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Capítulo II – O Senso Crítico sobre o Primeiro Templo

1. O Senso Comum sobre o Primeiro Templo

A leitura bíblica do senso comum sobre o Templo pré-exílico se baseia nas leituras de hermenêutica fundadas no seio das tradições judaico-cristãs segundo explicita de Zabatiero109, que consistem na prática da leitura da Bíblia realizada por ministros e ministras e leigos e leigas evangélicas no seu cotidiano, em função do aperfeiçoamento da vida religiosa cristã ou do exercício do ministério eclesiástico.

Para Zabatiero110, as leituras de hermenêutica fundadas no seio das tradições judaico-cristãs são três:

1ª) A fundamentalista – tipo de leitura que identifica a palavra escrita com a Palavra divina, ao negar, dessa forma, a sua historicidade e consequente fragmentariedade, a reivindicar, assim, para os textos bíblicos, o caráter de autoridade final da Escritura, graças à sua inerrância e expressão da verdade divina absoluta (fora do contexto).

2ª) A conservadora – denominada como “tradicional”, considerada como predominante no mundo religioso cristão protestante. Hermenêutica quase idêntica à fundamentalista, distingue-se da mesma por não afirmar definitivamente a inerrância, mas a infabilidade das Escrituras em questões de doutrina e de crença cristã. Tal hermenêutica reconhece a historicidade dos escritos bíblicos, mas suspende tal historicidade quando o texto se refere a questões doutrinárias reconhecidas e aceitas dogmaticamente como verdades absolutas da crença cristã.

3ª) A devocional – elenca uma atitude hermenêutica similar a das atitudes fundamentalista e conservadora, porém, possui um propósito bem distinto de leitura da Bíblia. Pois ela o é quanto o seu objetivo é encontrar respostas de Deus para os problemas da vida diária pessoal. Na

109 ZABATIERO, J.P.T. Hermenêuticas da Bíblia no mundo evangelical. In: REIMER, H.; SILVA, V. da (orgs.).

Hermenêuticas Bíblicas: Contribuições ao I Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. São Leopoldo: Oikos; Goiânia: UCG, 2006, pp. 61-74.

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referida leitura, a Bíblia é lida como se fosse o jornal do dia, ao trazer a mensagem direta de Yahweh para quem a lê111.

Ao aplicar as referidas hermenêuticas não acadêmicas de acordo com Zabatiero sobre o Templo monárquico do reino de Judá, nenhuma delas possui o propósito de questionar a sua existência, ou o exagero dos autores ao descrever o referido objeto.

Na leitura fundamentalista, pelo motivo da inerrância das Escrituras, afirma-se que o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão existiu de fato conforme o descrito na Bíblia, pois tudo o que está nela é verdade inquestionável.

Através da leitura conservadora ou tradicional, apesar de reconhecer a historicidade dos escritos bíblicos, suspende-a quando o texto se refere a questões doutrinárias reconhecidas e aceitos dogmaticamente como verdades absolutas da crença cristã. É uma leitura que ainda persiste, não apenas no cristianismo protestante, mas também em boa parte dos seminários de teologia com o intuito de introduzir o aluno às Ciências Bíblicas, pois em um aspecto, para o recém-teologando, já é difícil digerir a teoria das quatro fontes de Wellhausen, e trazer as novas descobertas é pior ainda.

Wellhausen era um dos autores que, por acreditar na monarquia unida entre Israel e Judá, com toda a certeza acreditava na existência do Templo pré-exílico cuja construção foi atribuída ao rei Salomão. Não apenas Wellhausen, como outros autores bem posteriores até o final da década de noventa do século XX, tais como Bright112, Fohrer113, Mazar114, De Vaux115, Armstrong116 e Lowery117 são conhecidos pela leitura tradicional, ao reconhecer a historicidade dos escritos bíblicos sem questionar o Templo monárquico do reino de Judá. No momento que tal leitura tradicional entra nos seminários de teologia, chega ao ponto de transformar a Bíblia em documento histórico, e esquecem-se de que a Bíblia é apenas a justificativa de uma crença, e quando a crença cai no âmbito da ciência, ela pode e deve ser questionada.

E, por último, a interpretação devocional sobre o Templo pré-exílico, que não possui o propósito de questioná-lo, mas sim de resolver os problemas diários das pessoas, por exemplo, ao

111 Ibidem, pp. 62-65. 112 BRIGHT, J. op. cit. 113 FOHRER, G. op. cit. 114 MAZAR, A. op. cit.

115 VAUX, R. de. Instituições de Israel no Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2004. 116 ARMSTRONG, K. op. cit..

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LOWERY, R.H. Os reis reformadores: culto e sociedade no Judá do Primeiro Templo. São Paulo: Paulinas, 2009.

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comparar determinadas atitudes de personagens bíblicas com as dos ouvintes da interpretação devocional, e levar o referido ouvinte a tomar uma decisão sobre tal fato apresentado. Mas, de fato, não se trata de uma interpretação acadêmica que vai questionar a existência do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, e, sim, vai dar uma espécie de orientação diária para as pessoas que necessitam de uma palavra que os ajude, oriunda da Bíblia.

Percebe-se que os três métodos de leitura (fundamentalista, conservador e devocional) estão absolutamente assentados e fundamentados nas tradições judaico-cristãs, que são consideradas legítimas de acordo com as instituições sinagogais e eclesiais. Tais intepretações, porém, entram em confronto com os estudos do método histórico-crítico, pois no século XIX, surgiu o fundamentalismo cristão nos Estados Unidos por não aceitarem o seu rebaixamento perante os estudos acadêmicos científicos e racionais.

Para os adeptos das referidas leituras das tradições religiosas (fundamentalista, conservador e devocional), o método histórico-crítico corresponde à violação de seu tesouro, e a utilização do método histórico-crítico pode levar à degradação moral da humanidade e do judaísmo- cristianismo, e muitos lutam agressivamente e ofensivamente, sem fundamento científico nenhum, contra o método histórico-crítico dos estudos bíblicos, ao ponto de demonizar, diabolizar e anatematizar tais estudos, assim como os que fazem uso dele.

O próximo item será desdobrado sobre a história e a historiografia deuteronomista na análise de Thomas Römer, em que o autor traz a diferença entre história grega e história bíblica, e aponta a possibilidade de a História Deuteronomista ser considerada como Historiografia.