• Nenhum resultado encontrado

Capítulo II – O Senso Crítico sobre o Primeiro Templo

4. Perspectiva Arqueológica de Finkelstein e Silberman

4.2 A Formação Ideológica da Dinastia Real para Israel

Neste item percebe-se a necessidade de destacar a escolha do rei para Israel e Judá, pois o rei foi o autor e construtor do templo original e precisaria ser oriundo de uma dinastia privilegiada, como foi Salomão, o filho de Davi, conforme a explanação subsequente, que, por sua vez, encontra-se fundamentada na narrativa bíblica.

Afirmam Finkelstein e Silberman161 que o épico bíblico da transformação de Israel, do período dos Juízes até a época da monarquia, começa com grande crise militar. Apontam os pesquisadores que, conforme o apresentado em 1 Samuel 4,5, os exércitos unificados filisteus atacaram as tropas israelitas numa batalha e carregaram a Arca da Aliança com Deus como pilhagem de guerra. Continuam os autores, que, sob a liderança do profeta Samuel, sacerdote do santuário de Silo (localizado a meio caminho entre Jerusalém e Siquém), os israelitas, mais tarde, de acordo com a literatura bíblica, recuperaram a arca, que foi levada e instalada na vila de Quiriate-Jearim, a oeste de Jerusalém. Contudo, lembram os estudiosos que os dias dos Juízes tinham acabado, e as ameaças militares enfrentadas nesse contexto pelo “povo de Israel” exigiam liderança de tempo integral.

Conforme os pesquisadores, os anciãos de Israel se reuniram na casa de Samuel em Rãmã, ao norte de Jerusalém, e pediram-lhe que indicasse um rei para Israel, “como em todos os povos”. Para os estudiosos, embora Samuel tivesse advertido sobre os perigos da monarquia em uma das passagens antimonárquicas mais eloquentes da Bíblia Hebraica (1 Samuel 8,10-18), Yahweh o instruiu a fazer o que o povo pedia, e revelou a Samuel a sua escolha: o primeiro rei de Israel deveria ser Saul, filho de Quis, da tribo de Benjamim. Na perspectiva dos pesquisadores, Saul era um belo jovem e bravo guerreiro, cujas hesitações íntimas e violações ingênuas das leis divinas sobre o sacrifício, a pilhagem de guerra e outras injunções e proibições sagradas (1 Samuel 15,10-26) provocaram sua rejeição definitiva e seu eventual suicídio trágico no monte Gilboa, quando os israelitas foram atacados pelos filisteus.

Ressaltam os autores162 que mesmo quando Saul ainda governava como rei de Israel, permaneceu alheio ao fato de seu sucessor já ter sido escolhido, pois Yahweh instruiu Samuel a procurar a família de Jessé, em Belém, “porque eu escolhi um rei para mim, entre os seus filhos”

161

Ibidem, pp. 176-180.

162

102

(1 Samuel 16,1). Conforme os pesquisadores, o mais jovem daqueles filhos era um belo pastor de cabelo ruivo, chamado Davi, que finalmente traria a salvação para Israel. Os autores afirmam que em primeiro lugar, aconteceu assombrosa demonstração de bravura de Davi no campo de batalha, no qual os filisteus se reuniram novamente para recomeçar a guerra contra Israel, e os dois exércitos se enfrentaram no vale de Elá, em Shefelá. Conforme o relato bíblico e o estudo dos pesquisadores, a arma secreta dos filisteus era o guerreiro gigante Golias, que zombou de Yahweh e desafiou qualquer soldado israelita para travar um único combate contra ele.

Relatam os estudiosos que se apoderou de Saul e de seus soldados um grande medo, mas o jovem Davi, enviado por seu pai para levar provisões aos seus três irmãos mais velhos que serviam o exército de Saul, aceitou destemidamente o desafio, ao gritar para Golias – “Você veio até mim com uma espada, uma lança, e um dardo, mas eu venho em nome de Yahweh” (1 Samuel 17,45) –, Davi pegou de sua algibeira de pastor uma pequena pedra e a atirou com mira mortal na fronte de Golias, e assim matou-o. Os filisteus foram derrotados e Davi, o novo herói de Israel, tornou-se amigo de Jônatas, filho de Saul, e casou com Micol, a segunda filha do rei Saul. Além do mais, relatam os autores, Davi foi aclamado por toda a população como o maior herói de Israel, ainda maior que o rei, e os gritos entusiasmados de seus admiradores, “Saul matou mil, mas Davi matou dez mil!” (1 Samuel 18,7) provocaram ciúme no rei Saul. Concluem os pesquisadores que, através da narrativa bíblica, era apenas uma questão de tempo até que Davi tivesse a força para contestar a liderança de Saul e exigir o trono de Israel.

Continuam os autores163 que, ao escapar da fúria assassina de Saul, Davi tornou-se líder de um bando de fugitivos e mercenários, e de pessoas desiludidas e endividadas que a ele acorreram. Consequentemente, segundo os autores, Davi e seus homens percorreram os contrafortes de Shefelá, no deserto de Judá e nas margens das colinas de Judá ao sul, regiões essas localizadas bem longe dos centros de poder do reino de Saul até o norte de Jerusalém. Continuam Finkelstein e Silberman que, tragicamente, em uma batalha contra os filisteus, bem longe ao norte, no monte Gilboa, os filhos se Saul foram mortos pelo inimigo, e Saul tirou a própria vida. Em seguida, relatam os pesquisadores conforme a narrativa bíblica, Davi se dirigiu à antiga cidade de Hebron, em Judá, local no qual foi proclamado rei pelo povo de Israel. Concluem os autores que esse foi o início do grande Estado e da linhagem de Davi, a origem da gloriosa monarquia unificada.

