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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.5. The pecuniary standard of living

Apesar de desenhado o cenário histórico e antropológico que permeia e exemplifica as mudanças sociais até aqui apresentadas, os mecanismos psicológicos e sociológicos que as justificam ainda permanecem obscurecidos no decorrer desta obra de Veblen. Através das explicações prévias tecidas nos capítulos 2 e 3 desta dissertação, o leitor atento pode

apresentar compreensão satisfatória dos desencadeamentos viabilizadores de tais mudanças. Porém, esta preocupação, para além deste autor, também atinge a Veblen na construção da obra que aqui está sendo trabalhada. Com base nesta inquietação, surge a necessidade e a viabilidade deste capítulo na obra de Veblen. Neste ponto, o objetivo principal do autor é estabelecer, além de explicações sobre os desencadeamentos habituais, também desenhar qual seria o padrão pecuniário de vida, haja vista as características até aqui apresentadas.

Veblen destaca que para grande parte das pessoas da sociedade moderna, os esforços de exacerbação de consumo para além das necessidades de conforto físico, são elementos não conscientes. Complementarmente, estes esforços e desejos também não atuam através da forma convencional de decência compreendida através dos bens consumidos. Segundo Veblen, estes esforços seriam a resposta de um padrão de vida instituído que não apresenta seus limites bem definidos, pois flutua através de seus hábitos de pensamento e comportamento que são socialmente compartilhados. Em outras palavras, Veblen pontua que o modo de pensar e o comportamento referente à conspicuidade da classe ociosa, são o reflexo de uma instituição de ordem pecuniária. Sendo que esta é regida e transmutada ao longo do tempo, através de seus respectivos hábitos. Desse modo, na leitura de Veblen, a conspicuidade do comportamento humano, principalmente através das já citadas características de desperdício, se tornaria cada vez mais indispensáveis. Afinal, na medida que os desperdícios conspícuos e honoríficos são desempenhados, trabalham não só na apresentação de nobreza e façanha, mas também agem como reforçadores de lógica pecuniária.

Exatamente com base nesta explicação, a instituição da classe ociosa atua através da emulação. Pois, segundo Veblen, a emulação seria especificamente o ponto mister da lógica pecuniária, tendo o significado de “the [psychológical] stimulus of an individual‟s comparison which prompts us to outdo those with whom we are in the habit of classing ourselves” (Veblen [1899] 2009, 71). Em outras palavras, os indivíduos emulariam seu comportamento de modo pecuniário, visando transparecer pertencerem a uma classe imediatamente superior a aquela em que ele próprio é identificado. Esta comparação seria, então, o objetivo mínimo de seu poder emulativo. Ou seja, os padrões de decência e reputabilidade que são almejados, são habitualmente instituídos como aqueles pertencentes ao estrato superior da sociedade. Através da apresentação desta ideia, por óbvio, a classe ociosa (a mais elevada de todas) teria o conforto de ditar as regras de desencadeamento da conduta e dos padrões pecuniários. Sendo que suas mudanças e/ou incrementos se dariam muito mais em termos cerimoniais do que em termos materiais. Segundo Veblen, este estímulo à

emulação trabalharia através do processo guia do hábito de desperdício conspícuo (de tempo e de recursos), sendo temperado em grau variável pelo instinto de trabalho eficiente.

Desse modo, pelo argumento de Veblen, a criação de padrões de vida como instituição, está diretamente relacionado à natureza habitual do comportamento humano. Mais do que isso, todas as criações de padrões de comportamento podem ser justificadas através da natureza habitual do ser humano. Sendo assim, o compartilhamento de hábitos e convencionalização de ideias é um fator extremamente primordial para a existência do convívio em sociedade. Tendo em mente que, conforme já visto, as habituações atuam a nível cognitivo nas percepções e no comportamento humano, espera-se que sua criação, alteração e inutilização, ocorra em passos lentos. A lentidão deste processo justifica a existência e a força de permanência de ideias e de comportamentos; tem-se, então, o conservadorismo. Ou seja, o desencadeamento de eventos culmina em pensamentos e comportamentos já pré-estabelecidos através das habituações. O conjunto dessas habituações, agindo como direcionadoras e gerenciadoras, formam as instituições.

