/d. p.5 – grifos do autor).

É importante notar que a FAI-UFSCar já atuava nesse momento, e que o número de projetos gerenciados pelo órgão passou de 15 contratos, em 1992, para 46, em 1994. Assim, a criação dos Núcleos pode ser entendida como uma estratégia para expandir a percepção da extensão e o horizonte das ações desenvolvidas pela universidade.

Em 1995, foram criados seis Núcleos de Extensão UFSCar-Sociedade com o objetivo de “captar demandas da sociedade e realizar seu encaminhamento para a comunidade interna da UFSCar analisando e viabilizando parcerias” (UFSCAR-PROEX, 2016, p.111). Os núcleos se constituíram em grupos temáticos atuando na promoção de atividades extensionistas e reunindo professores, alunos e funcionários de diferentes departamentos (autorizados pelos conselhos departamentais ou chefias dos setores em que estivessem lotados).

Os núcleos de extensão inicialmente implantados foram UFSCar-Cidadania, UFSCar-Empresa, UFSCar-Escola, UFSCar-Município, UFSCar-Saúde, UFSCar-Sindicato, e mais recentemente o Núcleo Educação, Tecnologia e Cultura. Suas funções consistem em ampliar a integração entre universidade e sociedade e também funcionar como elemento catalisador, provocador e dinamizador das atividades de extensão e de grupos extensionistas internos à universidade em eixos de articulação interdisciplinar e multidisciplinar (UFSCAR-PROEX, 2016, p. IX).

Os núcleos de extensão, portanto, se tornaram espaços de encontro entre a universidade e a sociedade. Operam para intensificar “a realização de programas, projetos e atividades de cunho social, em rede interna e externa, em forte contato com a agenda de pesquisas existentes nas diversas áreas da produção acadêmica da UFSCar” (UFSCAR- PROEX, 2016, p. IX). Desse modo, eles discutem temáticas que estejam em pauta na sociedade e também na agenda de pesquisas da universidade. Com efeito, “os núcleos terão como missão coordenar as relações da UFSCar com os segmentos sociais e

contribuir para a implementação da política de atuação da universidade junto à sociedade” (UFSCAR-PROEX, s/d, p.7).

Este princípio mais central da Universidade Federal de São Carlos – a intensa vinculação exigida dos Programas de Extensão, de onde se originam os projetos e demais atividades extensionistas, com o desenvolvimento da Pesquisa e o Ensino na instituição – aglutina todos os esforços das ações acadêmicas. Para além do princípio da indissociabilidade ensino, pesquisa, extensão, tal fato revela, antes de tudo, a relevância da pesquisa, principal característica da UFSCar desde sua criação.

Em 1997, a UFSCar realizou uma avaliação de seus cursos de graduação, atendendo às normativas do MEC através do Programa de Avaliação Institucional das

Universidades Brasileiras (PAIUB). A partir das discussões que os resultados

proporcionaram, a universidade elaborou o documento Perfil do Profissional a ser

formado pela UFSCar19, que se tornou referência na estruturação dos projetos pedagógicos dos cursos de graduação. Nele, por sua vez, transparece a figura do indivíduo resiliente e versátil, próprio da perspectiva neoliberal. Segundo o documento, o profissional formado pela UFSCar deve:

Ø   Aprender de forma autônoma e contínua;

Ø   Produzir e divulgar novos conhecimentos, tecnologias, serviços e produtos; Ø   Empreender formas diversificadas de atuação profissional;

Ø   Atuar inter/multi/transdisciplinarmente;

Ø   Comprometer-se com a preservação da biodiversidade no ambiente natural e construído, com sustentabilidade e melhoria da qualidade de vida;

Ø   Gerenciar e/ou incluir-se em processos participativos de organização pública e/ou privada;

Ø   Pautar-se na ética e na solidariedade enquanto ser humano, cidadão e profissional;

Ø   Buscar maturidade, sensibilidade e equilíbrio ao agir profissionalmente.

Em 1999, quando o FORPROEX lançava seu Plano Nacional de Extensão

Universitária, a UFSCar apresentava a Portaria GR 664, com uma formulação mais

precisa acerca da extensão associada às atividades de ensino e pesquisa. Em seu artigo 8o, especificava as atividades extensionistas da seguinte forma:

19 Fonte: <http://www.cpa.ufscar.br/documentos/arquivos/pdf/paiub/documentos/perfil-do-profissional-a- ser-formado-na-ufscar.pdf> - Acesso em 20.06.2018.

Art. 8°. São considerados como extensão universitária os seguintes tipos de atividades:

I - publicações que visem tornar o conhecimento acessível à população, a cientistas, profissionais, etc.;

II - eventos culturais, científicos, artísticos e outros, que tenham como finalidade criar condições para que a comunidade tenha possibilidade de usufruir dos bens científicos, técnicos, culturais ou artísticos;

III - serviços, através de atendimento direto à população ou, indiretamente, através de agências que fazem esse atendimento;

IV - assessorias e consultorias com o fim de auxiliar pessoas ou instituições a utilizar mais ou melhor o conhecimento existente em suas atividades;

V - cursos de atualização científica, de aperfeiçoamento profissional, de extensão cultural e artística, de extensão universitária, de especialização e outros que possam constituir instrumentos para maior acesso ao conhecimento;

VI - intercâmbios de docentes ou técnicos da universidade para auxiliar no desenvolvimento de áreas carentes em outras instituições;

VII - estudos ou pesquisas para aumentar o conhecimento sobre os processos de acesso ou utilização do conhecimento por parte da população em geral (UFSCAR-PROEX, Portaria 664/99, art.8o).

