• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 UNIVERSIDADE E SOCIEDADE: A EXTENSÃO

1.2   A educação universitária no capitalismo moderno e contemporâneo

1.2.2   A nova conformação do capital

Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos emergiram como maior potência capitalista, com suas grandes corporações assumindo a reconstrução da Europa e dominando o oriente. O modelo de desenvolvimento adotado, keynesiano, caracterizou- se pela constituição de um Estado forte, regulador da economia e promotor do desenvolvimento econômico, através de políticas fiscais e monetárias, investimento e endividamento público. Os países da periferia do sistema também aderiram a esse novo modelo e se abriram ao capital norte-americano, vislumbrando a oportunidade de se industrializarem e gerarem o crescimento econômico interno. Isso se fez numa onda desenvolvimentista de progresso à custa de endividamento externo. Os recursos obtidos eram destinados à realização de grandes obras, como usinas hidrelétricas, portos, rodovias, ferrovias, além de criarem ou robustecerem as indústrias de base (metalurgia, siderurgia, petroquímica e mineração).

As grandes corporações empresariais norte-americanas descentralizaram seu processo produtivo, investindo nesses países periféricos, passando a acumular seus lucros através da repatriação do capital investido e na administração das dívidas adquiridas por esses países.

O modelo de produção fordista, por sua vez, reorganizava e ampliava a produção estabelecendo rotinas, garantindo aumento da riqueza, o que se julgava necessário para o estabelecimento do novo Estado do Bem-Estar Social. O fordismo prometia que a rotinização das tarefas aumentaria o tempo livre dos trabalhadores, ao passo que a produção em massa garantiria melhores preços para os produtos. E a combinação de ambas geraria um consumo de massa – a integração social pela via do consumo. Tal

referência reconstruiu a Europa e o Japão, mas teve outros desdobramentos nos países da periferia do capitalismo. E subsistiu até a década de 1970.

A partir de então, esse modelo de desenvolvimento passou a manifestar sinais de esgotamento: por um lado, Europa e Japão já estavam reconstruídos, aumentando a competitividade no âmbito empresarial, provocando o superaquecimento das grandes economias mundiais e explosão da demanda agregada; por outro lado, ao longo da década de 1970, os países membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e Golfo Pérsico desencadearam um embargo de grandes proporções ameaçando o abastecimento de petróleo para os Estados Unidos e Europa.

Os países produtores de petróleo buscavam formas de pressionar as economias ocidentais consumidoras do produto, diminuindo a produção e aumentando o preço. Entre outubro de 1973 e março de 1974, por exemplo, o valor do barril aumentou 400%, impactando fortemente as economias de todo o mundo. Até aquele momento, essa era a principal fonte de energia na produção e distribuição de mercadorias.

O novo cenário mundial que se apresentou, a partir de então, apontava para um horizonte de maior concorrência, de mercado contraído e crise energética. Para as grandes corporações empresariais, as regras que garantiram o crescimento da economia até então não serviam mais.

As medidas propostas para enfrentar o novo contexto apontavam para a necessidade de maior flexibilização do processo produtivo e ampliação de suas bases. Nesse sentido, o capital produtivo das multinacionais definitivamente se internacionalizou através da instalação de novas frentes onde encontravam maiores benefícios fiscais, trabalhistas, materiais e energéticos. Isso foi possível também devido a uma série de fatores: desenvolvimento e barateamento das telecomunicações; aperfeiçoamento da informática e criação de softwares mais precisos; padronização da administração, entre outros. Por fim, as grandes empresas de padrão fordista foram fragmentadas e substituídas por estratégias de terceirização da produção.

Em função dessas mudanças, abandonou-se o modelo de produção em larga escala, acabando com os estoques. Ao invés disso, expandiu-se o modelo japonês de produção sob encomenda, o gerenciamento just-in-time – bens a preços baixos e em menor quantidade atendendo uma demanda imediata do mercado. A produção buscou uma especialização por nichos, de maneira que o mercado foi segmentado para se evitarem as perdas, diminuir custos e maximizar lucros.

Desenvolveu-se o pensamento neoliberal, propondo desregulamentação da economia e do mercado de trabalho a fim de atrair investimentos e diminuir taxas de desemprego. Segundo esse pensamento, a racionalização da produção exige diminuição da matéria-prima, automatização dos processos e flexibilização das leis trabalhistas para recuperar as taxas de lucro que, por sua vez, irão reequilibrar o sistema. Nesse sentido, novas formas de contratação foram criadas – o trabalho temporário, intermitente, de

jornada parcial – e disseminou-se o trabalho informal. Com tais medidas, as empresas

ganharam margem de manobra para enfrentar o acirramento da concorrência. A reestruturação política do pensamento neoliberal estabeleceu o fim do Estado do Bem- Estar social, a imposição de uma política de austeridade fiscal, redução de gastos e diminuição do papel do Estado na economia.

Para o pensamento neoliberal, o capital deve ficar livre a fim de encontrar os melhores mercados que garantirão sua expansão. Assim, ao longo da década de 1980, a dívida pública de várias nações cresceu vertiginosamente, relacionada tanto à diminuição da poupança interna como à internacionalização da rolagem nos mercados financeiros. O nível das taxas de juros passou a ser ditado pelo mercado, tornando os Estados impotentes em sua regulação e acentuando a financeirização da economia (Chesnais, 1996).