Voltando à análise do padrão de vida e suas alterações na condição de instituição, Veblen argumenta que esta característica conservadora culmina na manutenção de circunstâncias e convenções pecuniárias em prol das diferenciações entre classes. Conforme mais antiga uma habituação, mais inquebrável apresenta-se o hábito em questão, consequentemente, mais persistentemente será sua afirmação a nível cognitivo. Sendo assim, o consumo conspícuo apresenta-se como um trato da natureza humana pautado na despesa e desperdício em prol da manutenção da honra e da nobreza, sinalizando proeza do indivíduo. Ou então, posto nas palavras de Veblen:

[I]n concrete terms, in any community where conspicuous consumption is an element of the scheme of life, an increase in an individual's ability to pay is likely to take the form of an expenditure for some accredited line of conspicuous consumption.

Veblen ainda pontua que, com exceção do instinto de autopreservação, a propensão pela emulação é provavelmente o mais forte e o mais alerta e persistente dos comportamentos econômicos. Portanto, ao viver em uma lógica industrial de incentivo a consumo como exibidor de honra e proeza, a emulação se dará de forma pecuniária, conforme aqui já apresentado.

Conforme o padrão de vida pautado na despesa e no desperdício de tempo e recursos é aceito e praticado pela sociedade, sua confirmação através da normalização e

compartilhamento de hábitos é inevitável; consequentemente há o reforço constante da lógica de vida que ali se institucionalizou. Desse modo, o reforço da instituição se dá não só de maneira formal, através das convenções pautadas para essa finalidade no cotidiano social, mas também se dá a nível inconsciente de prática daquilo que se considera normal, aceitável, esperado. A quebra com quaisquer elementos convergente a essa instituição seria de estranhamento considerável, podendo ser entendido até mesmo como antinatural98.

Ainda fazendo ponderações a respeito dos padrões de vida, ao abordar especificamente o tema das taxas de nascimento, Veblen é enfático ao afirmar que as classes mais abastadas apresentam maiores impedimentos conscientes para tal. Afinal, o acréscimo de um novo membro da família, especialmente criança, torna os custos de vida ainda mais dispendiosos. Apesar de tratar-se de um elemento emulativo, o mesmo só se fará positivo se implicar aumento substancial no dispêndio total, sem causar externalidades negativas nos demais elementos pecuniários. Porém, muitas vezes, elevadas taxas de nascimento em uma mesma família, fazem com que os custos sejam elevados a um nível que comprometa a emulação de maneira eficiente, fazendo com que na média, surjam dificuldades em se explicitar a lógica de consumo e ócio que era praticada pela mesma família anteriormente. Ou seja, aquilo que seria uma prática positiva de emulação, torna-se um evento de dificuldades.

Finalmente, Veblen ainda estabelece relação entre classes abastadas e o comportamento erudito. Segundo o autor, as pessoas na busca pela escolarização e conhecimento de nível superior, são constantemente colocadas em contato com membros de estratos pecuniários superiores. Sendo assim, parte considerável dos elementos de decência são transfundidas com pouca mitigação a estes e, “as consequence there is no class of the community that spends a larger proportion of its substance in conspicuous waste than these” (Veblen [1899] 2009, 77).

Desse modo, pode-se observar que os desencadeamentos apresentados por Veblen tecem a narrativa histórica e antropológica sendo fundamentados pelos princípios da psicologia humana99. Nota-se o essencial elemento habitual humano como desencadeador do processo de causações cumulativas que culminam na criação e manutenção de uma sociedade estratificada em classes e que pratica seus elementos seletivos de emulação pecuniária. Logo,

98

Esta afirmativa não implica dizer que a institucionalização pecuniária ocorre de maneira natural (vinda da natureza humana), mas é tão enraizada e aceita em seus termos que, por muitos, pode ser através desta ótica visualizada.

