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Capitulo I – A Questão Deuteronomista

2. Origens da Teoria Deuteronomista

2.5 A Escola Deuteronomista: “Encontro do Livro” e Reforma Cúltica

No raciocínio de Thomas Römer89, 2 Reis 22-23 desempenha um papel central no debate sobre as origens da escola deuteronomista, pois relata como, no 18º ano do reinado de Josias, foi encontrado um rolo no templo de Jerusalém durante as obras de renovação. De acordo com o relato, a descoberta foi feita pelo sacerdote Helcias e a leitura deste rolo ao rei pelo alto funcionário Safã provocou uma reação muito forte. Conforme os dados do capítulo, Josias parece profundamente afetado pelas maldições do livro; consequentemente, o rei Josias envia Helcias, Safã e outros funcionários à profetisa Hulda para indagar sobre o sentido do rolo, e Hulda fala à delegação como se ela fosse Jeremias (o referido autor sugere comparar 2 Reis 22,16-17 com Jeremias 19,14 e 7,20, que possui falas idênticas); mas, de acordo com o estudioso citado, a profetisa se refere também a textos importantes da História Deuteronomista como Deuteronômio 6,12-15; 31,29; Juízes 2,12-14a. Ao fazer isso, a profetisa Hulda confirma o julgamento divino que Yahweh lançará sobre Jerusalém e Judá.

Sobre o rei Josias, a profetisa dá uma mensagem mais positiva: já que esteve atento às palavras do livro, ele será sepultado em paz (2 Reis 23,1-3). Na sequência, relata o autor, Josias começa a empreender importantes modificações cultuais em Jerusalém e Judá, ao eliminar os símbolos cultuais e os sacerdotes das divindades Baal e Asherah, e do “exército celeste”, o que é uma alusão à veneração ao sol, à lua e às estrelas, assim como Josias profana e destrói os –

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, santuários abertos (os “lugares altos”), para a veneração de Yahweh, bem como o "#$

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, aparentemente considerado um lugar dedicado à sacrifícios humanos. De acordo com 2 Reis 23,15, ressalta o pesquisador que Josias até demole o altar em Betel, antigo santuário Yahwista oficial de Israel; para o autor, estes atos de destruição possuem sua contrapartida positiva na conclusão de um talvez novo tratado entre Yahweh e o povo e na celebração de uma Páscoa (2 Reis 23,21-23), e ambos os rituais são mediados por Josias e apresentados como prescrições do rolo descoberto.

Afirma o estudioso que comentadores judeus antigos, bem como alguns padres da Igreja, já identificaram o livro mencionado em 2 Reis 22-23 como o livro do Deuteronômio, já que os atos de Josias e a ideologia da centralização, que sustenta sua “reforma”, parecem concordar com as

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prescrições da lei deuteronômica (o autor sugere conferir, por exemplo, Deuteronômio 17,13 e 2 Reis 23,4-5; Deuteronômio 12,2-3 e 2 Reis 23,6/14; Deuteronômio 23,18 e 2 Reis 23,7; Deuteronômio 18,10-11 e 2 Reis 23,24). Segundo o autor, esta identificação foi depois, nos séculos XIX e XX, usada como uma forma de situar a primitiva edição do Deuteronômio no tempo de Josias, no último terço do século VII. O referido pesquisador enfatiza que, de acordo com a teoria da pia fraus (“piedosa fraude”), defendida por Wellhausen e outros, a primeira edição do Deuteronômio foi escrita a fim de promover a reforma josiânica, disfarçada em testamento de Moisés e escondida no templo para ser rapidamente descoberta.

Mesmo que Moisés seja citado em 2 Reis 21,8, ele precisa ter uma função, que não é caracterizada em nenhum dos escritos deuteronomistas, pois pode-se deduzir que as referências a Moisés são todas Sacerdotais e deduz-se que o leitor, ao escutar o nome de Moisés, já saiba de quem se trata. A questão de Moisés e da Lei, pode ser desde exílica até sacerdotal, pois ao ser exílica, há uma crítica aos reis pela desobediência às leis que levou o seu povo ao desterro, e ao ser sacerdotal, como legitimação de Moisés, como escriba e sacerdote sacralizado por Yahweh para comandar o seu povo.

