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2. BIOGRAFIA, CONTEXTO E INFLUÊNCIAS

2.1. A INFLUÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NA CIÊNCIA: O CONTEXTO

Quando se busca entender o desenvolvimento das ideias evolucionárias, pode-se observar um considerável afluente de ideias do século XIX. Não à toa, Luz e Fracalanza (2012) salientam a existência de diferentes perspectivas evolutivas na científicamente fértil era vitoriana. Segundo os autores, pode-se salientar a existência de duas grandes perspectivas evolucionárias: de um lado, com Herbert Spencer, havia a percepção teleológica do processo evolutivo como intrinsicamente melhorativo e transformativo, e de outro lado, com Charles Darwin, havia a noção seletiva via aptidão e adaptabilidade, sem menções morais e/ou teleológicas. Exatamente com base nesta observação, Luz e Fracalanza (2012, 419) destacam:

A compreensão dos fundamentos teóricos e metodológicos das obras de Charles Darwin [...] e Herbert Spencer [...] é de grande importância para qualquer estudo que se dedique a entender a gênese do pensamento evolucionário do século XIX.

Para Spencer (1862 apud Luz & Fracalanza, 2012) a evolução poderia ser definida como a mudança da homogeneidade incoerente para a heterogeneidade coerente. Sendo

27 O cargo na Universidade de Chicago aparenta ser o grande pontapé na carreira de Veblen.

assim, já no âmago de sua conceituação acerca do processo evolutivo, Spencer deixa clara sua visão teleológica (Luz e Fracalanza 2012). Afinal, somente atrelado a uma visão normativa em que a melhora possa ser previamente definida e entendia, o processo evolutivo seria capaz de desenvolver uma lógica de progresso relacionado à heterogeneidade. Tal característica teórica presente em Spencer, pode ser melhor compreendia se observados a dois principais pontos: (i) a perspectiva evolutiva é concebida através de manifestações de leis físicas; e, (ii) há na biologia de Lamarck e na embriologia de Karl Von Baer (1792-1876), grandes forças de influência.

Sobre o primeiro ponto, deve-se destacar que Spencer fazia distinção clara entre as leis concernentes ao mundo físico e as leis voltadas a transformação da matéria (evolução). Segundo Luz & Fracalanza (2012), as leis do mundo físico, ―leis fundamentais‖, seriam a representação do conjunto de explicações obtidas pela física da época e que seriam, em última instância, reguladoras de todos os fenômenos do universo. Já as leis voltadas à transformação da matéria, ―leis fenomênicas‖, seriam aquelas que especificariam a via pela qual a transformação da matéria ocorreria, dadas as já comentadas leis fundamentais. Sendo assim, observa-se que na perspectiva de Spencer a noção evolutiva estaria fortemente relacionada com os aspectos de mundo físico e, consequentemente, seria refém de princípios universais concernentes a esta área do conhecimento. Desse modo, Luz & Fracalanza (2012) comentam que através desta perspectiva, o papel da biologia como ciência, seria o de desenvolver respostas sobre as vias pelas quais desdobravam-se as leis fenomênicas frente as leis fundamentais da física. Sendo assim, este primeiro ponto justifica-se em relevância por apresentar as forças ainda presentes dos paradigmas físicos nas demais ciências da era vitoriana.

Sobre o segundo ponto, repousam as explicações referentes ao caráter teleológico da perspectiva evolucionária de Spencer. Segundo Luz & Fracalanza (2012, p. 427): “Spencer absorve completamente a ideia de mudança lamarckiana”, principalmente munido da perspectiva embriológica de Von Baer, que descrevia o processo de estruturação dos embriões em direção a um aumento da complexidade estrutural, partindo das estruturas homogêneas para as heterogêneas29. Sendo assim, Luz & Fracalanza (2012) salientam que o processo evolucionário, na perspectiva de Spencer, é de cunho absolutamente teleológico, dirigido por uma percepção de progresso através da observação do aumento da heterogeneidade.

29 Segundo Luz & Fracalanza (2012), esta identificação nos trabalhos de Spencer pode ser mais facilmente feita

Exatamente com base nesse ponto fica evidente o caráter melhorativo e transformista em relação ao processo evolutivo spenceriano.

