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Capítulo IV – Balanço Crítico

9. Como a História do Templo deve ser contada

Neste item, haverá o desdobramento e desenvolvimento de como a história do Templo considerado como o original deve ser apresentada de acordo com o pesquisado neste trabalho.

Em Canaã, após a imigração ocorrida durante o começo da Idade do Ferro, que durou de aproximadamente 1200 a 1000 a.C., houve a organização tribal em Canaã, cuja população era composta de remanescentes das Batalhas de Djahy e do Delta (aproximadamente 1178-1175 a.C.), que foram as verdadeiras e factuais batalhas responsáveis pela libertação dos cananeus do jugo egípcio. Entre os povos do mar derrotados por Ramsés III, que levaram à crise financeira egípcia e que impediram a sequência da gestão da terra de Canaã, estavam os filisteus e os danone (que se transformariam na tribo de Dã).

Algo que compõe o desenvolvimento agroeconômico neste período encontra-se no raciocínio de Finkelstein e Silberman249 já referido anteriormente, segundo o qual o primeiro estágio do assentamento israelita nas regiões montanhosas de Canaã foi um fenômeno gradual e

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regional, em que grupos de pastores se estabeleceram em áreas pouco povoadas e formaram comunidades de aldeias autossuficientes. Com o tempo, de acordo com os estudos dos autores, em virtude do crescimento da população da montanha, foram criadas outras aldeias em regiões previamente despovoadas, as quais se estenderam das estepes a leste e dos vales do interior aos nichos rochosos e escarpados das montanhas, a oeste.

Afirmam os pesquisadores que, nesse estágio, começou o cultivo de oliveiras e vinhas, especialmente nas regiões montanhosas ao norte. Consequentemente, apontam os estudiosos, com a progressiva diversidade entre a localização e as colheitas produzidas pelas várias aldeias em todas as regiões montanhosas, o velho regime de autossuficiência não pôde ser mantido, e os aldeões que se concentraram nos pomares e vinhas necessariamente tiveram que trocar seu

superávit de vinho e azeite por outras mercadorias, como os grãos. Com a especialização, ressaltam os pesquisadores, veio a ascensão de classes de administradores e comerciantes, soldados profissionais e, eventualmente, reis.

De acordo com as pesquisas de Finkelstein e Silberman250, padrões similares de assentamento em regiões montanhosas e de gradual estratificação social foram descobertos por arqueólogos a trabalhar na Jordânia, nas antigas terras de Amon e Moabe. Afirmam os pesquisadores que, um processo de transformação social, razoavelmente uniforme, pode ter acontecido em muitas regiões montanhosas do Levante, tão logo se libertaram do controle dos impérios da Idade do Bronze e dos reis das cidades-estado das planícies costeiras.

Relatam Finkelstein e Silberman251 que, em um período no qual o mundo inteiro voltava à vida, a Idade do Ferro, os reinos emergentes temiam seus vizinhos e, aparentemente, distinguiam- se uns dos outros por costumes étnicos diferenciados e pela adoração de deidades nacionais.

Conforme a teoria agroeconômica apresentada por Finkelstein e Silberman, este pode ter sido um dos processos que levou à estruturação dos Reinos de Israel e de Judá, porém, não de acordo com as fantasias encontradas da Bíblia Hebraica.

Ainda continuam os teóricos Finkelstein e Silberman252 a afirmar que o sistema de assentamento de Judá nos séculos XII e XI a.C. continuou a se desenvolver no século X a.C. com o crescimento gradual do número de aldeias e de seu tamanho, mas a natureza do sistema não mudou significativamente, pois ao norte de Judá extensos pomares e vinhas prosperaram nos

250 Ibidem, p. 183-184. 251 Ibidem, pp. 184-185. 252 Ibidem, p. 186.

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declives ocidentais das regiões montanhosas; em Judá, de acordo com os estudiosos, isso não aconteceu, em virtude da natureza proibitiva do terreno. Concluem os autores que, pelo que se pode constatar a partir dos levantamentos arqueológicos, o reino de Judá permaneceu relativamente desocupado de uma população permanente, muito isolado e marginal durante e logo depois do tempo presumido de Davi e Salomão, sem grandes centros urbanos e sem hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades.

Na origem do Reino do Norte, este surgiu por necessidade, e não por cisão, conforme o relato bíblico do final do reinado de Salomão. Até mesmo é mais lógico aplicar a teoria agroeconômica de Finkelstein e Silberman para a origem do Reino de Israel do que declará-los como cindidos e desorganizados, conforme é de costume.

Ao rei Davi, mesmo que todas as histórias sobre ele sejam inventadas e inverídicas, não é possível afirmar que ele não existiu, pois ele é tido como um fundador de uma dinastia, conhecido, de acordo com Finkelstein e Silberman, por causa do fragmento descoberto no verão de 1993, no sítio bíblico de Tell-Dan, ao norte de Israel, que conta a história do ataque de Hazael, rei de Damasco, ao reino de Israel, ao norte, por volta de 835 a.C.; e o erudito francês André Lemaire sugeriu que uma referência semelhante à casa de Davi pode ser encontrada na famosa inscrição da Estela de Tell-Dan253, do século IX a.C., e, dessa forma, é plausível a conclusão de Finkelstein e Silberman de que a casa de Davi era conhecida em toda a região, o que confirma, na visão dos estudiosos, a descrição bíblica de uma figura chamada Davi, que se tornou fundador de uma dinastia de reis judaicos em Jerusalém.

