• Nenhum resultado encontrado

Capitulo I – A Questão Deuteronomista

2. Origens da Teoria Deuteronomista

2.3 A Discussão mais Recente do Estudo da Fonte Deuteronomista

Relacionado ao estado recente da discussão deuteronomista até a obra de Thomas Römer80, datada de 2005, a considerar a diversidade dos modelos de História Deuteronomista defendidos nos últimos cinquenta anos e a recente rejeição da hipótese, um estudante da Bíblia Hebraica poderia perguntar-se como deverá lidar com estas concepções conflitantes, pois de acordo com o autor Römer, é verdade que, por longo tempo, houve muito pouco debate entre as escolas de Cross e de Smend; em que suas posições assemelhavam-se a uma guerra religiosa mesquinha que, por sua vez, tornava difícil avaliar criticamente ambos os modelos. Afirma Thomas Römer, porém, que os pontos fracos da teoria deuteronomista sublinhados por volta do ano de 2005 por alguns estudiosos e acadêmicos haviam sido negligenciados por muitas vezes com muita facilidade.

Mas o referido pesquisador valoriza cada uma das posições acima apresentadas por possuir intuições valiosas, como o modelo de Cross, o qual apesar de ser motivo de uma discussão inútil, o referido modelo apresenta uma explicação conveniente para aqueles textos que parecem pressupor uma ideologia monárquica e são um tanto otimistas sobre o futuro do Estado e da terra, como o texto de 2 Samuel 7, o qual Martin Noth não levou muito em consideração, ou os relatos da conquista em Josué 6-11 não parecem refletir ainda a experiência do exílio, mas encaixar-se melhor no período pré-exílico tardio, em um tempo no qual a hegemonia assíria estava a declinar e o reino de Judá pôde obter certa autonomia política (ou seja, pelo final do século VII a.C., especialmente sob Josias). No entanto, segundo Thomas Römer, um contexto josiânico para a maioria dos textos da História Deuteronomista, como defendia Cross, não consegue explicar satisfatoriamente as numerosas alusões à destruição de Jerusalém e ao exílio babilônico encontráveis na História Deuteronomista, alusões que não podem ser explicadas simplesmente pela “atualização” exílica de um documento anterior.

O comentário que o referido pesquisador tece sobre a Escola de Gottingen é que ela tem razão quando realça o quanto o desastre do exílio perpassa a maior parte da História Deuteronomista, como aparece muito claramente nas contínuas advertências de Yahweh ao povo e seus reis. Da mesma forma, aponta o citado estudioso, a identificação de três (ou até mais) camadas redacionais pela escola de Gottingen pode identificar a exagerada simplificação de uma

80

61

hipótese de duas edições e, ao mesmo tempo, a multiplicação de camadas deuteronomistas, especialmente na ciência bíblica alemã, está de certo modo ligada à recente crítica da teoria da História Deuteronomista; de fato, existem realmente diferença entre a editoração deuteronomista em Juízes e em Reis, por exemplo, e para Thomas Römer, tais diferenças deveriam ser levadas mais a sério.

Sobre a tal questão, o referido autor está correto sobre as diferenças de editoração deuteronomista serem levadas mais a sério, pois dentro dos escritos denominados deuteronomistas existem diversas vozes que não refletem absolutamente o contexto deuteronomista na intenção de interligar os textos uns aos outros. O que é curioso é a referência da questão de Josué como conquistador. Provavelmente, como outro personagem epônimo, apenas foi vinculado como discípulo de Moisés no período sacerdotal, pois no livro de Josué de fato cabe à questão da conquista de todo o território de Canaã devido à intenção de Josias em governar os remanescentes do Reino do Norte, como se Josias fosse o novo Josué.

Dessa forma, segundo Thomas Römer, deve-se refletir se os pontos realçados pelas diferentes posições da ciência bíblica permite a possibilidade de um novo e promissor compromisso. De acordo com o referido autor, em seu estudo sobre o livro dos Reis, Iain William Provan defende que a grande preocupação da escola deuteronomista gira em torno da abolição dos –

*

(santuários ao ar livre), realizada, de acordo com o registro bíblico, pelo rei Ezequias. O citado pesquisador ressalta que, na opinião de Provan, a edição josiânica da História Deuteronomista deveria terminar, portanto, com 2 Reis 18-19 e, além do mais, esta primeira edição não consistia em Deuteronômio – Reis, mas incluía apenas uma primeira versão dos livros de Samuel e de Reis. Aponta o referido estudioso que, na perspectiva de Provan, os livros de Deuteronômio, Josué e Juízes foram acrescentados mais tarde, durante o período neobabilônico, pois a História Deuteronomista primitiva limitava-se, portanto, à história das monarquias israelita e judaíta, o que coincide com a posição supramencionada de Auld, Knauf e outros.