163

103

Os pesquisadores164 dão sequência em seu raciocínio através da narrativa bíblica que, após Davi e seus homens dominaram os bolsões remanescentes de oposição entre os seguidores de Saul, os representantes de todas as tribos se reuniram como convinha em Hebron, para declarar Davi rei sobre todas as tribos e terras de Israel. Para os autores, após reinar durante sete anos em Hebron, Davi se mudou para o norte para conquistar a fortaleza jebuseia de Jerusalém – até então não reclamada por nenhuma das tribos de Israel – e ali instalar a capital do reino, e, em seguida, Davi ordenou que a Arca da Aliança fosse trazida de Quiriate-Jearim.

Finkelstein e Silberman165 explanam a narrativa bíblica ao afirmarem que Davi, então, recebeu uma surpreendente e incondicional promessa de Yahweh:

Assim diz Yahweh dos Exércitos: Eu te tirei das pastagens, quando seguias teu rebanho, para que possas ser o chefe do meu povo de Israel; e estive contigo em todos os momentos, e exterminei todos os teus inimigos diante de ti; e farei do seu nome um grande nome, como o nome de todos os grandes da Terra. E eu indicarei um lugar para o meu povo de Israel, e o estabelecerei para que possa habitar em sua própria terra, e não mais ser perturbado; e os homens violentos e iníquos não mais o afligirão, como anteriormente, no tempo em que coloquei os juízes como mentores do meu povo Israel; e eu lhe darei a paz e o descanso dos seus amigos. Além disso, Yahweh anuncia que constituirá a tua casa. Quando os teus dias estiverem realizados, e tu descansares com os teus antepassados, eu cuidarei dos teus filhos para ti, os filhos que serão gerados do teu corpo, e firmarei seu reino. Eles constituirão uma casa para o meu nome, e eu estabelecerei seu reinado para todo o sempre. Quando eles cometerem iniquidades, eu os castigarei com o bordão dos homens, com as correias dos filhos dos homens; mas eu jamais lhes retirarei meu inabalável e imutável amor, como tirei de Saul, a quem expulsei antes de ti. E eu garantirei tua casa e teu reino para sempre diante de mim; e teu trono estará seguro para todo o sempre. (2 Samuel 7,8-16)

Na sequência, de acordo com os autores166, Davi iniciou suas guerras radicais de libertação

e expansão, nas quais, em uma série de batalhas fulminantes, ele destruiu o poder dos filisteus, e derrotou os amonitas, os moabitas e os edomitas na Transjordânia, a concluir suas campanhas com a subjugação dos arameus do norte. Os pesquisadores ao relatarem a narrativa bíblica

164 Ibidem, p. 178. 165 Ibidem, pp. 178-179. 166 Ibidem, p. 179.

104

apontam que, ao retornar em triunfo a Jerusalém, Davi agora governava um vasto território, muito mais extenso que o herdado pelas tribos de Israel; mas não teve paz no seu tempo de glória. Também observam os autores que conflitos dinásticos – a incluir a revolta de seu filho Absalão – provocaram enorme preocupação na continuidade de sua dinastia. E um pouco antes da morte de Davi, ressaltam os estudiosos que o sacerdote Zadoque ungiu Salomão como o próximo rei de Israel.

Sobre Salomão, a quem Yahweh deu “sabedoria e compreensão além da medida”, os autores167, fundamentados na narrativa bíblica, relatam que consolidou a dinastia davídica e organizou seu império, que então se estendia do Eufrates até à terra dos filisteus e à fronteira do Egito (1 Reis 4,24). Os estudiosos lembram que a imensa riqueza de Salomão resultou de sofisticado sistema de impostos e de trabalho forçado, exigido de cada uma das tribos, e das expedições comerciais a países exóticos do sul. Conforme as pesquisas de Finkelstein e Silberman, em reconhecimento a sua fama e a sua visão, a lendária rainha de Sabá o visitou em Jerusalém, com uma caravana repleta de presentes deslumbrantes.

Os estudiosos168 apontam, conforme os relatos bíblicos, que as maiores realizações de Salomão foram as construções que empreendeu. Em Jerusalém, edificou um magnífico templo, o qual, e cujas teorias serão desdobradas no próximo capítulo, foi ricamente decorado, para Yahweh, e inaugurado com grande pompa; e construiu ao lado um belo palácio, fortificou Jerusalém e também as importantes cidades de Hazor, Megiddo169 e Gezer, e manteve estábulos com 40 mil baias de cavalos para seus 1.400 cavaleiros. Salomão, de acordo com os estudiosos, assinou tratado com Hirão, rei de Tiro, que enviou toras de cedro do Líbano para a construção do Templo em Jerusalém e se tornou sócio de Salomão em aventuras comerciais estrangeiras. Os autores concluem que a Bíblia resume a reputação de Salomão da seguinte forma: “Eis que o rei Salomão excedeu todos os reis da terra, em riqueza e em sabedoria. E a terra inteira buscou a presença de Salomão, para ouvir a sabedoria que Yahweh colocou em sua mente” (1 Reis 10,23- 24).

Tudo isso, Finkelstein e Silberman apresentaram de acordo com o relato bíblico, pois, aparentemente, nem todos os que conhecem a sua obra já chegaram a ler a Bíblia e a conhecer as

167 Ibidem, pp. 179-180. 168 Ibidem, p. 180. 169 Pronuncia-se “Meguidô”.

105

suas histórias. Elas estão apontadas de acordo com o relato bíblico para que o leitor tenha ciência do que aconteceu no período da monarquia unida com os reis Saul, Davi e Salomão.