99 Conforme visto no capítulo 2 desta dissertação, os elementos da psicologia humana compreendidos pela teoria

o comportamento conspícuo, pautado na exibição e exacerbação da honra, proeza e nobreza torna-se institucionalizado.

A fins didáticos, e visando a sumarização dos esclarecimentos aqui tecidos, o quadro 6 apresenta os desencadeamentos socioeconômicos até aqui descritos.

Quadro 6 – Síntese dos elementos conspícuos da Teoria da Classe Ociosa

ELEMENTOS DESCRIÇÃO

Emulação Pecuniária

 A emulação é um mecanismo de adaptação em comunidade. Atua no sentido de se fazer pertencente à algo.

 Na sociedade estratificada de propriedade individual, a emulação se torna pecuniária.

o Atua como demonstradora de façanhas, garantido honra e dignidade.

 A emulação pecuniária tem o objetivo de demonstrar o comportamento dos indivíduos através do poder pecuniário.

o Este poder pecuniário é normalmente emulado com o objetivo de transparecer pertencimento a uma classe superior.

 É o principal justificador dos pensamentos e comportamentos conspícuos; tanto de ócio quanto de consumo.

Ócio Conspícuo

 Atua como mecanismo potencializador da emulação pecuniária.

 Pauta-se na desconexão com atividades laborais produtivas (industriais).

o Tem o objetivo simples de demonstrar capacidade de abstenção laboral, sem comprometer subsistência.

 Atua não só em seu ―mestre‖ e/ou viabilizador, mas também em seus agregados familiares ou não.

o Ócio conspícuo como método de emulação pecuniária através da improdutividade alheia.

 É o principal viabilizador do aprendizado de comportamentos associados a modos e etiquetas

o Modos e etiquetas são fundamentais para a execução do consumo conspícuo.

Consumo Conspícuo

 Auxilia na emulação pecuniária demonstrando capacidade elevada de dispêndio.

 Comportamento direcionado à demonstração de poder de compra.

o Não só em quantidade consumida, como também em qualidade do bem consumido.

 Os bens passam a apresentar finalidades cerimoniais.

 A sociedade industrial intensifica o papel do consumo na emulação pecuniária

o O consumo conspícuo passa a tomar, proporcionalmente, papel de destaque em relação ao

ócio conspícuo.

 O consumo conspícuo vicário apresenta as mesmas características e objetivos do ócio vicário: demonstração de poder.

Elaboração própria.

Observa-se através do quadro acima, que os elementos de origem conspícua culminam com o advento da emulação pecuniária. Tais elementos forjam as principais características da sociedade bárbara e pós-bárbara pautada na estratificação social e na propriedade privada individual. Conforme o interesse de Veblen, estes elementos são analisados em prol do entendimento da formação de uma classe social ociosa. Segundo o autor, os membros do topo desta cadeia seriam os máximos desencadeadores das características pecuniárias como acima apresentadas. Porém, deve-se salientar que a existência desta se dá não pela deliberação racional e consciente desses alguns, mas sim pelo processo de causação cumulativa e seus efeitos nos hábitos, tanto de pensamento quanto de comportamento. Sendo assim, através de longos períodos históricos e de interação social, os indivíduos da sociedade contemporânea ao tempo de Veblen100, apresentam características bastante convergentes à estratificação social via pecuniaridade. Devido a natureza evolucionária que permeia ao processo de causação cumulativa, observa-se a possibilidade de alterações não substanciais em cada um dos supracitados elementos conspícuos, normalmente gerando mudanças à margem do seu objetivo de emulação, como por exemplo, através de novos cerimonialismos.

Sendo assim, apresentados estes relevantes elementos socioeconômicos através da perspectiva vebleniana, nos próximos capítulos da obra, o autor estabelece maiores comentários, explicações e especificações sobre as características concernentes à manutenção e adaptação do sistema econômico como desenhado até aqui. Logo, Veblen estabelece importantes leituras a respeito dos elementos pecuniários referentes às praticas industriais modernas, assim como da organização e estratificação social de seu tempo.