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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.2. UMA ANÁLISE DE THE INSTINCT OF WORKMANSHIP AND THE STATE OF

4.2.6. The era of handicraft

Veblen argumenta que com a ascensão da lógica da propriedade privada em um sistema competitivo as relações industriais passam a se alterar, não só no que se refere a produção, mas também no que se refere ao consumo e ao comércio. Segundo o autor, as sociedades cristãs da Europa foram as que conseguiram fazer a passagem para a manufatura com maior facilidade. Esta facilidade teria sido possibilizada por características desta comunidade durante a era das trevas, como por exemplo, o abandono da lógica feudal, a manutenção de direitos e a característica quase pacífica. Em mesmo sentido, com a intensificação da lógica de precificação a estrutura de uma sociedade em termos monetários passa a ascender ainda mais rápido. Dentre outras características advindas junto com a lógica de precificação, a mais marcante, segundo Veblen, seria a emergência de uma noção de preço justo. E, conforme já comentado, em síncrono com o advento do sistema industrial, esta lógica de precificação seria o principal motor de promoção às relações pecuniárias.

Segundo Veblen, a mudança de um sistema baseado na produção artesanal para a produção de manufatura se deu pelo avanço tecnológico e pelos altos investimentos necessários. Esta nova situação do estado da arte industrial fez com que elevados níveis de investimentos fossem necessários para viabilização de plantas produtivas. Desse modo, segundo o autor, surge a situação de mestres-empregados e comércio. Por óbvio, esta nova situação reestabelece as habituações dos indivíduos que agora adaptam-se em instituições voltadas as rotinas laborais do dia-a-dia. Dentre estes novos hábitos, Veblen destaca a ascensão dos incentivos ao desenvolvimento de novas habilidades, iniciativa e aplicação de treinamentos individuais, melhoramento de relações humanas e etc. Veblen destaca também a ascensão e lapidação das formações habituais voltadas as perspectivas individualizadas de bem-estar e prosperidade.

Até este ponto do desenvolvimento tecnológico, o conhecimento necessário ainda era pouco desenvolvido e apresentava-se de forma bastante simples e óbvia. Segundo Veblen, este conhecimento estava diretamente baseado em uma rotina de trabalho e possível de obtenção através de desenvolvimento pessoal com treinamento breve. Porém com o advento da era da manufatura, as lógicas de trabalho passam a ser pautadas nas percepções processuais, mecânicas e baseadas na força física. Em um primeiro momento as pessoas ligadas a realidade produtiva seriam tocadas por esta nova lógica. Posteriormente, através do compartilhamento de hábitos, estes seriam passados para os demais membros da sociedade.

Sendo assim, dado determinado período de tempo, haveria uma reformulação dos hábitos de pensamento de toda a sociedade através do estabelecimento desta nova lógica produtiva117.

Todas estas novas habituações somam ao processo de causações cumulativas em prol do reestabelecimento da sociedade mediante suas novas demandas. Veblen argumenta que este processo de mutações habituais neste período da manufatura fora essencial ao processo de criação surgido durante o período posterior na era das máquinas industriais. Dentre alguns exemplos, o autor comenta, por exemplo, o surgimento da máquina a vapor. Este exemplo surge, pois segundo Veblen, apresenta a característica temporal necessária para o estabelecimento das inovações, uma vez que as máquinas a vapor já eram utilizadas em outros processos não industriais. Porém, com o advento das lógicas processuais, observou-se a possiblidade de atrelá-la a finalidade produtiva através do movimento mecânico, das massas, velocidade, forças e etc. Por óbvio, quanto mais constantes e significativos forem os avanços no campo tecnológico, maior serão os resultados no estoque de conhecimento. Consequentemente, maior conhecimento técnico estará disponível para o desenvolvimento de novas tecnologias e assim, tornando o processo de ganhos tecnológicos acentuado através de sua própria cumulatividade.

