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Capítulo V – Relevância da Memória do Primeiro Templo

3. A Teoria de Burger-Temple-Gescinde e o Pentateuco

Conforme Jean Louis Ska264, o certo é que a teoria de Burger-Temple-Gescinde, ou comunidade dos cidadãos unidos em torno do templo, é considerada mais sólida, pois o governo persa reconhece os direitos e privilégios do templo e da comunidade ligada a ele, e tal conteúdo da autorização que concede relativa autonomia local à província da Judeia, e, consequentemente, o decreto de Esdras 7 também apoia tal opinião, pois gira, em grande parte, em torno da restauração e da organização do culto no templo de Jerusalém.

Declara Ska265 que também insistem na reconstrução do templo as duas versões do edito de Ciro (Esdras 1,1-4; 2 Crônicas 26,22-23). Atenta o estudioso que, ainda que não seja “histórico”, trata-se de um texto emblemático da mentalidade da época, pois ao ler-se os acontecimentos narrados nesses textos, fica muito evidente que, após o exílio, a comunidade de Israel se uniu, polarizada pelo santuário de Jerusalém.

Para o autor266, impõe-se, pois, procurar a origem do Pentateuco, em sua forma atual, no Israel pós-exílico, na comunidade unida em torno do templo, que, por sua vez, tinha a sua lei, a lei de Yahweh, que, segundo o decreto de Artaxerxes (Esdras 7,12-26), fora aprovada oficialmente pelas autoridades persas. No final das contas, de acordo com Ska, os fundamentos do Israel pós-exílico eram o templo e a lei. Declara o autor que, à luz de tal hipótese, tal comunidade é definida, em Êxodo 16,6, como “nação santa” e “povo sacerdotal”, “propriedade de Yahweh”, e a mesma referida comunidade foi consagrada com a aspersão de sangue, em Êxodo 24,3-8, ao prometer fidelidade à lei.

264 SKA, J.L. op. cit., pp. 241-243. 265

Ibidem, p. 241.

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Ska267 aponta que, em Êxodo 24,9-11, a “visão de Yahweh” e a “refeição” em presença da divindade sancionam e legitimam a autoridade dos sacerdotes e anciãos, os dois grupos que serão responsáveis pela comunidade.

De acordo com o autor268, aos sacerdotes e anciãos, Moisés entrega a lei, em Deuteronômio 31,9, pois são as duas instituições que sobreviveram ao exílio e que assumiram a direção de todo o movimento de volta.

Declara Ska269 que, nesse contexto, explica-se perfeitamente o lugar central ocupado pela “tenda” e pelo culto, e o Pentateuco, em sua amplitude, une a criação e a tenda (Gênesis 1 e Êxodo 40). Atenta o autor que, por essa divisão canônica dos livros ou rolos, cumpre-se, em Êxodo 40, a primeira grande etapa da história universal: o criador encontrou morada na criação.

Na perspectiva do pesquisador270, os livros de Gênesis e Êxodo descrevem as fases de encaminhamento a essa meta, e Yahweh, o criador do Universo, escolhe um povo para si, depois o liberta e vem habitar no meio dele (Êxodo 40,34-35). A seguir, continua Ska, Yahweh lhe fala desse lugar (Levítico 1,1; Números 1,1) e o acompanha por toda a sua peregrinação rumo à terra prometida (Êxodo 40,36-38; Números 9,15-23; conferir Deuteronômio 31,14-15). Nas considerações do autor, tal fio narrativo alinhava grande parte do Pentateuco, a deixar nítido algo que devia ser muito importante para a comunidade pós-exílica, pois a “tenda” representa o protótipo do templo.

O Pentateuco, conforme o estudioso271, tinha também duas funções no seio da comunidade pós-exílica:

1ª) Deveria fornecer critérios para decidir quem pertenceria ou não à comunidade.

2ª) Deveria determinar, o melhor possível, o funcionamento dos órgãos de poder e a posição de cada um dos grupos existentes nesse período.

Atenta o autor que as narrativas do Gênesis e as genealogias definem os integrantes desse povo. Segundo os conhecimentos de Ska272, os livros legislativos (Êxodo – Deuteronômio) dão a base jurídica da comunidade. Afirma o autor que um israelita será, portanto, um descendente de

267 Ibidem, p. 242. 268 Ibidem, p. 242. 269 Ibidem, p. 242. 270 Ibidem, p. 242. 271 Ibidem, p. 242. 272 Ibidem, p. 242.

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Abraão, Isaque e Jacó, alguém que escuta e guarda a lei de Moisés, entregue aos sacerdotes e aos anciãos273. Na visão de Ska, somente este é o cidadão da comunidade do templo, que pode usufruir dos privilégios concedidos pelo rei da Pérsia ao templo de Jerusalém e à província do Além-Eufrates.

Declara o estudioso274 que nos livros de Esdras e Neemias aparecem às mesmas preocupações, pois em tais livros, assim como nas Crônicas, as genealogias são numerosas275. Percebe o autor que outra característica da comunidade pós-exílica é a valorização da pureza, pois além da origem étnica, a observância de certas regras de culto, como rejeitar a impureza do povo da terra e celebrar a Páscoa, pode decidir quem, realmente, pertence à comunidade (Esdras 6,20-21).

Além disso, observa Ska276, quem não respeitar as regras dos matrimônios mistos acaba excluído da comunidade (Esdras 10,8). Em suma, afirma o autor, os dois eixos da comunidade são o templo e a lei (Esdras 3,1-13;4,24-6,18; Neemias 8).

Conclui o autor277 que essa convergência entre os estratos recentes do Pentateuco e alguns trechos de Esdras – Neemias dá mais consistência à ideia de que o Pentateuco atual nasceu durante o período pós-exílico, na comunidade que se reorganizara em torno do templo de Jerusalém.

Para esta visão, Jean Louis Ska traz novos fatores que impulsionaram a permanência do povo em redor do “Segundo Templo”: O primeiro, na etapa do retorno para a Judeia, foi o fator da conquista e da legitimidade de Yahweh como a divindade suprema da província persa de Judá; o segundo foi a obediência à lei como fator de permanência do povo judeu através do símbolo de Moisés e que dava poder aos escribas de ensinar ao povo a obedecer as leis de Yahweh; o terceiro, e último, a questão da identidade particular, e o que o templo representaria para as pessoas que viviam em torno dele. O Templo deveria ser o fator centralizador da identidade judaica nesse contexto, não apenas pela lei mosaica, mas também por tudo que o Templo

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Ibidem, p. 242. Conforme o parecer de Jean Louis Ska, assim se entende melhor o sentido das leis que indicam em que casos deve alguém ser excluído da comunidade. Para o autor, são, em geral, leis do tipo cultual ou sobre pureza e impureza (Levítico 7,27;17,3-4/8-9;19,8;20,18). Desses textos, conforme o autor, muitos mencionam o sangue ou implicam a presença do sangue, como um sacrifício. Afirma o estudioso que a única exceção é 19,8, que condena quem comer um sacrifício de comunhão de dois dias. Na ideologia de Levítico, afirma o pesquisador, o sangue é elemento sagrado por excelência.

274 Ibidem, p. 243.

275 Ibidem, p. 243. Esdras 7,1-6;8,1-14; Neemias 11,4-19;12,1-26; conferir também Crônicas 1,1-9/44. 276

Ibidem, p. 243.

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significou para as pessoas em sua época e contexto. O Templo teve uma história que dá orgulho para os pós-exílicos, que é a do Templo cuja construção é atribuída ao rei Salomão, e naqueles dias, apesar de não possuir a mesma glória epônima, gera grande significado para aqueles que o estimam.