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Capítulo V – Relevância da Memória do Primeiro Templo

4. O Imaginário Radical

Conforme as reflexões de Castoriadis278, surge e emerge o imaginário radical, como alteridade e como construção e elaboração da origem perpétua da alteridade, que ao mesmo tempo que figura coletivamente se autofigura (ou se figura para si próprio)279, é a figurar coletivamente e a se figurar para si mesmo (no sentido enfático e pleonásmico), criação de imagens, criação de “imagens” que são o que são e tais como são como figurações ou presentificações de significações ou de sentido. Mas o que vem a ser alteridade? Alteridade é a concepção que parte do pressuposto básico de que todo homem social interage e interdepende do outro. Nesta definição de Castoriadis, tal imaginário radical é resultado da relação intrínseca entre os seres humanos, que produz os seus resultados devido às suas próprias relações.

Ou seja, na questão do Templo pré-exílico se estabelece o que denominamos “mito” no pós-exílio; trata-se de produto das relações intrínsecas entre os seres humanos que resultaram na criação das “imagens” como figurações ou presentificações de significações ou de sentido. Na definição de Castoriadis, o Templo monárquico do reino de Judá estaria mais próximo às presentificações de significações, pois para os indivíduos em sua época, o Templo considerado como original realmente existiu e foi construído por Salomão, ao contrário das descobertas arqueológicas e factuais que afirmam ao contrário.

Na visão de Castoriadis280, o imaginário radical é como social-histórico e como

psiquê/soma. Então o autor explana que como social-histórico o imaginário radical é corrente do coletivo anônimo, assim como psiquê/soma é fluxo representativo/interativo/social. Isso significa

278 CASTORIADIS, C. A Instituição Imaginária da Sociedade. Trad. Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra,

1982, pp. 414-418.

279 O autor Cornelius Castoriadis coloca “que figura e se figura”, e está na obra em português. Porém, é uma frase

que se torna de difícil compreensão para o leitor que não domina a teoria do referido autor.

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que para o estudioso, o imaginário radical no social-histórico é corrente do coletivo anônimo; no caso do Templo pré-exílico, houve um coletivo anônimo que sustentou o seu mito como uma verdade plena. Na perspectiva do psiquê/soma como fluxo representativo/afetivo/intencional, tal Templo considerado como original, além de ser representativo, é afetivo e intencional, pois o imaginário radical relacionado ao Templo monárquico do reino de Judá é afetivo, pois traz às pessoas determinado orgulho de serem detentoras de um Templo tido como o primeiro, como intencional, cujo significado é uma propositoriedade na ênfase da existência do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, mesmo que ele de fato não tenha existido conforme os relatos bíblicos.

Castoriadis diferencia imaginário social de imaginário radical da seguinte forma:

a) Imaginário Social – no sentido primário do termo, ou sociedade instituinte, o que no social histórico é posição, criação, fazer ser.

b) Imaginário Radical – na psiquê/soma é a posição, criação, fazer ser para a psiquê/soma. Na perspectiva de Castoriadis281, compreende-se que o imaginário radical é algo mais profundo do que o imaginário social, pois não envolve apenas a sociedade, mas o indivíduo, em um sentido mais amplo, “em corpo e alma” (ou alma e corpo – psiquê/soma). Relacionado ao Templo pré-exílico, a teoria do pesquisador está mais relacionada com o Imaginário Radical do que com o Imaginário Social, pois, na sua criação, o indivíduo se envolve de alma e corpo ou corpo e alma nas suas origens, pois eles creem na existência de um passado glorioso do povo de Israel no qual houve um Templo que foi o mais belo e grandioso da face do mundo conhecido e que perdeu a sua glória mediante invasões estrangeiras e o exílio, o que gera certo afeto pelas origens epônimas do Templo monárquico do reino de Judá que foram construídas intencionalmente para legitimar a sua existência como símbolo de um povo.

Para Castoriadis, o imaginário radical ocorre na e pela posição-criação de figuras como presentificação de sentido e de sentido como sempre foi figurado-representado. Na linguagem do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, as pessoas acreditaram que o referido sempre veio a existir, pois a sua existência deu sentido aos indivíduos que acreditaram na sua existência ao ponto de afirmarem que tal história sempre foi assim, ou seja, sempre foi figurada- representada daquela forma, sem no mínimo questionarem as motivações de tais mitos.

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Conforme os conhecimentos do autor282, a posição de figuras com senso ou de sentido figurado pela imaginação radical apoia-se no ser-assim do sujeito como ser vivo, e encontra-se sempre (até um ponto de origem insondável) numa relação de recepção/alteração com o que já havia sido representado por e para a psiquê. A traduzir tal teoria de Castoriadis para o Templo pré-exílico, a posição do referido (Templo) e das histórias elaboradas sobre o tal que fazem parte deste, figuradas pela imaginação radical apoia-se no ser-assim do sujeito como ser vivo, ou seja, o Templo e as suas histórias apoiam-se no próprio indivíduo ao ponto de fazer parte do seu dia a dia e do seu cotidiano, e, em seguida, Castoriadis aponta a relação de recepção/alteração com o que já havia sido representado por e para a psiquê, no aspecto da relação entre o indivíduo com a sua interação e interdependência do outro.

Conforme a teoria do Imaginário Radical, o indivíduo não apenas depende da sua própria crença, mas também de outros que também acreditem na existência do Templo considerado como o original no intuito de se formar uma identidade coletiva relacionada às origens do referido.

Percebe-se que o Imaginário Radical de Castoriadis é uma teoria que de fato abriga o Templo monárquico do reino de Judá em uma sociedade, pois o ponto não é a sua existência factual e sim o seu significado. O indivíduo recebe as histórias consideradas epônimas do Templo considerado como original não apenas oriundas de uma elite detentora do poder da escrita, seja ela deuteronomista ou sacerdotal, como também de outros indivíduos que recepcionaram, acreditaram e defenderam tais histórias na intenção de reforçar a identidade e ter o Templo pré- exílico como o orgulho da Judeia por ter sido construído em uma época na qual o Reino de Israel e o Reino de Judá eram unidos, pois o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, de certa forma, foi símbolo da união de dois reinos. Apesar de a arqueologia e a crítica literária atentarem que a união dos dois reinos era mais um desejo do que um fato, para aqueles que receberam e acreditaram nas histórias epônimas do Templo cuja construção foi atribuída ao rei Salomão, é a mais pura verdade, pois para eles, graças ao Imaginário Radical, o que importa é o significado que impinge o Templo considerado como o original, independentemente de sua existência.

Isso significa dizer que a questão no Imaginário Radical não é a existência do Templo pré- exílico, mas sim o seu sentido como fator unificador de um povo, que teve o seu papel epônimo na construção do Reino Unido de Israel e de Judá com o rei Salomão; depois novamente com a

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queda do Reino de Israel por volta do ano 722 a.C., que teve como consequência a Reforma Deuteronomista por volta de 622 a.C. que objetivava transformar Josias no rei de Judá e dos remanescentes de Israel; e finalmente, no pós-exílio, por volta de 539 a.C., período no qual houve intensa produção literária sacerdotal, que reforçou as histórias do Templo cuja construção foi atribuída ao rei Salomão da mesma forma que foram reforçadas na Reforma Deuteronomista. Mas o ponto a ser enfatizado é o Templo como símbolo da união dos povos de Israel e de Judá e motivo para os presentes do Templo vigente não se dispersarem, por ser o orgulho daquele povo. Em suma, não é questão no Imaginário Radical a existência do Templo monárquico do reino de Judá, mas sim o seu significado perante aqueles que sentem orgulho do referido.