Percebe-se que não é contestada a existência dos referidos reis Davi e Salomão, porém, são questionadas todas as fábulas que circulam em torno de ambas as personagens, pois a datação de determinadas obras atribuídas ao rei Salomão e determinadas destruições atribuídas a Davi em seu “expansionismo imperial” ocorreram meio século após o período de reinado de ambos os reis. Portanto, não se pode dar credibilidade cega aos escritos bíblicos pelo motivo de as informações serem incompatíveis com as provas materiais.

253 Aqui, como mencionamos anteriormente, houve um equívoco na obra de Finkelstein e Silberman, que apontam a

Estela do rei moabita Mesha como a primeira referência extrabíblica a apontar a existência da Casa de Davi, o que não é verídico, pois a Estela de Mesha indica a referência extrabíblica para a existência da Casa de Omri, no Reino do Norte.

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Mas de acordo com o já afirmado anteriormente, tais mitos, lendas e fábulas que foram construídas em torno de Davi e de Salomão tiveram uma intenção, pois surgiram no período da Reforma Deuteronomista do Rei Josias.

Conforme as pesquisas, pode-se afirmar que o deuteronomista foi oportunista em diversos aspectos, como ao aproveitar a situação da queda do Reino do Norte para centralizar o poder no Reino do Sul, na cidade de Jerusalém. Mas este não era apenas o desejo do deuteronomista, mas sim o desejo do rei Josias, pois o deuteronomista estava ao seu serviço, e deveria criar histórias para legitimar o rei de Judá, a cidade de Jerusalém e o Templo como pontos centrais de adoração a Yahweh.

Outro ponto oportunista que o escritor deuteronomista apresenta é o de criar as histórias do “Império” de Davi e de Salomão em uma época na qual os impérios mais poderosos como o Egito e a Mesopotâmia encontravam-se decadentes, pois tais regiões que eram o centro do mundo conhecido não possuem registros dos reis Davi e Salomão, os quais eram extremamente famosos de acordo com os relatos bíblicos, e tais fábulas, devido à ausência de relatos internacionais dos referidos reis por causa da decadência dos impérios da região, tornaram-se relatos bastante convincentes; além disso, não existia a ciência da arqueologia na época e ninguém iria contestar as declarações dos ideólogos do poder por meio das provas materiais como é realizado hoje. Portanto, este também foi um fator legitimador do deuteronomista.

No final das contas, a centralização da Reforma Josiânica ou Deuteronomista que ocorreu por volta de 622 a.C. logo após a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a 627 a.C.), não se tratou apenas de uma reforma iconoclasta que objetivava a adoração de Yahweh, como única divindade, mas sim uma centralidade territorial e um expansionismo, no qual haveria apenas um rei para todo o Israel, um único templo “fundado pelo rei Salomão”, que não passava de uma capela anexa ao palácio do rei Josias, e uma única cidade na qual Yahweh seria adorado, que era Jerusalém. Toda a reforma ocorreu no período no qual de fato houve uma prosperidade, um crescimento no Reino de Judá, que se tornou bastante poderoso após a queda do Reino do Norte, em aproximadamente 721 a.C., após a morte do rei assírio Assurbanípal (que reinou por volta de 668 a 627 a.C.), e após a queda da Assíria, por volta de 612 a.C.

O falecimento do rei Assurbanípal representou um livramento do jugo estrangeiro, a partir do qual o rei Josias e os seus escribas deuteronomistas poderiam pensar de forma mais livre no crescimento do Reino de Judá, ao ponto de se tornar o Grande Reino de Israel (e Judá) sem

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nenhuma interferência. Contudo, o sonho do deuteronomista acabou com o falecimento de Josias, por volta do ano 609 a.C., morto em batalha ao se opor contra o avanço do rei Necao do Egito, e não se escreveu mais sobre a união do território do norte com o Reino de Judá, tampouco se comentou da centralização de culto no Templo de Jerusalém atribuído ao rei Salomão. Tal situação perdurou até o cativeiro de Judá pelos babilônios, em aproximadamente 586 a.C., com a destruição da cidade de Jerusalém e do Templo, que na verdade era uma capela anexa ao palácio, que, com a mais absoluta certeza, não possuía as medidas apresentadas na Bíblia Hebraica, pois se tais medidas fossem verídicas, as paredes do “magnífico e glorioso templo” não sucumbiriam.

Mas antes do cativeiro, havia o discurso de centralização real que os eruditos denominam como “messianismo régio”, no qual o novo rei era considerado o novo salvador do povo, e era um discurso encontrado nos povos vizinhos, como os egípcios e os mesopotâmios. Tal discurso do messianismo régio durou até o cativeiro de Judá pela Babilônia, em torno de 586 a.C., pois depois do referido cativeiro não haveria rei para governar a terra de Judá.