É preciso ainda considerar o fato de que as grandes corporações empresariais (industriais ou de serviços) acumularam grande volume de capital durante a fase

monopolista, permitindo atuarem também no mercado financeiro. Nesse sentido, a

movimentação do grande capital, expandindo e globalizando os mercados, excedeu o âmbito da produção em sua ânsia reprodutiva, seguindo o caminho da concentração dos capitais existentes. Foi assim que, desde o acirramento da crise da produção ao longo da década de 1970, vários governos, a começar por Estados Unidos e Reino Unido, mudaram sua política em relação ao capital concentrado, dando condições para que pudesse atuar livremente. Tal acontecimento, conforme salienta Régnier (apud Chesnais, 1996), deve- se ao surgimento da concepção das finanças como uma espécie de indústria. Segundo esse entendimento,

O comércio de dinheiro e valores é encarado como atividade transnacional, objeto de competição, no plano mundial, entre agentes que procuram explorar da melhor forma suas próprias vantagens comparativas. Elas não são diretamente encaradas como meio de melhorar o processo de alocação de recursos no interior da economia britânica, e sim – tal como uma indústria de exportação – de explorar um certo know-how, a fim de extrair uma parte da renda mundial (Régnier apud Chesnais, 1996, p.240 – grifo do autor).

Em outras palavras, sem o controle da produção, agora disseminada mundialmente, os países centrais decidiram flexibilizar a movimentação do capital de suas corporações, permitindo que flutuasse em escala global – em busca de maiores vantagens para reproduzir-se – porque tal movimentação permitiria a extração de maiores recursos da renda mundial em seu benefício. A metáfora da indústria, no entanto, talvez não seja apropriada, em função de que a laboriosidade humana está ausente do processo, a não ser pelo movimento especulativo. De qualquer forma, trata-se de uma nova fase do capital em busca de maiores taxas de lucro, agora pela via da “expropriação” (no sentido de extrair uma parte da renda mundial) e centralização/concentração da riqueza.

Assim, o novo modelo encabeçado pelos Estados Unidos e Reino Unido, que já não comandavam hegemonicamente a produção industrial em suas fronteiras, priorizou o plano do capital financeiro. Por fim, o desmoronamento da União Soviética e o aparelhamento militar norte-americano, permitiram que os Estados Unidos assumissem a hegemonia econômica mundial com um papel fundamental na expansão do capitalismo financeiro de sua preferência. Apesar de uma rivalidade e disputas entre as diferentes escolas burguesas, prevaleceu a organização norte-americana, como analisa Chesnais (1996, p.19):

A rivalidade entre modos de organização do capitalismo (capitalismo “renano”, “nipônico” ou “anglo-saxônico”) não pode ir muito longe, depois de os Estados Unidos imporem aos demais exatamente as regras do jogo mais convenientes para eles próprios, calcadas nas necessidades do capital financeiro de características rentistas, de que são o epicentro. São eles, então, que ditam as regras do comércio e das finanças internacionais, através de seus posicionamentos no FMI e no GATT (agora Organização Mundial do Comércio, com maiores poderes de intervenção para impor aos países mais fracos as políticas de liberalização e desregulamentação), e também dos posicionamentos menos formais que ordenam o relacionamento interno do oligopólio mundial.

Nesse novo estágio do modo de produção capitalista, a riqueza continua sendo criada pela produção, “mas é a esfera financeira que comanda, cada vez mais, a repartição e a destinação social dessa riqueza” (Chesnais, 1996, p.13), acumulada e monopolizada pelos países centrais do sistema.

Resumindo, a reestruturação do modelo de desenvolvimento conduziu à globalização do sistema e à centralidade da esfera financeira, em detrimento da produtiva. Nela, o capital é que decide onde deve ir. Isso significa eliminar todo controle governamental, retomando a antiga política do laissez-faire. A aparente imparcialidade

do mercado, conduzindo esse processo de âmbito mundial, sugere que a liberdade de circulação de capitais, a supressão de restrições ao investimento internacional, a total abertura do mercado interno e a padronização de políticas macroeconômicas vão garantir o crescimento econômico local e a melhoria das condições de vida da população, mas essa é a pauta das economias centrais, em busca de novos mercados. Os governos nacionais, na verdade, se debatem entre realmente criar as condições ideais para atrair o capital financeiro internacional, necessário para os investimentos no país (mas, extremamente volátil e interesseiro), e tentar regulamentá-lo internamente, para que não flutue para outros mercados.

As condições que propiciaram a emergência do capitalismo financeiro, eliminando vários dos princípios e valores defendidos nos primórdios de sua consolidação, também foram suficientes para engendrar novas perspectivas acerca da educação. Na verdade, as mudanças no cenário político e econômico mundial repercutiram fortemente em todas as instâncias da vida em sociedade. Iremos analisar essas implicações na esfera da educação universitária.

Outline

Documentos relacionados