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4. A CIÊNCIA EVOLUCIONÁRIA NO PENSAMENTO DE THORSTEIN VEBLEN:

4.1. UMA ANÁLISE DE THE THEORY OF THE LEISURE CLASS

4.1.14. The higher learning as an expression of the pecuniary culture

De forma similar ao capítulo 7, voltado a apresentação da vestimenta como forma de uma expressão da cultura pecuniária, neste capítulo Veblen objetiva a apresentação do ―alto aprendizado‖ também como uma expressão desta cultura. Porém, diferentemente do caso da análise do vestuário, neste capítulo o autor tem como um dos pontos de sua apresentação, a característica de mudança dos atributos motivadores e desenvolvedores do alto aprendizado. Para que essa assertiva possa se fazer melhor entendida, primeiramente é necessário que se entenda a emergência e a caracterização do aprendizado em seu desdobramento histórico, assim como qualquer outro elemento de análise pela perspectiva vebleniana. Conforme já apresentado e extensivamente comentando até aqui, observa-se os hábitos de pensamento como os grandes regentes tanto dos pensamentos quanto dos comportamentos dos indivíduos de determinada comunidade. Porém, Veblen salienta que estes hábitos apresentam

diferenciações em sua importância do ponto de vista econômico. Afinal, segundo o autor, os hábitos atrelados aos professores e tradições escolásticas apresentam impacto direto em aspectos de conhecimento e manutenção do indivíduo, portanto, valor econômico. Exatamente com base neste ponto, Veblen justifica a identificação desta característica da expressão da cultura pecuniária como extremamente fundamental de ser entendida, não só em suas características inicias, como também em suas alterações na sociedade industrial.

Conforme demonstra-se passível de inferência neste ponto do trabalho, aqueles indivíduos ou classe que apresentam-se atrelados a atividades de aprendizado estariam relacionados ao grupo ocioso da sociedade. Afinal, estariam desconexos da materialidade industrial em busca de erudição e elevação de conhecimento, majoritariamente, inútil a realidade hodierna. Tal afirmação pode gerar estranheza em um primeiro momento devido à perspectiva contemporânea de alto aprendizado, porém, vale lembrar, neste trecho inicial de seu raciocínio, Veblen está situando seu leitor ao momento de emergência do alto aprendizado que, por definição, apresentava-se desconexo das demandas produtivas. Devido a esta característica, segundo Veblen, em seu desenvolvimento inicial, o aprendizado apresentava-se relacionado à função devocional da comunidade. Sendo assim, no momento de sua criação e institucionalização, o conhecimento apresentava-se como uma extensão das atividades devotas, principalmente voltado ao sobrenatural e ao conhecimento exotérico devocional.

Segundo Veblen, a aproximação de ambas as atividades não deu-se ao acaso, uma vez que, em grande medida, houve convergência entre os interesses devocionais e a busca pelo conhecimento, haja vista que neste estágio, aquilo que se propunha como o conhecimento, apresentava-se como o desbravador do desconhecido quase que num sentido metafísico. Desse modo, segundo o autor, ao menos neste período inicial, o conhecimento apresentou característica sacerdotal, ritualística e mística. Veblen salienta ainda que, conforme os demais objetivos da organização social, no caso do conhecimento há também a perspectiva emulativa, não só em sua característica ociosa, mas também em seu propósito de impressão e imposição sobre aqueles não letrados e desconexos da erudição do conhecimento. Sendo assim, nota-se que em seus estágios iniciais, o conhecimento não apresentava dever nem função aparente com aquilo que se demandava de uma realidade produtiva. Exatamente por este ponto, Veblen delata os estágios iniciais da instituição de aprendizado atrelados aos interesses da classe ociosa em seu anseio de erudição devocional e cerimonial. Desse modo, Veblen ([1899] 2009, 238) pontua que “[l]earning, then, set out by being in some sense a by-product of the priestly vicarious leisure class”.

Neste ponto Veblen tece importantes considerações a respeito dos cerimonialismos que ainda envolvem, de maneira direta ou indireta, as instituições voltadas ao aprendizado. Segundo o autor, grande parte dos rituais escolásticos que ainda são preservados e cultivados estão diretamente relacionados coma raiz apostólica destas instituições. Dentre seus exemplos, Veblen destaca os cerimoniais de iniciação, matrícula, graduação e, neste último em específico, o uso de vestimenta voltada a finalidade de exibição deste feito. Segundo o autor, em sua contemporaneidade e passado recente, estes traços ritualísticos no sistema educacional compõe em maior medida a parte elevada, liberal e clássica das instituições de ensino, se comparadas às instituições baixas, técnicas e práticas do mesmo sistema. Sendo que, na medida em que há o ―vazamento‖ destes rituais para as partes mais baixas, trata-se de um aspecto de mimetismo em relação às reputabilidades comumente creditadas aos níveis elevados de educação. Ainda sobre as diferenciações entre os elevados níveis de educação e os baixos, Veblen destaca que cabem aos primeiros o papel de adesão à formas cerimoniais de comportamento e pensamento. Conforme destacado em trechos anteriores da obra, os modos, etiquetas e costumes são essenciais na emulação pecuniária e são aprendidos majoritariamente nestes níveis educacionais.