Conclui o Thomas Römer que, para esta teoria, o relato do livro descoberto reflete um fato histórico, o que não está isento de dificuldades, pois para o referido autor, 2 Reis 22-23 é sobretudo o “mito fundante” dos deuteronomistas e não pode ser usado ingenuamente como relato da assim chamada reforma feita por uma testemunha ocular. Resume o citado estudioso que a narrativa, como existe agora, já reflete sobre a destruição de Jerusalém e o exílio babilônico (especialmente nos discursos da profetisa Hulda, em 2 Reis 22,16-17); por isso, exalta o pesquisador, no texto presente de 2 Reis 22-23, para usar as palavras de T.R. Hobbs, “o ponto importante a respeito do reinado e da reforma de Josias é o seu fracasso”. No raciocínio do estudioso, a “purificação” do templo não adiantou muito, já que ele foi destruído decênios mais tarde, porém, a descoberta do livro forneceu a possibilidade de entender esta destruição e de adorar Yahweh sem qualquer templo. (Itálicos do autor Thomas Römer.)

Inclusive o encontro de uma lei de Moisés no templo por volta do ano 622 a.C. é bastante diacrônico, pois pode-se até dizer que é uma história bem posterior (seja ela exílica ou sacerdotal) que legitimava a origem da reforma deuteronomista.

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De acordo com o referido autor, o motivo do encontro de livros é na verdade um conceito muito comum na literatura antiga90 e é geralmente empregado a fim de legitimar mudanças no campo religioso, econômico ou político, o que significa que a história da restauração do templo e da descoberta do livro em 2 Reis 22 é com toda a probabilidade uma construção literária complexa, baseada em motivos do Oriente Médio. Para o citado pesquisador, deve-se na verdade distinguir em 2 Reis 22-23 diversas fases de composição. Percebe o estudioso que, quanto a 2 Reis 22, é bastante óbvio que o relato da restauração nos versículos 3 a 7 depende literalmente de 2 Reis 12,10-1691.

De acordo com Thomas Römer, a notícia do encontro do livro pelo sacerdote Helcias no versículo 8 do capítulo 22 de 2 Reis é introduzida muito abruptamente e interrompe a primeira cena (conferir versículos 3-7/9). Dessa forma, continua o autor, como muitas vezes se afirmou, é muito provável que em 2 Reis 22 se deva fazer distinção entre duas histórias: o relato da restauração (Instandsetzungsberricht) e a narrativa sobre a descoberta do livro (Auffindungsbericht). Nas reflexões do estudioso, é possível que o relato da descoberta (22,8/10/11/13*/16-18/19*/20*; 23,1-3)92 seja uma inserção posterior, que se poderia atribuir a um redator pós-exílico93.

Segundo o raciocínio do pesquisador, a origem do motivo da “descoberta dos livros” deve ser situada principalmente no depósito de tabuinhas de fundação nos santuários mesopotâmicos, que muitas vezes são “redescobertas” por reis posteriores que empreendem obras de restauração. Nos estudos do autor, a variante egípcia deste motivo ocorre, por exemplo, na rubrica final do capítulo 64 do Livro Egípcio dos Mortos, que foi padronizado não antes do período saítico (664-

90 Ibidem, p. 57. O autor sugere conferir o convincente estudo de DIEBNER, B.J.; NAUERTH, C. Die Inventio des

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in 2Kön 22. Struktur, Intention und Funktion von Auffindungslegenden.

Dielheimer Blàtter zum Alten Testament 18, 1984, p. xxv.

91 Ibidem, p. 57. O autor sugere conferir HOFFMAN, H.D. Reform und Reformen: Untersuchungen zu einem

Grundthema der deuteronomistischen Geschichtsschreibung. Abhandlungen zur Theologie des Alten und Neuen

Testaments 66. Zurich: Theologischer Verlag, 1980.