Thomas Römer aponta o estudioso Norbert Lohfink, que postulou a existência de uma narrativa da conquista que se teria limitado aos livros de Deuteronômio e Josué (Deuteronômio 1 – Josué 22), na qual o Lohfink designa esta narrativa original da conquista como “Deuteronomista Landoberung – Dtr L” (“L” a significar Landoberung, “conquista”) e acredita

62

que ela teria sido escrita sob Josias como propaganda para a política expansionista do rei. (Visão já apoiada anteriormente.)

Conforme o citado estudioso, estas observações tomadas em conjunto podem confirmar a ideia de que o período neoassírio (mais especificamente o século VII a.C.) deveria ser considerado o ponto de partida para a produção literária deuteronomista; a existência de uma atividade de escribas deuteronomistas no tempo de Josias não significa, porém, que se possa fazer remontar até esse tempo a elaboração da História Deuteronomista em sua forma atual, que vai da fundação mosaica (Deuteronômio) até à queda de Judá (2 Reis). Pelo contrário, é muito mais provável que essa “história”, na perspectiva do referido pesquisador, não tenha sido concebida antes do período exílico, numa tentativa dos antigos escribas régios de enfrentar a crise nacional e ideológico-cultual de 597/587 a.C. Na visão do autor, existem também alguns indícios que esta História passou por uma nova redação no período persa.

Mas ainda se questiona o papel de Moisés no Deuteronômio, pois Moisés é extremamente funcional, e não possui funções tão claras no Deuteronômio, mas sim nos escritos Sacerdotais. Nenhuma das instituições “fundadas” pela figura epônima Moisés existiam no período da Reforma Josiânica. Até mesmo pode se deduzir que o Moisés no Deuteronômio seja uma inserção posterior Sacerdotal, e não Deuteronomista, ou até mesmo que o livro do Deuteronômio foi o último livro dos escritos Deuteronomistas a ser inserido por fazer referência a Moisés, que é encontrado no livro de Reis, mas não se desdobram as histórias sobre ele, o que pode ser uma inserção sacerdotal em 2 Reis 21,8. Além disso, Josué não é encontrado no livro de Reis, mas a sua obra se identifica muito com as intenções do deuteronomismo de Josias.

Conclui Thomas Römer que, caso os escribas deuteronomistas já estivessem atuando sob o reinado de Josias, sua atividade literária deveria estar ligada de uma maneira ou de outra aos interesses da corte real: dessa forma, não era, portanto, um exercício sofisticado de composição histórica, mas antes uma literatura de propaganda, pois, para o citado autor, uma primeira versão de Samuel – Reis deve ter sido composta a fim de reforçar a legitimidade de Josias, a apresentá- lo como o verdadeiro sucessor de Davi, enquanto um documento escrito no espírito dos relatos da conquista assíria (Deuteronômio – Josué) teria apoiado a política de Josias de legitimar a posse da terra por parte de Judá em nome do próprio Yahweh. E para o referido estudioso, semelhante compromisso entre as diferentes opiniões sobre a composição da História Deuteronomista parece

63

promissor, pois através dos pontos fortes de cada uma das opiniões referidas sobre o assunto pode-se chegar a uma conclusão mais sensata e coerente sobre o que foi de fato tal composição.

Romer acentua os pontos principais e os verdadeiros objetivos da fonte Deuteronomista. É óbvio que a intenção do deuteronomista, por servir os interesses de corte josiânica era de legitimá-lo como o sucessor de Davi, e conquistador de todo o Reino de Israel e de Judá perante todos. Mas ressalta-se que dentro dos escritos deuteronomistas outras vozes que não corresponderam aos ideais do rei Josias também foram inseridas, na intenção de haver ligação entre os documentos, conforme o já afirmado anteriormente.