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O entendimento dos estudantes acerca da extensão universitária

CAPÍTULO 2 – POLÍTICAS EDUCACIONAIS PARA A EXTENSÃO

2.1 Extensão Universitária: diferentes entendimentos ao longo da história

2.1.1 O entendimento dos estudantes acerca da extensão universitária

A percepção que os estudantes têm da extensão universitária não deriva da elaboração desse conceito e nem mesmo da existência concreta dessa área nas instituições, mas vincula-se, sobretudo, ao compromisso que, enquanto universitários, eles estabeleceram com a sociedade. Para melhor apreender essa trajetória, baseamo-nos em Souza (2010), que também analisou o envolvimento estudantil nos mais diversos episódios da história política do país. Consideraremos três momentos distintos: um primeiro período, da época colonial até a criação da União Nacional dos Estudantes –

UNE, em 1937; um segundo período, da criação da UNE até o golpe militar de 1964; e

um terceiro período, do regime militar até os dias atuais.

O primeiro período é marcado por ações pontuais e esporádicas. Embora assim fossem, ações fragmentadas, surgidas segundo o calor dos acontecimentos do momento histórico, diferentes pesquisadores (Poerner, 1968; Cunha, 1986; Gurgel, 1986; Souza, 2010), entendem que os estudantes sempre apresentaram alguma atuação política e/ou social em sua realidade histórica. Nesse período, por exemplo, quando o Colégio dos Jesuítas, na Bahia, já realizava uma formação em artes e teologia, as primeiras ações nas quais os estudantes se envolveram retratam sua atuação contra a invasão francesa, de 1710, e, depois, no movimento da inconfidência mineira, de 1788. Há relatos de envolvimento de estudantes também nas lutas pela abolição dos escravos e pela república (Cunha, 1986). Em 1852, foi criada a Sociedade Dois de Julho, na Faculdade de Medicina da Bahia, cujo objetivo era alforriar escravos.

Não obstante essas iniciativas, somente em 1910 aconteceria o primeiro

Congresso Nacional dos Estudantes, em São Paulo, e, a partir da fundação da União Nacional dos Estudantes - UNE, em 1937, as ações estudantis deixariam de ser regionais

e esporádicas para se tornarem mais coordenadas e unificadas nacionalmente.

O segundo período histórico analisado é fruto dessa nova configuração do movimento estudantil, a partir da criação da UNE. Antes, em 1918, aconteceria, na

Argentina, o primeiro grande marco da atividade estudantil na América Latina, o

Manifesto de Córdoba, no qual estudantes e trabalhadores se uniram nas lutas estudantis

e trabalhistas, uns apoiando as reivindicações dos outros em defesa da construção de uma nova sociedade. Tal movimento viria a influenciar enormemente as primeiras atividades da UNE, desde sua fundação.

Fundada em 1937, na esteira do golpe que instituiu o Estado Novo, a UNE desde logo se envolveu no cenário social e político, combatendo o fascismo e defendendo uma aliança política com os aliados, na Segunda Guerra Mundial. Essa atuação esteve, em grande parte do tempo, orientada por uma perspectiva de esquerda, muitas vezes alinhada aos interesses partidários socialistas (PCB) e das dissidências da Juventude Universitária

Católica – JUC – embora também tenha havido momentos em que o movimento assumiu

um perfil de direita, a par com os interesses do Estado (sempre ligado à classe hegemônica) e até mesmo influências norte-americanas (como no período de 1951 a 1956). Mas, a organização estudantil, em grande medida, estruturou-se sintonizada com os movimentos estudantis latino-americanos.

Já em 1938, logo após sua fundação, a UNE se engajou na defesa de uma ampla reforma da educação brasileira. Um plano de sugestões foi elaborado, em que se propunha uma reforma universitária. Segundo o documento, a universidade devia, por função, desenvolver o conhecimento e métodos de estudo e pesquisa, além de difundir a cultura e dar assistência integral aos estudantes. Além disso, o plano proposto pela UNE falava em democratização da universidade, sua autonomia, e uma reorganização da vida

acadêmica capaz de colocar a instituição em sintonia com os destinos da sociedade.

Reinvindicações essas já presentes no Manifesto de Córdoba, de 1918.