92 Ibidem, p. 57. Os asterísticos (*) enfatizam os versículos principais que Thomas Römer quer apontar como

relacionados ao tema desdobrado.

93 Ibidem, p. 57. Conforme o autor, como defende LEVIN, C. Fortschreibungen Gesammelte Studien zum alten

Testament. Beihefte zur Zeitschriftfür diealttestamentliche Wissenschaft 316. Berlin: de Gruyter, 2003, pp. 198-216, aqui 201. Relata Römer que se pode também sustentar que ambos os motivos se encaixam muito bem e poderiam, portanto, ser a obra de um único escriba do período exílico ou, mais provavelmente, do período persa.

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525 a.C.). Afirma Römer que o capítulo 64 é apresentado como encontrado no templo de Sokaris e a remontar às primeiras origens do Egito94.

Em outra comparação, nas inscrições reais babilônicas, o referido autor atenta que os relatos de descoberta são muitas vezes variações do seguinte padrão: 1) Uma pessoa importante (rei, príncipe) deseja empreender mudanças políticas ou cultuais, que muitas vezes são apresentadas como uma restauração de um estado inicial; 2) Ele teme encontrar oposição; 3) Ele ou um de seus servos leais é enviado a um lugar sagrado; 4) Ali ele descobre um documento escrito de origem divina; 5) Esta descoberta dá impulso divino aos projetos do monarca.

Nas observações do citado pesquisador, de interesse especial são as inscrições de Nabônides, que procurou aparecer como o descobridor de numerosos documentos, e todos os seus relatos seguem o mesmo esboço. Por exemplo, o estudioso se refere ao cilindro de Sippar, no qual Nabônides conta a seguinte história95 na qual ele queria reconstruir o templo de Ibarra (dedicado a Shamash) em Sippar:

[19] um rei anterior (= Nabucodonosor) havia procurado uma antiga pedra fundamental sem nenhum sucesso. [20] Por iniciativa própria ele havia construído um novo templo para Shamash, mas este não foi construído (suficientemente bom) para o seu reino... [22] As paredes cederam e ameaçavam ruir... [26] Eu supliquei a ele (= Shamash), ofereci-lhe sacrifícios e andei em busca de suas decisões. [27] Shamash, o Senhor altíssimo, escolheu-me desde os primeiros dias... [32] Fiz investigações e reuni os anciãos da cidade, os babilônios, os arquitetos, [33] os sábios... [34]... Eu lhes disse: “Procurai a antiga pedra fundamental, [35] tomai conta do santuário do juiz Shamash...” [36] Os eruditos procuraram a antiga pedra fundamental, a implorar a Shamash, meu Senhor, e a suplicar aos grandes deuses, [37] inspecionaram o apartamento e os quartos e a viram. Vieram até mim e contaram-me: [38] “Viu a antiga pedra fundamental de Naran-Sin, o

94 Ibidem, p. 58. Segundo as pesquisas de Römer, este texto existe na versão mais longa e na versão mais abreviada

do capítulo 64. Relata o autor que o Papiro de Nu contém o seguinte texto: “Este capítulo foi encontrado na cidade de Khemennu [...] sob os pés do deus durante o reinado de Sua Majestade o Rei do Norte e do Sul, Men-kau-Rá [...] triunfante, pelo filho real Heru-ta-ta-f, triunfante; encontrou-o quando estava a viajar para fazer uma inspeção dos templos [...] ele o trouxe ao rei como um objeto maravilhoso quando viu que era uma coisa de grande mistério, que nunca [antes] fora vista ou olhada. Este capítulo deve ser recitado por um homem que seja cerimonialmente limpo e puro” (apud WALLIS BUDGE, E.A. The Book of the Dead, Vol II. 2ª ed. London: Routledge & Kegan Paul LTD., 1956, pp. 221-222. Para variantes, o autor sugere conferir pp. 217 e 221).