Cabe anotar que tais especificações poderiam indicar certo exagero, como se as atividades extensionistas quisessem abarcar todas as ações desenvolvidas na universidade: desde a tradicional prestação de serviços e cursos, passando por eventos culturais, científicos, assessorias e consultorias, até as publicações, determinados tipos de pesquisas e intercâmbios de docentes ou técnicos. Mesmo considerando que todas essas ações compreendem o horizonte das relações que se estabelecem entre universidade e

sociedade, parece fora de propósito coloca-las todas no horizonte da extensão

universitária. Mas, podemos acreditar que o intuito talvez fosse esse mesmo: o de construir uma legislação capaz de identificar e certificar como extensão todo tipo de atividade desenvolvida pela universidade ao criar um intercâmbio com o meio social, atendendo tanto as especificidades internas da instituição como também as possíveis demandas sociais. Tal perspectiva estabelecia um cunho extensionista às ações em curso.

Apesar disso, a legislação parece não ter dado a devida atenção à dimensão

pedagógica dessas ações, pouco articulada com o processo formativo dos estudantes da

graduação. No anexo 1 (um) da Portaria GR 664/99, onde cada atividade é detalhada, sua importância na formação dos graduandos é tratada genericamente, referindo-se, o documento, aos participantes. Uma única vez o documento cita os alunos, quando esclarece o significado da atividade Prestação de Serviços, como instrumento de

XV- Prestação de Serviços: realização direta de trabalhos profissionais, como consultas médicas, cirurgias, psicoterapia, tratamento de saúde, produção de materiais e objetos, realização de tarefas técnicas - projeto agronômico, planta de instalações residenciais, industriais, laboratoriais, etc., elaboração de protótipos, de diagnósticos profissionais, de provas técnicas para seleção de pessoal, etc., em campos de atuação para os quais a Universidade desenvolve conhecimento ou forma alunos. A prestação de serviços pela Universidade somente se justifica

quando atender pelo menos um dos seguintes itens:

a. for condição para treinamento de alunos na realização de tarefas profissionais;

b. for meio para testar técnicas, procedimentos e equipamentos resultantes da produção de conhecimento da Universidade;


c. for meio para coletar dados e informações sobre assuntos relacionados ao serviço;

d. tal tipo de serviço não existir na comunidade ou, existindo, não for acessível; neste caso, deve ser de duração temporária, até que o serviço esteja disponível e acessível;


e. a prestação de serviço for uma condição ou um procedimento para desenvolver uma agência da comunidade para que esta passe a realizar tal prestação de serviços; (UFSCAR-PROEX, Portaria GR 664/99 – Anexo 1, p.18 – grifo nosso). Essa é a única vez que a extensão ganha uma dimensão pedagógica, associada à ideia de treinamento dos estudantes para o exercício profissional, o que denota uma percepção bastante restrita do papel educativo da mesma; ou, dito de outra forma, a comprovação de que, do ponto de vista dos documentos institucionais, o ensino adquire a característica fundamental de capacitação técnica. Isso indica que os esforços para desvincular a extensão do setor produtivo e torna-la mais democrática, atendendo aos interesses de toda a sociedade, parecem não ter considerado a reflexão acerca de sua dimensão formativa, o que colaborou com a generalização da racionalidade técnica a seu respeito.

Em resumo, é possível dizer que somente no final da década de 1990, vinculada ao longo processo de redemocratização da sociedade brasileira e na esteira da criação do

Fórum de Pró-Reitores das Universidades Públicas Brasileiras – o FORPROEX, em

1987 –, é que a extensão passou a fazer parte das discussões desenvolvidas pela UFSCar, em seus diferentes Centros e Departamentos, com o envolvimento dos Núcleos de

Extensão trazendo as demandas sociais para dentro da universidade. Ao lado da

perspectiva neoliberal, que vinculava a instituição ao setor produtivo, havia uma percepção mais ampliada, que a aproximava das demandas sociais não atendidas pelo regime militar. Em 1999, por exemplo, foi criado o Cursinho Pré-Vestibular da UFSCar, vinculado ao Núcleo UFSCar-Escola, com o objetivo, entre outros, de viabilizar o acesso de estudantes das classes populares ao ensino universitário. No mesmo ano, também

surgiu a Incubadora Regional de Cooperativas Populares – INCOOP, com o objetivo de fomentar a criação de cooperativas populares em São Carlos e região, numa parceria entre os Núcleos de Extensão UFSCar-Sindicato, UFSCar-Município e UFSCar-Cidadania. Porém, isso não implicou em uma maior reflexão acerca da dimensão formativa da

extensão ou dos pressupostos subjacentes às ações empreendedoras, de maneira que os

processos educativos parecem ter seguido, ao menos no que diz respeito aos documentos institucionais, o fluxo da racionalidade instrumental hegemônica: o ensino como treinamento técnico, a pesquisa como produção de conhecimentos a serem transferidos para o setor produtivo e a extensão como prestação de serviços ao setor empresarial e à sociedade, por meio da implementação de políticas sociais sob a orientação de órgãos de governo.

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