• Nenhum resultado encontrado

Capítulo III – Teorias sobre o Primeiro Templo

2. Teoria de Mario Liverani

2.1 Templos do Território de Israel e Templos Babilônicos

Segundo as pesquisas do estudioso222, a opção da monarquia, com a sua perspectiva de um reino poderoso e pan-israelita, era mero desejo, pois na realidade, para o autor, a linhagem real não tinha mais nenhum estímulo propulsivo, um reino independente era incompatível com a situação imperial e os sobreviventes provinham somente de Judá e de Benjamim. Para o pesquisador, os desejos às vezes vencem, mas, neste caso, tratava-se de um desejo retrógrado, conservador, baseado na tentativa de voltar a um passado anacrônico. No raciocínio do autor, o desejo monárquico foi vencido por outro desejo, o sacerdotal, projetado no futuro e apoiado com grande determinação. Na teoria, percebe o estudioso, propugnava um reino direto de Yahweh:

, –

>' ?$ @

, Yahweh malak, “Deus reina”, como dizem os salmos já régios, readaptados à nova ideologia:

Yahweh abre os olhos dos cegos, Yahweh levanta os que esmorecem, Yahweh ama os justos,

Yahweh protege os migrantes. Ele dá apoio ao órfão e à viúva, mas confunde os passos dos maus. Yahweh reinará para sempre.

Ele é teu Adorado, Sião, de geração em geração. (Salmos 146,8-10)

Mas, na prática, afirma o autor223, o reino de Yahweh realizar-se-ia ao conferir ao sacerdócio um papel político e ao configurar a comunidade judaica como uma cidade-templo – uma solução totalmente inovadora na história da Judeia. Aqui o pesquisador traz o reino como Reino de Yahweh, não reino de reis que só colocam os homens em apuros e riscos.

De acordo com o estudioso224, na Judeia e em todo o Levante, os templos sempre tiveram um papel nitidamente cultual, como “casas” de vários deuses citadinos, destinadas, portanto, à sua habitação. Para o autor, os templos tinham uma dimensão reduzida, uma estrutura arquitetônica simples (na sequência, vestíbulo, sala, sacelo), e sobretudo não era circundados por

222 LIVERANI, M. op. cit., p. 393. 223

Ibidem, p. 394.

224

131

anexos (armazéns, lojas, arquivos, habitações do clero), que eram habituais no Egito ou na Mesopotâmia, ou também na Anatólia, e naquelas regiões faziam do templo um centro de redistribuição, célula básica para a economia do país.

Conforme os estudos do autor225, o templo siro-israelita não desempenhava um papel político por ser uma espécie de “anexo” do palácio real, no âmbito de uma complexa organização que geria apenas as atividades cerimoniais do culto que a cidade prestava à sua ou às suas divindades. Os sacerdotes, conforme o pesquisador explana, eram uma das categorias de dependentes palatinos, e do rei recebiam seu sustento, o que não impedia que a gestão do culto tivesse recaídas políticas. Pelo contrário, observa o autor, a classe dos sacerdotes tinha recaídas fortíssimas, ao garantir ao rei a adesão popular, e ao povo a segurança de um bom relacionamento entre os seus dirigentes humanos e as divindades. Porém, ressalta o estudioso, tal funcionalidade política do templo, por ser o clero diretamente dependente do rei (e a ser o rei protagonista em pessoa das maiores cerimônias religiosas), era de fato controlada e ofuscada pelo próprio rei. O contexto que o pesquisador retrata é o do papel do clero sobre o rei, pois nessa época o clero era praticamente sustentado pelo rei.