95 Ibidem, p. 58. De acordo com o autor, foi traduzido por F.E. PEISER em SCHRADER, E. Keilschriftliche

Bibliothek. Sammlung von assyrischen und babylonischen Texten in Umschrift und Ubersetzung. Berlim: REUTHER, H, 1890, pp. 80-121, especialmente pp. 108-113. Segundo Römer, uma história semelhante é narrada no cilindro de Nabônides de Abû Happa, conferir pp. 103-105.

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rei anterior, o santuário real de Shamash, a morada de sua divindade”. [39] Meu coração exultou e minha face ficou radiante.

Conclui o referido autor que, de acordo com este texto, a pedra fundamental contém o documento do “templo original” e possibilita a Nabônides empreender suas obras de restauração.

Ao comparar com a passagem de 2 Reis, afirma o estudioso citado que parece bastante claro que os autores ou redatores de 2 Reis 22 recorrem à mesma convenção literária, o que confirma a suposição de que 2 Reis 22-23 deve ser interpretado como o mito fundante do grupo deuteronomista; e, para o autor, a pedra fundamental é substituída em 2 Reis 22-23 pelo livro, que se torna o fundamento “real” para o culto a Yahweh. Percebe o pesquisador que os mediadores desta “religião do livro” não são nem o rei nem o sacerdote e seu culto sacrificial, mas os escribas que produzem e leem esses livros. O referido estudioso conclui o seu pensamento ao afirmar que, por esse motivo, não se deve situar com demasiada facilidade a história do encontro do livro e a consequente reforma no final do século VII a.C., como geralmente se faz. Para o pesquisador, é fácil de compreender que alguns estudiosos sustentem que toda a ideia de uma reforma josiânica seja uma invenção tardia96.

Na perspectiva de Thomas Römer, na verdade, não há provas primárias em favor de uma assim chamada reforma josiânica97 (ou seja, não há nenhum documento que possa ser claramente datado como proveniente do reinado de Josias e que prove a existência de uma reorganização política e cultual). De acordo com o autor, há, no entanto, alguns indícios que apontam para mudanças cultuais e políticas em Judá pelo final do século VII a.C., e segundo 2 Reis 23, Josias suprimiu numerosos elementos ligados a um culto aos astros, que era uma parte importante da ideologia religiosa neoassíria.

Para o referido autor, as referências aos cavalos e carros de Shamash, o Deus Sol (2 Reis 23,11), e aos sacerdotes-kemarim98 que serviam “ao Sol, à Lua, às constelações e todo o exército do céus” (2 Reis 23,5), têm plausibilidade histórica no período assírio, e sua eliminação do

96 Ibidem, p. 59. O autor sugere conferir HANDY, L.K.; NIEHR, H. Die Reform des Joschija: methodische,

historische und religionsgeschichtliche Aspekte. In: GROß, W. Jeremia und die ‘deuteronomistiche Bewegung’

Bonner Biblische Beiträge 98. Weinheim: Beltz Athenäum, 1995, pp. 33-56.

97 Ibidem, p. 59. Para distinção entre provas primárias e secundárias, o autor recomenda conferir KNAUF, E.A. From

history to interpretation. In: EDELMAN, D.V. (ed.). The Fabric of History. Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series 127. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1991, pp. 26-64.

98 Ibidem, p. 59. Conforme o autor, este termo raro na Bíblia Hebraica está ligado provavelmente à palavra assíria

kumru, que designa os sacerdotes estrangeiros. Para mais detalhes, há a recomendação de Römer para HOBBS, T.R. 2 Kings. Word Bible Commentary 13. Waco, TX: Word Books, 1985, p. 333.