Para compensar, já que não houve ideologia de centralização do Templo durante o Exílio na Babilônia, o messianismo régio acabou por se transformar em um messianismo escatológico, que começara a surgir desde a morte de Josias e antes do Exílio, pois os reis que sucederam a Josias não supriam as expectativas de grandes reformadores, e, dessa forma, havia a promessa de um novo messias que no futuro tiraria o seu povo do sofrimento e da dificuldade. Tal papel acabou por ser atribuído ao rei Ciro da Pérsia, que decreta o retorno do povo de Judá a Jerusalém, por volta de 538 a.C.

No contexto pós-exílico houve nova centralização de poder, que era a dos sacerdotes, que precisariam elaborar uma nova ideologia totalmente distinta da ideologia real do deuteronomista, e centrar o poder nas mãos dos sacerdotes. Alguns dos elementos que podem ser citados que abrangeram tal ideologia foram o da aplicação do discurso de Ahuramazda, divindade imperial persa em Yahweh, divindade principal dos judeus como criador do universo, e habitante do Templo, o qual, na elaboração sacerdotal, não possui legitimação régia à custa dos mitos dos reis Davi e Salomão, mas à custa de outro mito: o de Moisés e a entrada na terra de Canaã. Para o escritor sacerdotal, o Templo já era a Tenda inventada e elaborada por ele para que Arca da Aliança seja guardada e para que o povo viesse a cultuar e adorar a Yahweh no meio do deserto e dentro da Tenda, e deduz-se que a Tenda existiu mesmo na época de Davi e que ocupou o terreno que Davi comprou de Araúna (2 Samuel 24,16-24).

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Isso sem contar a legitimação dos filhos de Aarão, irmão de Moisés, como sacerdotes, e da criação da tribo de Levi como tribo sem-terra (o que não existe e nunca existiu em nenhum ambiente tribal no mundo), para reforçar o seu poder como os novos chefes de Judá. Sobre o reino de Israel, não se pode esquecer que o propósito neste contexto não era o mesmo da época josiânica, tanto que o escritor sacerdotal fez um Israel bem menor do que o Israel do deuteronomista, conforme o raciocínio de Eckart Otto, no qual o Hexateuco pós-exílico retoma isso na recepção da perspectiva pan-israelita, ao concluir o livro de Josué em Siquém (Josué 24) e, consequentemente, o Hexateuco contradisse a definição de “Israel” por meio de um “Pequeno Israel” restrito a Judá.

A estrutura do Templo é totalmente baseada nos padrões dos Templos da Babilônia, pois os exilados estiveram em contato com um modelo bem diferente de templo. Nas pesquisas de Mario Liverani, os templos da Babilônia e da Borsipa, de Nippur e de Uruk eram organizações bem complexas, dotadas de um poder econômico e político relevante; e suas estruturas arquitetônicas eram imponentes, pois além da “casa de deus”, a cela que abrigava a estátua da divindade, de dimensões relativamente reduzidas, o complexo do templo compreendia a série de anexos a que se fez referência.

De acordo com Liverani, havia amplos armazéns para a colheita, que seriam reutilizados, seja para os trabalhos de manutenção dos canais, seja para a manutenção dos dependentes, seja para a redistribuição sob forma de empréstimos a juros privilegiados. Conforme o autor, havia lojas de artesãos, escolas de escribas e residências sacerdotais, e o templo comportava amplos pátios para o acesso dos fiéis. Nas pesquisas de Liverani, sacerdotes e escribas do templo eram uma verdadeira classe dirigente que administrava a economia da cidade e do território – especialmente, afirma o autor, para as cidades (até importantes) que não eram a capital e, portanto, não tinham um palácio real.

Nas conclusões de Mario Liverani254, ao voltar a Jerusalém para reconstruir o velho templo

salomônico, o clero judaico tinha em mente esse modelo, que estava em função das relações com os imperadores, supria as fraquezas da monarquia davídica restante e assegurava aos próprios sacerdotes o modo de administrar a nova comunidade judaica até nas decisões políticas e, sobretudo, nas orientações legislativas e sociais.

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Agora, na função social do “Segundo Templo”, há a posição de Jean Louis Ska255, que impõe a procura da origem do Pentateuco em sua forma atual no Israel pós-exílico, na comunidade unida em torno do templo, que por sua vez tinha a sua lei, a lei de Yahweh, que, segundo o decreto de Artaxerxes (Esdras 7,12-26), fora aprovada oficialmente pelas autoridades persas. No final das contas, de acordo com Ska, os fundamentos do Israel pós-exílico eram o templo e a lei, pois à luz de tal hipótese, tal comunidade é definida, em Êxodo 16,6, como “nação santa” e “povo sacerdotal”, “propriedade de Yahweh”, e a mesma referida comunidade foi consagrada com a aspersão de sangue, em Êxodo 24,3-8, ao prometer fidelidade à lei.

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