Conforme os conhecimentos do estudioso226, também na vida econômica, o templo desenvolvia certo papel, não de tipo produtivo, mas cerimonial. Para o autor, o templo não possuía terras, não possuía grupos de escravos rurais; mas acolhia festas (talvez com feiras anexas) e administrava sacrifícios com o afluxo das contribuições e das vítimas e com a repartição das carnes entre os participantes. Relata o pesquisador que o Templo recebia ofertas que em parte eram entesouradas (o templo era o “tesouro” do palácio) e em parte utilizadas nos preparativos da atividade cerimonial que escandia os ritmos de vida da comunidade. De acordo com o autor, a participação popular nas atividades do culto poderia ser muito ampla, mas ficava fora do templo, que não tinha pátios ou outros espaços adequados para receber a presença dos fiéis. Ou seja, o templo sempre teve um papel financeiro importante, principalmente na época do rei.

Segundo o autor227, na Babilônia, os exilados estiveram em contato com um modelo bem diferente de templo. Para o estudioso, os templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk eram organizações bem complexas, dotadas de um poder econômico e político relevante. De

225 Ibidem, p. 394. 226 Ibidem, p. 394. 227 Ibidem, pp. 394-395.

132

acordo com as pesquisas do autor, as estruturas arquitetônicas eram imponentes, pois além da “casa de deus”, a cela que abrigava a estátua da divindade, de dimensões relativamente reduzidas, o complexo do templo compreendia a série de anexos a que se fez referência. Relata o pesquisador que havia amplos armazéns para a colheita, que seriam reutilizados, seja para os trabalhos de manutenção dos canais, seja para a manutenção dos dependentes, seja para a redistribuição sob forma de empréstimos a juros privilegiados. Conforme o autor, havia lojas de artesãos, escolas de escribas e residências sacerdotais, e o templo comportava amplos pátios para o acesso dos fiéis. Nas pesquisas do estudioso, sacerdotes e escribas do templo compunhm uma verdadeira classe dirigente que administrava a economia da cidade e do território – especialmente, afirma o autor, para as cidades (até importantes) que não eram a capital e, portanto, não tinham um palácio real.

Informa o pesquisador228 que a tradição da “cidade-templo” remontava ao mundo sumeriano do terceiro milênio (e até mesmo ao “Uruk tardio”, do quarto milênio), mas era vital, de acordo com o autor, para toda a história da baixa Mesopotâmia. Afirma o estudioso que, no período neobabilônio, pois, a história fora ulteriormente revitalizada, a serem os templos as agências propulsivas e diretivas daquele processo de recolonização agrícola que caracterizou o período.

Em particular, para o autor, pelos textos administrativos de Uruk, no período entre o fim da dinastia neobabilônica e o início do domínio persa, conhece-se o volume enorme das propriedades agrícolas do templo (conforme Liverani, calcula-se que a Eana possuía a grande parte do território irrigado e cultivado de Uruk), as modalidades de gestão, o peso na economia (a “décima”), prebendas para os serviços cultuais, aquisições votivas de pessoal (como “oblatos”:

irku, feminino irkatu) pelo desenvolvimento do trabalho de baixo nível. Conforme o autor, também eram politicamente relevantes as “isenções” ou “privilégios autonomistas” (kidin2ttu) que os reis babilônios conferiram às cidades dos templos e que os aquemênidas fizeram uso, ao ver nisso um bom modo de administrar grandes comunidades citadinas em um justo equilíbrio entre autonomia local e dependência imperial.

Percebe o autor229 que ao voltar a Jerusalém para reconstruir o velho templo salomônico, o clero judaico (“sadoquita”, pois descendente de Sadoc, sacerdote de Davi) tinha em mente esse

228

Ibidem, p. 395.

229

133

modelo, que estava em função das relações com os imperadores, supria as fraquezas da monarquia davídica restante e assegurava aos próprios sacerdotes o modo de administrar a nova comunidade judaica até nas decisões políticas e, sobretudo, nas orientações legislativas e sociais.

Ou seja, após o retorno do exílio, os escribas teriam mais base para descrever um templo grandioso conforme as referências que eles tinham dos templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk. Portanto, as ilustrações do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão são posteriores, de origem Sacerdotal, inseridas no documento Deuteronomista no período pós- exílico.