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templo de Jerusalém não é necessariamente um sinal de uma insurreição antiassíria; pode simplesmente denotar o fato de que o contato assírio na Síria e em Israel e Judá havia diminuído muito sensivelmente nos últimos decênios do século VII a.C. O pesquisador faz referência a Uehelinger, que demonstrou que existe uma clara mudança na glíptica judaíta do século VII ao século VI a.C. Conforme o estudioso, durante o século VII a.C., selos da classe alta e dos funcionários estão fortemente marcados por motivos astrais. Mas de acordo com o referido autor, num corpus de aproximadamente 260 selos, a serem datados do início do século VI a.C., faltam completamente símbolos e divindades astrais, o que indica claramente, que, por volta de 600 a.C., os motivos astrais haviam caído da moda entre a elite jerosolimitana99.

Nas pesquisas de Thomas Römer, o vácuo temporário nos últimos decênios do século VII a.C. (logo preenchido pelo Egito) criado na Síria e na região de Israel e Judá pelo enfraquecimento das estruturas de poder assírias confere da mesma forma alguma plausibilidade à hipótese de que Josias ou seus conselheiros empreenderam alguma reorganização política e cultual100. Conforme o autor, a tentativa de centralizar o culto, o poder e os impostos (os santuários eram também postos de coleta de impostos) em Jerusalém tem uma boa plausibilidade histórica neste contexto, pois a relativa independência de Judá por volta do ano 620 a.C. talvez tenha despertado em alguns círculos a convicção de que Josias era o inaugurador de um vasto e independente reino judaíta101.

Em seu raciocínio, o estudioso aponta que se afirma muitas vezes que Josias anexou as províncias assírias estabelecidas no antigo reino de Israel, mas há poucos indícios que confirmem tal afirmação. Relata o autor que 2 Reis 23,15 fala da destruição do santuário de Betel; mas se esta notícia for, por um acaso, histórica, conforme o autor, o que é sumamente incerto, não indica uma ocupação das províncias samaritanas de Samerina, Magidu102 e Gal’aza. Contudo, afirma o

99 Ibidem, p. 60. O autor sugere conferir UEHLINGER, C. Gab es eine joschianische Kultreform? Pladoyer fiir ein

begriindetes Minimum. In: Jeremia und die ‘deuteronomistische Bewegung’. In: GROß, W. Jeremia und die ‘deuteronomistiche Bewegung’. Bonner Biblische Beiträge 98; Weinheim: Beltz Athenäum, 1995, pp. 57-90. Aqui pp. 65-67.

100 Ibidem, p. 60. Nota o autor que, de acordo com 2 Reis 22,1, Josias tinha oito anos de idade quando começou a

reinar. Para Römer, se esta é uma informação histórica, significa que durante os primeiros anos de seu reinado conselheiros (os deuteronomistas? – talvez) governaram em seu lugar.

101 Ibidem, p. 60. O autor sugere conferir AHLSTROM, G.W. The History of Palestine from the Paleolithic Period to

Alexander’s Conquest. Journal for the Study of the Old Testament Supplement Series 146. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993, p. 778.

102 Ibidem, p. 60. Nas pesquisas de Römer, de acordo com Stern, o fato de que Josias é morto pelo rei egípcio em

Meguido pode indicar que Josias governou esta área por um curto tempo (STERN, E. Archaeology of the Land of the

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pesquisador, é possível que Josias e seus companheiros tenham reivindicado serem os legítimos herdeiros de “Israel”, e podem ter tentado ampliar a fronteira norte, e Josias foi provavelmente bem-sucedido a anexar o pequeno território de Benjamim (isto, segundo o autor, está provavelmente refletido em alguns textos do livro de Josué).

A resumir a sua exposição, o referido autor afirma que a apresentação bíblica de Josias e de seu reinado não pode ser considerada um documento de evidência primária. Todavia, alguns indícios sugerem que ocorreram sob Josias algumas tentativas de introduzir mudanças cultuais e políticas. Para o pesquisador, a reforma de Josias certamente não se baseou na descoberta de um livro, mas na primeira edição do Deuteronômio, que pode muito bem ter sido escrita sob Josias. A passagem de 2 Reis 22-23, segundo o estudioso, pode até proporcionar alguma informação sobre nomes ou famílias que se pode associar aos deuteronomistas. Provavelmente, ressalta o autor, nem todos os nomes contidos nestes capítulos de 2 Reis são invenções tardias103 e, por isso, confirma o autor, pode-se concluir que Helcias e, especialmente, Safã e sua família pertenciam ao grupo deuteronomista104.