Diferentemente de Spencer, em Darwin ([1859] 2014) o processo evolutivo se dá através de uma perspectiva ontológica não relacionada a nenhum preceito progressista. Ou seja, Darwin abdica da perspectiva teleológica que relaciona o processo evolutivo à uma melhora em qualquer aspecto que seja. Sendo assim, pela ótica darwiniana, o processo evolutivo é cego e se dá não através de um processo transformista e melhorativo, mas sim através de uma seleção natural, antagonizando-se às perspectivas lamarckista e spenceriana.

Observa-se que segundo Darwin, o processo evolucionário se dá pela seleção de características especificas que melhor se adaptam a cenários também específicos (Darwin [1859] 2014). Desse modo, a adaptabilidade antecede a perpetuação de características, viabilizando êxito na seleção natural. Exatamente com base neste ponto, não pode-se afirmar que a evolução darwiniana é de um processo aleatório, pois é antecedida por características ambientais específicas, demandantes de adaptabilidades específicas. Sendo assim, o processo evolutivo se dá de maneira cega do ponto de vista de não desempenhar juízo de valor progressista, nem finalidades teleológicas, mas não é aleatório, pois responde a demandas específicas que desempenharão a seletividade via ambiente.

Com base na perspectiva darwiniana do processo evolutivo, este ocorre através de três princípios básicos: a variação, a herança e a seleção. Segundo Luz & Fracalanza (2012), todos os processos evolucionários poderiam ser entendidos através de uma perspectiva darwiniana se atentado a esses pontos, principalmente se entendidos através da visão filosófica da causa eficiente e da cumulatividade. Desse modo, para Darwin, a evolução é entendida como um processo causal e cumulativo que se desenvolve em escala cronológica (Luz e Fracalanza 2012). Sendo assim, através de uma aplicação moderna do entendimento evolutivo darwiniano, pode-se entender o processo evolutivo através da ideia de ―descendência com modificação‖. E, é exatamente através deste ponto, que fica nítida uma das principais diferenças entre o processo evolutivo darwiniano e spenceriano, afinal, a modificação advinda da descendência não garante aumento da heterogeneidade dos organismos, mas sim adaptabilidade sem fins teleológicos e preditivos.

Sobre este ponto, Luz & Fracalanza (2012) apontam que, para a teoria de Darwin, as contribuições de Spencer não são relevantes. Tal assertiva, apesar de forte, mostra-se bastante coerente haja vista que, para a existência de modificação, não apresentam-se como requisito as características de progresso. Ou seja, a evolução não está relacionada, necessariamente, a melhora ou elevação de complexidade, mas sim à aptidão frente às demandas específicas do

ambiente em que este organismo encontra-se inserido. Afinal, aqueles que apresentam capacidade adaptativa garantem a perpetuação de suas características30.

Sendo assim, observa-se o papel fundamental associado à variação junto ao processo evolucionário darwiniano. Pois, seria exatamente através desta característica que as modificações se fariam viáveis em um processo de descendência via adaptabilidade. Desse modo, a complexidade dos organismos não seria o resultado de um processo teleológico da evolução, mas sim seria resultado da seleção natural através da seleção de características especificas e viabilização da perpetuação de diferentes elementos através do processo evolucionário.

Analisando os contrastes entre ambas as teorias, é possível ainda observar a diferença no que se refere à abrangência em que cada teoria se propõe. Enquanto que Darwin apresenta suas considerações a respeito do processo evolucionário nos organismos vivos, observa-se que em Spencer há uma tentativa de aplicação universal do processo evolutivo (Luz e Fracalanza 2012). E, é exatamente esta uma provável causa da perspectiva teleológica atrelada ao processo evolucionário. Afinal, através da perspectiva de Spencer, a evolução seria uma resposta final dos aspectos transformativos e melhoriativos. Já para Darwin, a evolução seria meramente um processo de mudança, ocorrido através da cumulatividade e da seleção natural (Luz e Fracalanza 2012).