Mais uma vez buscando agregar evidências da relação entre o sistema educacional e os padrões culturais, Veblen salienta que com a ascensão cada vez maior dos atributos industriais na realidade econômica, gradualmente nota-se uma mudança no direcionamento do alto aprendizado. Antes encabeçado pelas atividades devocionais, agora pauta-se na realidade e peculiaridades da indústria e suas demandas hodiernas. Em mesmo sentido, assim como se reduz a diferenciação de gênero nas atividades produtivas, no caso do aprendizado também nota-se uma maior aderência por parte das mulheres nos campos do conhecimento voltados ao alto aprendizado. Segundo Veblen ([1914] 2018, 244), esta última passagem em específico apresenta-se de forma bastante peculiar, já que “[t]he higher schools and the learned professions were until recently tabu to the women”. Este tabu, ainda segundo o autor, representava uma diferenciação em senso de valor, honra e status entre os sexos e a distinção entre uma dignidade intelectual tida como superior e inferior que, até então, vigorava no que Veblen chama de aristocracia do aprendizado. Além deste ponto, Veblen também destaca o caráter ―não-feminino‖112

do conhecimento, uma vez que este expressa o desdobrar do conhecimento sobre a própria vida e a aquisição de interesse próprios em detrimento daquele que deveria ser direcionados a seu mestre.

112 Nesta passagem Veblen parece apresentar o caráter feminino como socialmente construído pelos já

Veblen salienta que o processo de mudança no foco nas ciências e nas atividades de aprendizado – saindo de uma inutilidade erudita em direção ao entendimento humano e de suas necessidades materiais – se deram de forma muito custosa e pouco receptiva. Segundo o autor, esta característica justifica-se pelo caráter conservador do conhecimento devido aos meios e os fins já consolidados no modo de se desenvolver a ciência. Ou, nas palavras de Veblen ([1914] 2018, 247):

New views, new departures in scientific theory, especially new departures which touch the theory of human relation at any point, have found a place in the scheme of the university tardily and by a reluctant tolerance, rather than by a cordial welcome; and the men who have occupied themselves with such efforts to widen the scope of human knowledge have not commonly been well received by their learned contemporaries

Sendo assim, através de considerável relutância, os atributos do conhecimento, principalmente aqueles associados à ciência, tornam-se cada vez mais atrelados à realidade material e suas demandas. Afinal, o conhecimento científico volta-se ao aprimoramento e readaptação de realidade produtiva. Exatamente com base neste ponto, Veblen ([1914] 2018, 251) continua: “[s]o that while the higher learning in its best development, as the perfect flower of scholasticism and classicism, was a by-product of the priestly office and the life of leisure, so modern Science may be said to be a by-product of the industrial process”

Comentando sobre os desdobramentos recentes do alto conhecimento, Veblen destaca a atenção cada vez maior dedicada aos assuntos concernentes às humanidades e suas relações com a eficiência industrial. Segundo o autor, estes assuntos teriam sua emergência frente a gratificação pelo entendimento próprio, de sua cultura e das atitudes espirituais habituais concernentes à contemplação aos feitos antropomórficos e existenciais. Desse modo, nota-se que o direcionamento das atenções do conhecimento aos desdobramentos da realidade material não se deram de forma exclusiva e integral, permanecendo a curiosidade em seu sentido vão, sendo ou não atrelado ao eruditismo emulativo. Sobre esse ponto, Veblen volta a salientar a característica dos altos níveis de educação atrelarem-se com maior facilidade a essas erudições, pontuando, especificamente, atributos de conhecimento que são questionáveis do ponto de vista útil à realidade material e/ou ao processo industrial. Dentre estes, segundo Veblen, estão o aprendizado de línguas consideradas mortas, mas tidas como de elevada reputabilidade devido à erudição cultural.

De forma a concluir, Veblen ainda tece comentários sobre os aspectos cerimoniais do aprendizado, principalmente voltados a sua exibição. Dentre estes aspectos, Veblen frisa a

dicção elegante e a forma culta de apresentação de ideias, não só de modo falado, mas também de forma escrita. Ao justificar a prática deste ato cerimonial de emulação, Veblen destaca o caráter de ócio relacionado ao aprendizado de tais maneiras, o que garante que o executor de tais cerimonialismos apresente-se como culto, erudito e ocioso aos ouvidos e olhos daqueles que o cercam. Ou seja, até mesmo a fala ganha em suas apresentações os fenômenos pecuniários de emulação.

4.2. UMA ANÁLISE DE THE INSTINCT OF WORKMANSHIP AND THE STATE OF