À narrativa de 2 Reis 22-23, o pesquisador afirma que esta foi evidentemente editada em estágios sucessivos. Para o autor, o núcleo proveniente do período assírio (aproximadamente 22,1-7*/9/13a ; 23,1/3-15*/25a ) focalizou a supressão dos símbolos cultuais assírios e a centralização do culto a Yahweh no santuário real restaurado. De acordo com estudioso, a história da renovação do templo, a consulta da profetisa e o oráculo a anunciar o julgamento divino no capítulo 23 foram acrescentados após 587 a.C. a fim de explicar o colapso da descoberta do livro, foi feita durante o período persa. Conclui o autor que a finalidade desta redação foi substituir o culto no templo pela leitura do livro.

na visão do autor, é melhor supor que Meguido estava nesta época sob o controle egípcio, cf. AHLSTROM, G.W. The History of Palestine from the Paleolithic Period to Alexander’s Conquest. Journal for the Study of the Old

Testament Supplement Series 146. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1993, p. 765.

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Ibidem, p. 61. Conforme o autor, um selo de Judá do século VII refere-se a Helcias, que poderia ser a mesma pessoa mencionada em 2 Reis 22. Römer sugere conferir ELAYI, J. Name of Deuteronomy’s Author Found on Seal Ring. Biblical Archaeology Review 13, 1987.

104 Ibidem, p. 61. Relata Römer que 2 Reis 22 menciona Safã e Aicam, filho de Safã (versículo 12, conferir também

25,22. Discute-se se este é o mesmo Safã que o escriba). A família de Safã, nos estudos do autor, também desempenha um papel importante em Jeremias 36, em que um descendente de Safã “encontra” o “livro de Jeremias” e o lê ao rei. De acordo com Barrick, Helcias foi o mentor de Josias e era provavelmente o tio de Safã. (Römer recomenda o estudo interessante, mas um tanto especulativo, de BARRICK, W.B. Dynastic Politics, Priestly Succession, and Josiah’s Eighth Year. Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 112, 2000, pp. 564-582.)

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Porém, apesar de o pesquisador considerar que não se pode ter 2 Reis 22-23 como fonte primária da reforma deuteronomista (pois nada na Bíblia deve ser considerado como fonte primária ou prova ocular), e apesar da reforma deuteronomista não ter atingido a dimensão proporcional à descrita na Bíblia Hebraica ou no Antigo Testamento, não se nega a tentativa de reforma oriunda de Josias, pois o estudioso não nega a função que o escriba pode ter exercido no período do rei Josias. Mas tal fato ainda carece de fontes extrabíblicas.

Neste capítulo, foi abordada a questão deuteronomista que se encontra na teoria clássica de Julius Wellhausen, o que levou a uma explanação do desenvolvimento histórico da referida teoria e, consequentemente, da fonte Deuteronomista, que é considerada a mais antiga de todas atualmente e traz maiores justificativas para o desenvolvimento da legitimidade do Templo em Jerusalém durante a reforma de Josias, que, por sua vez, além de ser oportunista mediante a queda do rei da Assíria, Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a 627 a.C.), visou a expansão do reino de Judá para o reino de Israel, ao ponto de legitimar o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão como lugar central de adoração a Yahweh e da consequente centralização de Jerusalém como cidade principal do reino de Judá e dos remanescentes do reino de Israel.

Apesar de se reconhecer a função do escriba mediante ao contexto do rei Josias, ainda há a necessidade de fontes extrabíblicas para confirmarem tal teoria que devido ao contexto é bastante convincente.

No próximo capítulo, será trabalhado o senso crítico sobre o Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, mas antes do senso crítico, há um senso comum baseado nas leituras de