Desse modo, e com base nas ideias acima, pode-se observar as seguintes diferenças entre as perspectivas evolucionárias de Darwin e Spencer:

Quadro 1 – Darwin X Spencer, uma comparação sintética Abrangência

da teoria

Paradigma

Científico Evolução Variação

Seleção Natural Ideia de Progresso Charles Darwin Organismos vivos Biológico Como processo Em aberto, mutação como combustível da mudança Poder Criativo Ausente Herbert Spencer Universal, ontologia aplicada a todos os sistemas

Físico Com fim

(teleologia) Lamarckismo Vassoura natural, eliminação do imperfeito Fundamental, adoção dos conceitos de Von Baer Fonte: Luz & Fracalanza (2012)

30

Exatamente esta ideia relaciona a evolução darwiniana com a perspectiva de ―luta pela existência‖. Sobre esta perspectiva na teoria darwiniana, Monasterio (1998 apud Hodgson, 1994) salienta que representa uma das principais influências que Darwin recebeu de Thomas Malthus.

Observa-se, então, que ambas as perspectivas evolucionárias componentes do século XIX mostram-se antagônicas e incompatíveis em sua integralidade. Exatamente em meio a essas densas contribuições sobre a perspectiva evolutiva encontrava-se não só Veblen, mas todos os proponentes da ciência econômica, que ainda apresentava-se incipiente como ciência autônoma31. Com base nessa observação, por exemplo, Luz & Fracalanza (2012) apresentam a provável conexão entre as perspectivas teóricas de Alfred Marshall na ciência econômica, com contribuições de Spencer. Segundo os autores, através desta influência, poderiam ser vislumbrados os objetivos evolucionários que, em maior ou em menor gral, eram almejados por Marshall, concomitantemente à uma perspectiva físico mecânica da realidade econômica (Luz e Fracalanza 2012).

Porém, analisando as repercussões a respeito das perspectivas evolucionárias acima apresentadas, e observando a ciência em sua apresentação hodierna, podemos observar o fascinante êxito das ideias atreladas ao processo evolutivo de Charles Darwin. Já em sua publicação, A Origem das Espécies apresentou-se como revolucionária não só ao modo de se vislumbrar o processo evolutivo, mas também ao modo de se pensar as ciências modernas (D. Hamilton 1970). Desse modo, seu impacto e suas influências ascenderam consideravelmente desde então. Atualmente, é conhecido o importante papel das perspectivas darwinianas na biologia, ao contrário da spenceriana que, normalmente, é recordada somente para exemplificação de uma visão equivocada do processo de evolução (Monasterio 1998).

Veblen, conforme veremos, por diversas oportunidades, mostrou-se fortemente convergente com o ideário darwiniano, destacando-o como fundamental para o entendimento dos fundamentais princípios históricos relacionados às causações cumulativas, não só a nível biológico, mas também numa perspectiva socioeconômica (Veblen 1898). Exatamente por este reconhecimento, Veblen (1898) comenta a divisão da ciência entre pré-darwiniana e pós- darwiniana, justamente para salientar a importância e a relevância das contribuições de Darwin ao pensamento científico.

Deve-se ainda salientar que a incorporação dos ideários evolucionários de Charles Darwin em outras áreas do conhecimento surge como uma interpretação não literal, mas sim de inspiração à atenção dos processos de mudança. Essa pontuação mostra-se relevante, pois

31 Se considerarmos A Riqueza das Nações (1772), de Adam Smith, como a primeira obra que apresenta a

economia como uma ciência autônoma – assim como sugere Cerqueira (2001) – então, até a publicação de A

justifica as potenciais divergências entre pensadores de inspirações darwinianas em campos, como por exemplo, a ciência econômica (D. Hamilton 1970)32.

Tendo contextualizado o pensamento evolucionário na Era científica de Veblen, cabe agora melhor entendermos como estas ideias foram relacionadas aos anseios do autor na ciência econômica. Afinal, conforme veremos, é evidente a influência darwiniana nas contribuições de Veblen, principalmente na capacidade de se vislumbrar um processo evolucionário atento às causações cumulativas ao longo da história e das formações sociais e econômicas (D. Hamilton 1970). Visando melhor compreender as contribuições de Veblen para a construção de uma ciência econômica evolucionária, dedicaremos a próxima sessão, atentando as suas proposições epistêmicas e às principais influências para seu constructo teórico.

2.2. VEBLEN E A ECONOMIA DE SUA ÉPOCA: POR QUE A ECONOMIA NÃO É