Dentre as principais ações e iniciativas desenvolvidas pela UNE, desde seu surgimento, se destacam os inúmeros movimentos surgidos no final da década de 1950 e início da década de 1960, antes do golpe militar, sobretudo, através das ações que sucederam os seminários nacionais da reforma universitária, promovidos pela entidade nos anos de 1961, 1962 e 1963. Estes eventos fortaleceram ações como o Serviço de

Extensão Cultural, da Universidade Federal de Pernambuco, que promovia a

alfabetização de adultos pelo método Paulo Freire; o Movimento de Cultura Popular, nascido já em 1960, em articulação com a Prefeitura de Recife – PE, cujo foco de atuação era a alfabetização e a educação; o Centro Popular de Cultura, como decorrência das ações anteriores, que promovia o teatro político entre as classes populares, em São Paulo e Rio de Janeiro, conseguindo o apoio de muitos intelectuais da época; e a UNE-Volante,

uma comitiva de artistas e diretores da UNE que percorria o país divulgando as propostas da entidade juntamente com a programação cultural dos Centros Populares de Cultura (CPC).

Todas essas iniciativas revelam o envolvimento estudantil em atividades políticas, sociais e culturais, coordenadas pela UNE em âmbito nacional. Embora muitas delas não contassem com o suporte institucional da universidade, pode-se considera-las atividades extensionistas, uma vez que representam a percepção estudantil do caráter político da educação universitária.

O terceiro período histórico é marcado pelo golpe militar de 1964. Depois dele, a UNE posicionou-se contrária ao regime, o que resultou no incêndio de sua sede, no Rio de Janeiro, e na destruição dos documentos relativos ao Centro Popular de Cultura. A entidade foi cassada e passou à clandestinidade. O regime militar rapidamente tratou de criar uma nova instituição, o Diretório Nacional dos Estudantes– DCE, alinhado aos seus interesses e projetos para o ensino superior, e o movimento estudantil ficou desagregado. A UNE ainda permaneceu atuante, sobretudo nas questões relativas à educação, como, por exemplo, a denúncia dos acordos firmados entre o MEC e a USAID (United

States Agency for International Development). Porém, as forças da repressão trataram de

conter quaisquer resistências e o protagonismo da entidade foi enfraquecido.

Em 1968, o governo promulgou a Lei 5.540, apresentando sua reforma educativa. Nela, a extensão surge como mais uma função da universidade, segundo o viés próprio que lhe deu o regime militar, cooptando as forças estudantis para as suas ações.

Depois disso, a UNE se manifestou contra o regime militar somente em 1977 e a retomada de sua ação política aconteceu em 1979, durante o Congresso de Salvador. Era o início da reabertura política. Mas, a atuação do organismo se renovou no movimento dos caras-pintadas, quando a entidade convocou os estudantes para as primeiras manifestações pelo impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992.

De lá para cá, a entidade parece ter se esvaziado, perdendo sua militância e representatividade política. Souza (2010) observa o surgimento de uma nova forma de organização estudantil no cenário acadêmico: a empresa-júnior. “Uma empresa-júnior é uma associação civil, administrada por estudantes de graduação, com o objetivo de prestar serviços ou desenvolver projetos para as micro e pequenas empresas” (Souza, 2010, p.51). Trata-se de uma iniciativa que busca vincular os conhecimentos universitários às necessidades do setor produtivo, sendo que o Brasil é o país com maior número delas. Este fenômeno, na verdade, acompanha as transformações globais do capitalismo e o

declínio das ideologias socialistas. Tais eventos teriam transformado também os organismos de atuação estudantil, fazendo-os assumir um perfil mais mercadológico e empreendedor, como tendência geral das instituições.

Portanto, as ações extensionistas protagonizadas pelos estudantes nesses três períodos históricos só podem ser assim denominadas por uma licença, dado que formal ou oficialmente talvez não sejam reconhecidas desse modo. Essa atuação estudantil sempre esteve ligada a questões políticas e sociais, mas eram, inicialmente, esporádicas e pontuais. Com a criação da UNE, elas ganharam unidade e repercussão nacional, impactando a sociedade e influenciando decisões governamentais e da própria universidade. A articulação do movimento alcançou maior expressividade no final da década de 1950 e início da década de 1960, porém, na atualidade, as atividades que se destacam e alcançam impacto social são aquelas vinculadas ao empreendedorismo mercantil.

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