Concomitantemente ao crescimento da complexidade advindo da era da manufatura, as lógicas produtivas e, portanto, de custos, também apresentam demandas gerenciais mais complexas. Sobre este ponto, Veblen comenta a emergência da contabilidade através de uma faceta ―engenheira‖ em busca da eficiência e como antecessora da estatística neste mesmo sentido. Ainda segundo o autor, o aumento das relações contábeis pode também ser vislumbrada como um reflexo da adesão ao sistema de precificação. Afinal, em síncrono aos incrementos de complexidade na indústria manufatureira, o estabelecimento de um sistema de preços passível de regulação, manutenção e mensuração é essencial para os objetivos pecuniários ali emergentes. Sendo assim, a emergência de um sistema de preço fez com que os avanços da indústria pudessem ser realizados, principalmente como mensuradores essenciais na lógica contábil. Outro ponto bastante relevante trazido por Veblen diz respeito ao desvencilhamento da lógica antropomórfica da produção através do sistema de precificação e contabilidade. Afinal, agora o processo produtivo passa a apresentar suas próprias regras de conduta com base em um sistema de custos e receitas mensuráveis e controláveis. Segundo o autor, esta redução dos fatos de observação para termos quantitativos e objetivos teriam sido

117 Veblen comenta que a ascensão de uma classe produtiva durante a era da manufatura teria ascendido também

uma consciência voltada ao reconhecimento de suas peculiaridades. Desse modo, Veblen argumenta que o próprio instinto de trabalho eficiente atua como potencializador deste sentimento de classe, fazendo distinções entre aqueles que fazem parte da realidade produtiva e aqueles que não fazem.

possíveis de se vislumbrar principalmente durante os últimos estágios da era da manufatura, já em processo de início da era das máquinas industriais.

Segundo Veblen, não por acaso a Inglaterra despontou no estado da arte industrial durante a era da manufatura. Na perspectiva do autor, a história Inglesa em seus anos de exploração naval e conquistas territoriais foram essenciais na incorporação e aprendizado de novas atividades e novos conhecimentos tecnológicos. E, em mesmo sentido, devido ao principio da causação cumulativa, também foi a nação que apresentou de maneira mais propícia o advento da revolução industrial. Por apresentar-se como principal emancipadora da era da manufatura em sua realidade produtiva, a Inglaterra também apresentou grandes reflexos em seu meio científico sendo, por muito tempo, o lar de grandes intelectuais da época, não só no que se refere a rotina industrial, mas também no ramo das ciências humanas, como por exemplo, na filosofia. Uma das explicações de Veblen a este fenômeno refere-se a crescente ligação entre a ciência em seu desenvolvimento material e o estado da arte da indústria inglesa.

Este fenômeno científico/acadêmico pode ser observado, segundo Veblen, como um processo de generalização de conhecimentos entre áreas distintas. Segundo o autor, a ascensão e o sucesso da manufatura possibilitou que suas lógicas processuais e de ordem natural passassem a serem vislumbradas também em outros contextos de conhecimento, muitas vezes atuando como uma forma de paradigma no estado da arte da ciência como um todo. Sendo assim, Veblen argumenta que através do desenvolvimento da ciência moderna nesta lógica de causação, houve o reconhecimento e desenvolvimento científico não só em termos de trabalho eficiente, como também em uma eficiência artesanal. Segundo o autor, foi exatamente esta mescla de percepções que viabilizou o desenvolvimento de máquinas que viriam a ser os principais expoentes da era posterior do estado da arte industrial.

Tecendo comentários ainda mais genéricos sobre o período da era da manufatura, Veblen destaca que, politicamente, esta pode ser interpretada como a era da formação dos Estados. Segundo o autor, este comentário justifica-se principalmente através da fundamental posição e atuação dos Estados nos processos de desenvolvimento industrial, principalmente no que se refere ao estabelecimento e garantias voltadas ao tamanho da população, meios de comunicação, proteções territoriais e negociações internacionais. Teria sido somente após o período de dependência e emancipação dos negócios em seus termos privados que as iniciativas não Estatais passariam a ter suas atenções voltadas as finalidades pecuniárias de emulação e poder.

Esta lógica privada voltada a finalidade pecuniária atuou não só na acumulação da riqueza por parte dos mestres da manufatura, como também auxíliou no processo de especialização e eficiência da indústria. Afinal, através destes diferenciais tecnológicos buscar-se-iam retornos extraordinários que auxiliariam no processo emulativo de finalidade pecuniária. Em mesmo sentido, as elevações nos níveis de vida possibilitariam a estabilização dos níveis de subsistência, permitindo a emancipação de um instinto criativo e curioso associado ao trabalho eficiente no que se refere a promoção de novas tecnologias e novas possibilidades. Consequentemente, passa a ser possível notar diferentes percepções teológicas e filosóficas atuando nas comunidades, principalmente pautadas em conceitos de direitos naturais e liberdade natural. Sendo que estes últimos argumentos seriam aqueles que, segundo Veblen, viriam a viabilizar e fundamentar as teorias legais modernas.